POR ET BARTHES
Já faz algum tempo e muita gente já viu. Mas nesta sexta-feira, dia em que as pessoas têm um tempinho, dá para ver com calma. É um dia de paz, sem ódios...sexta-feira, 30 de março de 2018
quarta-feira, 28 de março de 2018
Caravana de Lula alvo de tocaia a tiros: até onde vai a escalada fascista?
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Como descrever uma escalada fascista na prática? O processo pode começar com um simples xingamento. Depois aparece um energúmeno a chicotear pessoas. Mais tarde as estradas acabam interrompidas e pedras são atiradas. Até que um dia a coisa sai do controle e acaba num atentado a tiros. Acaba? Eis o problema. Porque a própria palavra “escalada” indica um movimento que não tem hora para acabar.
O atentado contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – três tiros contra o ônibus onde estavam convidados e jornalistas –, ocorrido ontem no Paraná, é o mais grave episódio desta febre fascista que está a fazer o Brasil voltar aos tempos de antanho. É tão grave que a polícia decidiu tratar o caso como tentativa de homicídio. Os tiros, disparados dos dois lados da estrada, apontam para uma tocaia. E tocaia é uma coisa muito século 19.
O pior é ver políticos apostarem na anomia fascizante. Durante uma convenção do seu partido, a senadora Ana Amélia Lemos elogiou os ruralistas gaúchos por protagonizarem atos bárbaros contra a caravana do ex-presidente. É ruim, mas pode piorar. Ontem, ao comentar a emboscada à comitiva de Lula da Silva, o governador Geraldo Alckmin disse que o PT “colhe o que planta”. É o triunfo da selvageria.
Até onde vai essa escalada fascista pode levar o Brasil? É imprevisível. Mas ainda há tempo para evitar o pior. É preciso diálogo, serenidade e respeito pela regra democrática. No entanto, é impossível comunicar com fascistas. Há um vazio. Um fascista não se assume enquanto fascista porque, na maioria dos casos, ele sequer sabe que é fascista. Ou seja, não existe um interlocutor que represente o fascismo.
Roland Barthes escreveu que o “fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer”. Quer dizer que o fascismo não obriga à inação, mas à ação. E no Brasil destes tempos, ele é praticado de forma desarticulada, em forma de ações individuais ou de grupos, acobertados por discursos de ódio de classe. Aliás, vale lembrar que os fascistas são indivíduos fracos que, para compensar essa fraqueza, acabam por se identificar com os opressores.
O episódio está a pintar a imagem do país no exterior com tons sombrios. É uma questão de horas até que o assunto entre para a agenda da imprensa internacional. O mundo civilizado ainda nem assimilou a notícia da morte de Marielle Franco e já tem outras notícias negativas a partir do Brasil. E vale salientar que, mesmo com os acontecimentos dos últimos tempos, o presidente Lula da Silva ainda desfruta de enorme prestígio além-fronteiras.
A cada dia que passa, o Brasil se afasta da civilização e caminha distraidamente em direção à barbárie. Temos o lado menos mau. Enquanto houver uma “escalada fascista”, o ponto de não-retorno ainda não terá sido atingido. E o lado muito mau. O perigo é a evolução para um estágio de “espiral fascista”, porque as espirais giram sobre si mesmas e não têm fim.
É a dança da chuva.
Como descrever uma escalada fascista na prática? O processo pode começar com um simples xingamento. Depois aparece um energúmeno a chicotear pessoas. Mais tarde as estradas acabam interrompidas e pedras são atiradas. Até que um dia a coisa sai do controle e acaba num atentado a tiros. Acaba? Eis o problema. Porque a própria palavra “escalada” indica um movimento que não tem hora para acabar.
O atentado contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – três tiros contra o ônibus onde estavam convidados e jornalistas –, ocorrido ontem no Paraná, é o mais grave episódio desta febre fascista que está a fazer o Brasil voltar aos tempos de antanho. É tão grave que a polícia decidiu tratar o caso como tentativa de homicídio. Os tiros, disparados dos dois lados da estrada, apontam para uma tocaia. E tocaia é uma coisa muito século 19.
