Mostrando postagens com marcador #FreePalestine. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #FreePalestine. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre anões e gigantes


POR CAROLINA PETERS

As declarações do chanceler israelense, o qual chamou o Brasil de anão diplomático, foram, a despeito de certo frisson da oposição de direita (veículos de mídia inclusos), recebidas com algum grau de altivez pelos brasileiros. Tanto que o frisson nem durou muito. Apesar da reminiscência do complexo do vira-latas, existe hoje um sentimento razoavelmente difundido entre nós de legitimidade internacional. Nossos presidentes hoje falam lá fora em língua pátria, e não mais se oferecem a falar na língua que se deseje escutar. E não é por ignorância, senão por dignidade. Nossos posicionamentos dentro da ONU têm relevância e o discurso de Dilma cobrando explicações da Casa Branca no caso de espionagem conduzido pela NSA (agência de segurança estadunidense) teve grande repercussão internacional, apesar do pouco caso da imprensa local.

Mas não vem ao caso nesse momento a imprensa local. Apesar das duras críticas proferidas na assembleia das Nações Unidas, o Brasil não aceitou o pedido de asilo de Edward Snowden. E isso diz mais sobre como estão as coisas aqui dentro do que da porta de casa pra fora.

Foi a discussão que travei há uns meses numa mesa de bar com uma estudante de RI. Ela defendia o princípio de autonomia da política externa com base em teorias das Relações Internacionais; eu pontuei que a dinâmica interna das alianças que asseguram a governabilidade do governo Dilma era, no limite, decisivo para as movimentações internacionais. Acima de qualquer teoria ou escola a que uma ou outra aderisse, nosso desacordo se dava, sobretudo, por adotarmos lugares de fala muito distintos: ela, da diplomata; eu, da militante politica.

Li um artigo interessante na edição francesa do Le Monde Diplomatique: nunca a grande imprensa, em todo o mundo, defendeu tanto o “equilíbrio” na cobertura jornalística. Uma forma sutil, elegante, de se posicionar inevitavelmente por um lado, posto que nesse conflito não existe guerra entre dois Estados Nacionais com seus exércitos, mas um massacre promovido pelo Estado Sionista sobre um povo que teve ao longo das últimas décadas suas terras e seus direitos usurpados. O quadro de mortes nesse momento marca um placar de dois dígitos do lado israelense, contra quatro dígitos do lado palestino. Nenhuma morte é menos lamentável que outra, mas estes números dão dimensão da desproporção com a qual uns declaram não mais que “se defender” (a melhor defesa é o ataque, certo?). E não só pela força bélica, mas telegramas divulgados pelo wikileaks dão conta de acordos entre Israel e Estados Unidos para minar economicamente a região e forçar a debandada do povo palestino. Defender o equilíbrio, aqui, está distante da imparcialidade.

Fomos capazes, com razão, de nos indignar com a alcunha de anões diplomáticos, mas a intervenção real do Estado Brasileiro sobre a investida criminosa do exército israelense em Gaza foi nula. Abrimos mão de nosso porte como um dos maiores compradores de armamento de Israel e nos encolhemos no canto da sala de estar da política internacional sem trabalhar efetivamente pelo cessar fogo na região. A vizinha Bolívia, com o tamanho que lhe cabe, sinalizou sua posição declarando Israel Estado terrorista e voltando a exigir vistos para a entrada de israelenses em seu território.

O que nos impossibilita uma medida enérgica do governo brasileiro de solidariedade ao povo palestino e seu direito a um Estado soberano e à paz, pressionando com medidas de embargo ao Estado Sionista não é nosso tamanho, mas nossas escolhas.

Nossa polícia mata cinco por dia favelas afora. A periferia vive em constante estado de sítio e manifestações são duramente reprimidas e prisões arbitrárias decretadas, contando com tecnologia israelense. Ontem, após semanas de campanha dos movimentos sociais, dois ativistas, destes acusados sem provas foram soltos. Há mais tantos outros inocentes encarcerados, sobretudo negros, como Rafael Braga, morador de rua preso por portar o perigosíssimo desinfetante Pinho Sol, que não contaram com a mesma comoção e seguem sem perspectiva de liberdade. Temos contas a acertar com nosso passado recente, de ditadura, e com nosso presente. A Palestina também é aqui.