terça-feira, 17 de junho de 2014

O futebol e as figuras de linguagem

POR CAROLINA PETERS

A primeira vez que me interessei por futebol foi após ler "A Pátria de Chuteiras", reunião de crônicas de Nelson Rodrigues. Em verdade, não foi por futebol. Foi por seu estilo. Possivelmente, o primeiro livro sobre o qual menti ser aquele que gostaria de ter escrito.

Nelson me comoveu a ponto de me mobilizar a aprender o que é um impedimento e de tirar do fundo do armário o manto sagrado – a camisa vintage do Clube de Regatas Flamengo – não só porque as listras horizontais haviam voltado à moda, mas porque "todo brasileiro já foi Flamengo por um instante, por um dia". E eu, que uma vez Flamengo na infância por influência paterna, sempre Flamengo.

Eu gostaria de poder falar sobre futebol. De participar da catarse de uma arquibancada de estádio. De ter assistido desde o começo este Portugal e Alemanha e dizer o quanto de fato a seleção alemã foi melhor e mereceu ganhar. Impôs ritmo ao jogo, dominou a partida desde o início. Comentar o alto nível técnico de sua seleção de conjunto, ao passo em que as últimas semanas de incerteza sobre a condição física de Cristiano Ronaldo botaram os portugueses apreensivos e durante o jogo se percebeu a tamanha dependência de CR7.

Mas assisti não mais que o segundo tempo de jogo, durante minha hora de almoço, e mais do que os lances, o que me chamava atenção era o desenho perfeito das sobrancelhas de Cristiano Ronaldo. Eu, que recentemente aderi aos lápis de sobrancelhas. E o olhar impassível de Angela Merkel, diante do quarto gol da seleção alemã. Como se o desenrolar e todo o decorrer da partida já fosse previsivel, evidente. Como se a superioridade da seleção alemã se impusesse como um fato.

Talvez eu, como uma Peters, devesse me solidarizar com a seleção de meus antepassados, que estreou nessa copa de maneira exemplar. Mas a Alemanha de meus dois bisavôs paternos não é essa, que hoje controla a União Europeia. A Alemanha de vô Paulo e vô Mathias é muito mais Portugal.

Muitos sociólogos e antropólogos já se dedicaram a estudar o futebol como uma metassíntese das sociedades. Talvez por não sentir o futebol, não sentir, a despeito do que sempre tentou meu pai, pertencente a esse mundo, que do meu lugar de mulher parece absolutamente hostil, eu não consiga parar de pensar nesse jogo como uma metáfora.

Uma dentre algumas possíveis leituras que temos visto nessa Copa, desde o gol contra brasileiro que abriu a temporada, no momento em que país afora manifestantes eram duramente reprimidos e presos arbitrariamente, tendo seu direito à integridade desrespeitado. O que eu vi em campo, e vi, na ausência de expressão de Merkel, e no olhar desolado dos jogadores portugueses exaustos, foi a Troika, mostrando ao mundo todo seu domínio de bola.

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