O pior é ver políticos apostarem na anomia fascizante. Durante uma convenção do seu partido, a senadora Ana Amélia Lemos elogiou os ruralistas gaúchos por protagonizarem atos bárbaros contra a caravana do ex-presidente. É ruim, mas pode piorar. Ontem, ao comentar a emboscada à comitiva de Lula da Silva, o governador Geraldo Alckmin disse que o PT “colhe o que planta”. É o triunfo da selvageria.
Até onde vai essa escalada fascista pode levar o Brasil? É imprevisível. Mas ainda há tempo para evitar o pior. É preciso diálogo, serenidade e respeito pela regra democrática. No entanto, é impossível comunicar com fascistas. Há um vazio. Um fascista não se assume enquanto fascista porque, na maioria dos casos, ele sequer sabe que é fascista. Ou seja, não existe um interlocutor que represente o fascismo.
Roland Barthes escreveu que o “fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer”. Quer dizer que o fascismo não obriga à inação, mas à ação. E no Brasil destes tempos, ele é praticado de forma desarticulada, em forma de ações individuais ou de grupos, acobertados por discursos de ódio de classe. Aliás, vale lembrar que os fascistas são indivíduos fracos que, para compensar essa fraqueza, acabam por se identificar com os opressores.
O episódio está a pintar a imagem do país no exterior com tons sombrios. É uma questão de horas até que o assunto entre para a agenda da imprensa internacional. O mundo civilizado ainda nem assimilou a notícia da morte de Marielle Franco e já tem outras notícias negativas a partir do Brasil. E vale salientar que, mesmo com os acontecimentos dos últimos tempos, o presidente Lula da Silva ainda desfruta de enorme prestígio além-fronteiras.
A cada dia que passa, o Brasil se afasta da civilização e caminha distraidamente em direção à barbárie. Temos o lado menos mau. Enquanto houver uma “escalada fascista”, o ponto de não-retorno ainda não terá sido atingido. E o lado muito mau. O perigo é a evolução para um estágio de “espiral fascista”, porque as espirais giram sobre si mesmas e não têm fim.
É a dança da chuva.
Dicas para identificar o fascismo, segundo Umberto Eco
POR ET BARTHES
As pessoas tendem a gostar de explicações esquemáticas. Porque tornam a compreensão mais simples. O pensador Umberto Eco, um especialista em semiótica, tinha isso em mente e criou um esquema de 14 itens para ajudar a identificar o fascismo e os fascistas. O filme está em espanhol, mas a compreensão é muito fácil.terça-feira, 27 de março de 2018
Netflix, o boicote e a legitimação da narrativa do golpe
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O caso Netflix tem sido um dos temas quentes das redes sociais. Tudo por causa da série “O Mecanismo”, do diretor José Padilha, considerada um panfleto fascista pelos militantes de esquerda (nem todos, claro). E surgiu uma proposta de boicote ao serviço de streaming de vídeos. O que não deixa de ser irônico. Até um dia destes o Neflix era elogiado exatamente pela qualidade do seu catálogo, composto por milhares de filmes.
Mas vamos por partes. Há mesmo razões para boicotar o Netflix? Ora, aqui estamos no plano da relação entre o consumidor e o fornecedor de um serviço. Se a pessoa acha que não vale a pena pagar pelo produto, a solução é romper o contrato. E na pele de consumidor essa pessoa tem todo o direito de usar o word of mouth para tentar convencer outras a seguirem o mesmo caminho. É o capitalismo de mercado.
O problema é que não funciona. Poucas ideias são tão frágeis quanto o apelo ao boicote de uma marca. Lembram da Operação Carne Fraca? Houve uma revolta e a promessa de boicotar as empresas envolvidas. Mas o boicote acabou em churrasco. O auê destes dias só serviu para dar uma enorme notoriedade à serie. E ajudou a atrair o pessoal da direita que, mesmo fora do debate-boca, secretamente saliva de prazer.
