quinta-feira, 26 de março de 2015

Herança Imperial

POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES

- Encaminhe o acusado ao ergástulo público, disse o Juiz ao Oficial de Justiça. Este, de acordo com suas atribuições, obedeceu à ordem estabelecida e levou o sujeito em direção à porta de saída do recinto e o despachou. 


Ergástulo público? Por que não cadeia pública? Esta linguagem rebuscada ainda se cultiva nos meios jurídicos, nos fóruns e tribunais. Qual a intenção? Poder-se-ia afirmar que seve para demarcar uma linha de distanciamento entre os seres imortais que operam o direito e os mortais que ficam sujeitos à interpretação do Doutor, título este concedido aos advogados, primeiramente por decreto do Imperador D. Pedro I e, em 1827, por Lei Imperial? Lembrando que este mesmo decreto também concedeu ao médico ser chamado de Doutor. 


O período imperial findou ainda no século 19, mas a cultura senhorial permaneceu durante toda história da República, o que rende ainda a reivindicação por este título por parte de outros segmentos profissionais, especialmente ligados à saúde. O que há de tão importante neste título? A possibilidade da distinção, do distanciamento da população, da visibilidade, do grau de importância e reconhecimento, enfim, da hierarquia e desobrigação da horizontalidade relacional. Sim, há cursos, cujos profissionais entendem ser necessário o referido título para terem a autoridade reconhecida. Será que a trajetória do curso não oferece segurança profissional a partir do conteúdo ensinado, razão pela qual ainda se necessite de uma verticalidade na relação comunicacional? 


Não estou afirmando que os cursos de ciências jurídicas ou ciências médicas sejam responsáveis pelo autoritarismo no Brasil. Estes apenas reproduzem na sua maneira de ser, um velho atavismo, um hábito costumeiro de se diferenciar por meio dos trajes que vestem, da linguagem que se utilizam, da postura diante do público, caracterizando a figura de um semideus que detém o conhecimento específico da profissão. Muitos cursos ainda cultivam e incentivam essa cultura, por vezes, valorizando muito mais o visual, do que a essência, própria da atual sociedade do consumo em que os sujeitos viraram produto, com valor de mercado. 


 Assim cristalizamos a cultura senhorial dos tempos coloniais, a qual naturalizou a violência, que escravizou e humilhou seres humanos, que reafirmou a distinção entre ricos e pobres. Interessante é perceber que essa cultura se mantém em espaços públicos. Em muitos edifícios as empregadas domésticas são obrigadas a utilizarem elevador de serviço. Qual o sentido, senão para demarcar as diferenças sociais, para exibir a distinção nesta relação de mandonismo? Ficou evidente essa relação diante da gritaria de patroas que perderam o privilégio de ter a empregada à sua disposição sem pagar horas extras, como também por meio da demonstração de ódio de parte da elite nos aeroportos por ter que dividir o espaço com pessoas fora de sua “estirpe econômica”. 


A insistência na reafirmação destes procedimentos “esnobes” para manter a distinção nas relações sociais é própria de uma sociedade que ainda não atingiu a sua maturidade republicana. Uma sociedade autoritária que reproduz com facilidade a cultura senhorial: - Você sabe com quem está falando? 

3 comentários:

  1. Tb acho! Podemos diser azin, tipo, palavras maz fásseis para todo mundo intender o q se quer falar. Juiz isnobi!

    :-(

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  2. " as empregadas domésticas são obrigadas a utilizarem"
    1. correto seria: "as empregadas domésticas são obrigadas a utilizar".
    2. O procedimento, adotado também no prédio onde vivo, serve apenas para coordenar o uso dos elevadores. Os proprietários, quando sobem com mercadorias, compras de supermercado, etc. devem também usar o elevador de serviço. A cordialidade impera entre chefes e empregados, não vejo essa casa grande x senzala que descreves.

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  3. Não se trata de cultura senhorial. É simplesmente a natureza dos seres vivos. Leia Darwin e talvez você entenda porque os iguais são também desiguais.Isto explica porque você não faz parte da "zelite". E escreve para remoer este seu complexo.

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