sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Queima, bruxa, queima. A caça às bruxas está de volta...

POR DOMINGOS MIRANDA
Há poucos dias o Brasil deu mais um passo rumo à barbárie. Quando a filósofa americana Judith Butler visitou São Paulo para coordenar seminário no Sesc Pompeia sobre o tema “Os fins da democracia” foi achincalhada por um grupo conservador que não aceita suas ideias. Ela foi uma das primeiras intelectuais a levantar a questão da ideologia de gênero, que está sendo muito muito criticada em todo o país.

Os manifestantes queimaram uma efígie de Butler como bruxa e defensora dos trans. Quando embarcava no aeroporto de Cumbica, nova agressão e desta vez  não foi só verbal, mas também física. Outras mulheres tiveram que defendê-la.

Na semana passada a filósofa americana, reconhecida internacionalmente por abordar vários temas, não só sobre questão de gênero, afirmou que ficou horrorizada com a ação dos fanáticos em São Paulo. Em artigo que escreveu no jornal Folha de S. Paulo, Butler disse: “A tortura e o assassinato dessas mulheres por séculos como bruxas representaram um esforço para reprimir vozes dissidentes, aquelas que questionavam certos dogmas da religião”. Ela frisou que está bastante preocupada com as mulheres que ficaram no Brasil e são obrigadas a enfrentar este clima inquisitorial.

Judith Butler foi testemunha de um momento de retrocesso que vive nosso país, onde a exposição de certas ideias passou a ser sinônimo de risco. Lola Aronovich, escritora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é apenas um exemplo entre tantos. Ela está sofrendo ameaças de morte e de estupro simplesmente por ser feminista. Angela Luiza Bonacci, leitora da Folha de S. Paulo, escreveu no jornal: “É lamentável que em pleno século 21 as inquisições virtuais ainda promovam uma caça às bruxas”.

Na Idade Média, milhares de mulheres foram caçadas, torturadas e queimadas nas fogueiras por motivos banais. Com a Inquisição bastava que algum desafeto fizesse alguma denúncia para que a vítima passasse a ser considerada bruxa, com todas as consequências possíveis. Com as revoluções francesa e americana houve um grande avanço e os julgamentos seriam feitos através dos tribunais de justiça. A prática da tortura foi abolida, pelo menos legalmente.

Nas sociedades civilizadas qualquer ideia é debatida abertamente, sem maiores contratempos. Cada lado expõe o seu ponto de vista e as pessoas aceitam ou não o que foi colocado. O célebre filósofo francês Voltaire abordou com sabedoria o assunto: “Não concordo com nada do que dizes, mas lutarei até à morte pelo direito de expor o seu ponto de vista”. Eu sou contra a ideologia de gênero e escrevi, neste mesmo local, um artigo sobre o tema. Mas, de modo algum concordo com a selvageria que fizeram com Judith Butler.

Estamos seguindo um caminho perigoso onde o ódio vai sendo destilado por amplos setores, que vão desde os fascistas até mesmo seitas religiosas. Quando deixamos de lado nossos argumentos para usar agressões mostramos que prevaleceu a ignorância e não a sabedoria. Aquele instinto cruel das massas, guardado em um cantinho do cérebro, é como uma brasa adormecida, que com um sopro volta a ficar incandescente. Temos que tomar cuidado para que não surjam mártires queimadas nas ruas por causa da insensatez humana.


2 comentários:

  1. Feminismo e machismo são fácies da mesma moeda. Não há antagonismo.

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  2. Machismo é a política do dominador e o feminismo luta para acabar com esta dominação. Dominador e dominado não pode ser a face de uma mesma moeda.

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