“O Mecanismo” é mesmo fascista? A maioria das pessoas que repercute a crítica ainda não viu a série (estou no grupo do “não vi e nem quero ver”). Mas há uma queixa justa. Quando a frase de Romero Jucá é posta na boca do personagem que representa o ex-presidente Lula: o famoso “estancar a sangria”. Podemos dizer que foi uma liberdade poética ou até defender a liberdade de expressão. Mas falsear a história de forma tão grotesca é só canalhice.
A ex-presidente Dilma Rousseff fala em fascismo. “A propósito de contar a história da Lava-Jato, numa série 'baseada em fatos reais', o cineasta José Padilha incorre na distorção da realidade e na propagação de mentiras de toda sorte para atacar a mim e ao presidente Lula. A série é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Não reproduz 'fake news'. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas”, escreveu nas redes sociais.
Qual é o problema da série (que, repito, não vi)? Por tudo o que se falou até agora, é a ideia de legitimar a narrativa do golpe. Num tempo em que as pessoas não distinguem a ficção da realidade, esse tipo de adulteração é perigoso. Muito perigoso. A história está repleta de exemplos de falsificações ideológicas através da arte. O fantasma de Leni Riefenstahl continua a pairar sobre o mundo das construções simbólicas.
A legitimação da narrativa do golpe é um desserviço à democracia. E para mostrar, na prática, os riscos trazidos por esse tipo de abordagem, eis o exemplo de um “diálogo” entre duas pessoas aparentemente esclarecidas (com diplomas, pelo menos), numa rede social. A reação é sintomática de gente suscetível de ser manipulada.
- Também estamos assistindo. Deviam passar nas aulas de história.
- Assunto para as salas de aula, com certeza. Para quem vai às urnas deveria ser obrigatório. Mudar essa realidade não é só obrigação de quem investiga! Não considero um desserviço, muito pelo contrário, que por meio da “ficção” o povo entenda a realidade do que significou a Lava-Jato e que é necessário mudar.
Eis o risco. As pessoas têm a tendência de confundir ficção e realidade (há uma diferença entre storytelling e historytelling). Ou seja, não percebem a diferença entre história, um corpo teórico que exige ferramentas para a interpretação, com narrativas ficcionais assimiladas de forma preguiçosa e noveleira – e sem questionamentos acerca dos interesses que possa estar a legitimar. Afinal, como diz a velha expressão, o fascismo é uma cadela sempre no cio.
É a dança da chuva.
segunda-feira, 26 de março de 2018
E a Cota 40, prefeito? Como fica a palavra dada?
POR JORDI CASTAN
O Executivo Municipal ameaça a cota 40. Programar uma audiência pública para debater o tema, na segunda feria prévia ao feriado de Semana Santa, mostra a má fé do nosso Executivo.. É tudo pensado para ter um quorum baixo e pegar a sociedade desarticulada. Pensei em escrever um texto mais denso, mas desisto de escrever de novo
sobre o tema. Até porque poderia perfeitamente reproduzir de novo o texto que
já publiquei neste mesmo espaço em outras oportunidades: em 2014 Jabuti subiu na cota 40 e, de novo, em 2016 Joinville vitoria da ganancia e derrota da cota 40. Porque a Cota 40 é um
tema permanentemente em pauta, tanto para especuladores como para os seus defensores.
O problema não é a Cota 40. O problema tampouco é a
preservação do pulmão verde que Joinville ainda mantém e que garante uma melhor
qualidade de vida para todos os que aqui moramos. A Lei Orgânica do Município
garante a preservação do Cota 40. A nossa constituição municipal, escrita em
outros tempos e por joinvilenses com princípios e valores diferentes dos que
hoje nos governam, garante que a cidade não avance sobre a Cota 40. O problema
é sermos governados por gentalha sem ética, sem princípios, sem palavra, sem
vergonha. E não falo só de Joinville. O país todo vive o drama de ser dirigido
por amorais, que dão ouvidos a especuladores gananciosos igualmente amorais.
Nenhum cidadão de bem pode dormir em paz quando o Legislativo está reunido, escreveu Benjamim Franklin. No Brasil diria que "nenhum cidadão de bem pode dormir em paz quando o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo estão reunidos".
