quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.

17 comentários:

  1. Enquanto meia dúzia de mórbidos gargalham com imagens de detentos em situação de humilhação nos presídios de todo país, o crime organizado faz da obsolescência das cadeias um prato cheio para a sua atuação cada vez mais violenta e articulada: http://murilocleto.blogspot.com.br/2014/01/o-espetaculo-do-horror-em-pedrinhas.html

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    1. Ainda aprendendo, meu caro.

      Não tinha dúvidas de que sua prioridade no Chuva Ácida esta semana seria Pedrinhas. Hoje não tem ninguém com mais autoridade e qualidade pra falar sobre encarceramento no Brasil do que você. Parabéns!

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  2. Quando estive em Belém do Pará, no Fórum Social Mundial (2009), já havia manifestações do tipo "FORA SARNEY", mas este crápula está lá até hoje.

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    1. Há um grande movimento nas redes sociais: "fora sarnys"

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    2. Prosa e 9:37, acho que há uma movimentação e uma resistência ao poder dos Sarneys mesmo no Maranhão. José Sarney teve de buscar refúgio político no Amapá para garantir sua eleição ao Senado e a filha Roseana já perdeu uma das eleições para governadora. É pouco? Sim. É lento? Com certeza. Mas toda resistência é pouca ou produz resultados lentamente, seja no Maranhão, com o Sarney, ou em SC, com os Bornhausen.

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  3. A solução é privatizar os presídios. Na verdade a solução é privatizar o Estado.

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    1. O estado já é privatizado; ele já serve aos interesses de poucos particulares.

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  4. Companheiro: aqui vivemos no paraíso! Não se iluda. O buraco lá é, muito, maaaass muito mais embaixo. Neguinho pagando por semana para ter segurança do chefe da facção e se houver uma rebelião, ele é a primeira opção para ser decapitado. Visitas não levam NADA para dentro do presídio. São os próprios carcereiros que fazem o contrabando. Ninguém tem noção do INFERNO que é aquilo.
    E uma porra de governadora que importa caviar, lagosta e o caralho a quatro.
    Aliás, quem deveria estar no presídio de Pedrinhas era ela e o pai, outro salafrário e tão bandido quanto os que estão lá dentro. Lá deve ter algum inocente, como ocorre em todas as prisões.

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    1. 9:25, reconheço a singularidade do caso maranhense, e nisso você tem razão. Mas acho também que não podemos fazer vistas grossas a violência que rola no interior das prisões do Sul/Sudeste maravilha, independente do que horror que estamos a presenciar em Pedrinhas. A violência prisional é um fato e, lamentavelmente, não é exclusivo aos feudos da família Sarney.

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    2. Hoje o Sakamoto mandou na veia sobre essa questão da real distância entre o Maranhão e aqui (estou no Sudeste, mas me aceitem, por favor): http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/01/09/so-para-lembrar-que-aqui-no-sudeste-tambem-se-mata-maranhense/ Vale a leitura.

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    3. Partindo da ideia de que quem está preso, está cumprindo pena por algum delito (não importa o grau da gravidade) é terrível a cena que vou descrever.
      O jovem está de frente para a porta da cela, encostado e segurando a grade com todas as suas forças e sussurrando suas últimas palavras, pergunta por que ele está morrendo... Enquanto isso, alguém esfaqueia-lhe pelas costas...
      Ninguém tem o direito de tirar vidas. Se o Estado encarcera o indivíduo, ele tem que dar segurança. Alguns anos atrás eu era a favor da pena de morte. Hoje tenho pena de quem pensa assim. É insano.

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  5. To sentindo falta do chorume aqui, Clóvis.

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    1. Murilo, não provoca a onça com vara curta. Deve ser o primeiro texto em muitos onde não preciso lidar com os idiotas anônimos e seus comentários idem.

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    2. Pois é. Os caras metem tanta merda aqui que quando sai alguma coisa que presta a gente até estranha.. kkkkkkk

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    3. Nunca participei do chuva ácida com qualquer opinião apesar de ter lido os últimos textos motivado por meu ilustre irmão, Clovis Gruner. Bom texto, péssimo evento, dura realidade: o Maranhão, o Brasil tem solução? Ironias a parte, talvez quando os mesmos,bilhões que foram gastos ( e estão sendo ) em estádios forem gastos com educação (no mais,amplo sentido e isso inclui penitenciárias industriais) e melhores condições de vida ao povo ( e isso inclui, num universo imenso a incansável luta contra a corrupção) Sarneys e tantos outros iniciaram seu processo de extinção. Utopia?
      Adorei o texto mano velho.

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    4. Valeu, mano novo. Também acho que uma das razões para o que assistimos no Maranhão é um Estado irresponsável, que investe pouco ou investe ou simplesmente não investe no que de fato poderia criar alternativas possíveis, se não de solução, ao menos de diminuição do caos em que se transformou a segurança pública.

      Beijos e apareça outras vezes.

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