Se o prefeito não desse ouvidos a este tipo de gente - da mesma forma que não
da ao resto da população - não teríamos que trazer uma e outra vez este tema de
volta à pauta. O problema é que o prefeito, contrariamente ao que se
comprometeu, acredita que o progresso de Joinville está vinculado a crescimento
desenfreado. Ele, na sua simplória ignorância, acredita que não precisa
respeitar o que disse, menos ainda o que assinou. Porque gente sem princípios e
sem palavra é assim. E o pior: acredita que os outros joinvilenses são como ele.
Prefeito, não se engane. Em Joinville ainda há gente que honra a palavra dada.
Prefeito, não se engane. Em Joinville ainda há gente que honra a palavra dada.
sexta-feira, 23 de março de 2018
Marielle Franco, agora um símbolo mundial
O fato é que o nome da vereadora ultrapassou fronteiras. A expressão “Marielle Presente”, lançada logo a seguir à sua morte, foi trend topic no Twitter e no Facebook. Mas as manifestações foram além das redes socais e saíram para o espaço público. A vereadora foi homenageada pelo Parlamento Europeu ou pela Assembleia de República Portuguesa, entre outras. Mais do que isso, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o assassinato, na Suécia, Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha ou Portugal.
A repercussão mundial é mostrada nesta coleta de tuítes, escritos em várias línguas e devidamente assinalados com as bandeiras de cada país.
Lula em SC: ranço… ranço… nada mais que ranço
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A pequena burguesia brasileira é patética. Boa parte dela é de gente endinheirada que vai para a Europa ou Estados Unidos e fica a sonhar com a qualidade de vida de Paris, Milão, Nova Iorque ou Londres. Os caras elogiam as sociedades mais desenvolvidas e lamentam que o Brasil não consiga atingir esses mesmos padrões. Mas quando põem os pés em solo brasileiro fazem tudo ao contrário do que seria expectável.
Essa pequena burguesia não enxerga que a receita está na democracia. Parece uma abstração, mas é um fator concreto: a democracia é o elemento constitutivo das sociedades desenvolvidas. E isso significa, entre outras coisas, ter liberdade. De pensamento. De informação. De expressão. De gênero. De ir e vir. De aceder às oportunidades. Enfim, coisas que não existem no Brasil, um país que parece apostar no apartheid social.
Por que esta conversa? O objetivo é falar de uma campanha assinada por um certo MBL – Santa Catarina, que está a circular nas redes sociais. Eis a proposta: “compartilhe se você não quer Lula fazendo comício em Santa Catarina”. É uma ideia risível, ridícula mesmo (lembremos que a letra “L” da sigla significa “livre”). Mas houve mais de 6 mil partilhas. O que não espanta. Afinal, os reaças de Santa Catarina são orgulhosamente mais reaças que os outros.
Que tal pensar em termos práticos? O que essa gente ganharia por impedir Lula de falar? Nada. Então, o que isso quer dizer? Que as pessoas – a mesma pequena burguesia que citei no início – são movidas apenas pelo ódio. É ranço, ranço, nada mais que ranço. Essa gente sonha em ter uma Dinamarca, mas age de forma a ter um Sudão. O resultado só pode ser o desastre social. Os odiadores são seres odiáveis que estão a envenenar o Brasil.
É a dança da chuva.
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Post que está a ser veiculado. Qual o objetivo de negar o direito à expressão? |
quinta-feira, 22 de março de 2018
quarta-feira, 21 de março de 2018
A morte e as mortes de Marielle Franco
“As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos. (…) Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs”.
***
A morte de Marielle, 24a vítima de execuções políticas em menos de quatro anos, teve ampla repercussão dentro e fora do Brasil, em parte pelo contexto em que ocorreu, apenas um mês depois da intervenção federal no Rio de Janeiro. Uma das facetas dessa repercussão evidenciou, uma vez mais, os imensos reservatórios de ódio – a expressão é do historiador germano-americano Peter Gay – capazes de banalizar e justificar, de maneiras as mais torpes, uma tragédia que ceifou, violentamente, duas vidas – junto com Marielle, morreu também Anderson Pedro Gomes, seu motorista.
Das vozes que emergiram do esgoto, algumas se sobressaíram: o líder do MBL gaúcho, Felipe Pedri; o deputado federal Alberto Fraga (DEM); a desembargadora carioca Marília de Castro Neves; o também deputado e pastor Marco Feliciano. Centenas de outras se incumbiram da tarefa abjeta de difamar e caluniar Marielle Franco. Para os milicianos virtuais, a morte física perpetrada pela milícia armada – quatro tiros na cabeça – não foi suficiente. Era preciso matá-la de novo, ainda que as razões dessa segunda milícia, a das redes, não sejam exatamente as mesmas daquela, a armada.
Para esta, a vereadora e militante do PSOL era, principalmente, um incômodo político. Sua atuação, primeiro na Comissão de Direitos Humanos da Alerj, ainda como assessora do deputado Marcelo Freixo e, desde o ano passado, como parlamentar, foi pautada na defesa intransigente dos indivíduos e comunidades fragilizadas pela constante violência a que são sujeitadas.
Isso significava, entre outras coisas, denunciar a corrupção e a violência policiais e a ação das milícias, expondo suas digitais nos assassinatos e chacinas que se tornaram um lugar comum nas favelas cariocas. Significava também escancarar a participação de parte da própria força policial nas milícias, mostrando o quanto, em certa medida, uma era extensão da outra, e que a violência não é “uma exceção”. Discurso comum entre oficiais que precisam justificar a truculência desmedida de seus subordinados e as deles próprios, ela é um mal que afeta estruturalmente a corporação, de alto a baixo, resultado de nossa concepção equivocada e distorcida de polícia.
Nas redes sociais, os milicianos virtuais fizeram o que sabem fazer melhor: mentiram, distorceram, difamaram, caluniaram. A segunda morte de Marielle, a tentativa de assassiná-la, por assim dizer, simbolicamente, foi principalmente um empreendimento movido pelo ódio ao outro, sintetizado na figura de uma mulher negra, lésbica, nascida e criada na periferia, militante de esquerda e dos direitos humanos.
O duplo preconceito é reforçado na afirmação, reproduzida inúmeras vezes, de que Marielle “defendia bandidos” por conta de sua militância nas comunidades periféricas. Não há retórica que disfarce o óbvio: para os seus executores virtuais, todo morador de favela é um criminoso, principalmente se negro, e estar ao lado deles na defesa de seus direitos mais básicos – como o direito à vida – é entrincheirar-se ao lado de bandidos.
Marielle Franco respondeu aos que fomentam o ódio, o preconceito de classe e o racismo quatro anos antes de ser assassinada. Em sua dissertação de mestrado em Administração Pública, “UPP – a redução da favela a três letras”, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2014, cuja passagem serve de epígrafe a esse texto, ela identifica na implantação das UPPs, fruto da parceria dos governos petistas com os governadores Sérgio Cabral e Pezão, a continuidade do que estudiosos do tema chamam de “Estado penal”.
Os resultados nefastos desse modelo de segurança pública, que traduz exemplarmente a relação do Estado com as populações subalternizadas, não vitimiza apenas civis. Na dissertação, mas também em intervenções públicas, Marielle pontuava que a violência atingia igualmente policiais, e lembrava que o efetivo militar que atuava nos morros era composto, em sua maioria, por homens negros e pobres.
De um modo ou de outro, as vítimas preferenciais do “Estado penal” brasileiro têm a mesma cor de pele, a mesma etnia e as mesmas origens sociais e geográficas, daí a necessidade de organizar, nas palavras de um amigo muito caro, “as rebeldias de pessoas exploradas e oprimidas”, tarefa a qual ela se dedicou com afinco.
Sim, Marielle Franco foi assassinada por ser mulher, negra, lésbica, nascida e criada na periferia e militante de esquerda e dos direitos humanos; e pelos mesmos motivos, milícias virtuais a executaram nas redes. Mas suas mortes foram impulsionadas também pelo que temiam, nela, seus muitos executores: a irrupção do novo, a militância em defesa da dignidade e da vida, e contra as muitas formas de violência que, desde o Estado, precarizam principalmente os corpos de homens e mulheres pobres e negros. Nossa melhor resposta, talvez a única possível, para honrar sua memória, é não esmorecer frente à barbárie.
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