quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sobre parafusos e especulação imobiliária


Há uns 20, 30 anos, você começa a comprar terras superdesvalorizadas na periferia da cidade. E, ao mesmo tempo, vai pressionando os governos a investir nas áreas mais valorizadas para diminuir ainda mais o preço da terra na periferia, visando mais compras a preços ridículos. Quando você não tem mais o que comprar, começa a dizer por aí que o desenvolvimento da cidade precisa ser invertido, em direção às suas terras, porque "lá é onde o trabalhador mora".

Faz lobby para alterar o zoneamento, coloca diretor seu como laranja de entidade de trabalhadores no conselho da cidade (órgão que vai debater o novo zoneamento), manda ele para audiências públicas criticar os movimentos sociais, assume entidades empresariais que dão espaços privilegiados na mídia para defender seu interesse e investir em políticos amigos (ou vendidos mesmo) até que, depois de um tempo, o novo zoneamento é aprovado e suas terras passam a ficar extremamente valorizadas.

Meses depois da nova lei ser aprovada pelos seus políticos amigos (que assumiram o poder com a sua ajuda e das entidades que comandava), você manda o seu diretor ir ao jornal novamente mas, desta vez, para dizer que está lançando projetos imobiliários em mais de três milhões de metros quadrados de terras.

Aquelas que você comprou a preço de banana, mas agora, graças a sua atuação política e rentista-exploradora, vai te dar um lucro enorme, lembra?

E todo mundo na cidade acha normal. Ninguém questiona. Conselho da Cidade, então? Tem que pedir autorização pra falar e o nome é capaz de não ser colocado nas atas públicas, já que criaram uma norma para esconder os integrantes e seus interesses explícitos nas decisões. Quem denuncia isto é demitido, processado, chamado de "arruaceiro" pelos políticos e colegas de profissão, sendo que estes deveriam ser os primeiros a se levantar contra devido ao seu conhecimento técnico, mas se escondem porque seus clientes são os mesmos lobistas.

E assim a tragédia urbana se multiplica: crianças, mulheres, jovens e pobres se reproduzem na miséria criada por aqueles que dizem estar agindo em seus nomes.

O poder de alguns aumenta, e a fábrica de coalizão de consensos se mantém como a coisa mais impiedosa do local.

Em uma cidade latino americana qualquer, agosto de 2017.

De repente o matagal se tornou vetor da especulação imobiliária

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Os honoris causa de Lula são ofensa para os "odiadores"

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
É entediante retornar ao mesmo tema vezes e vezes sem conta. Mas hoje volto a falar nos títulos de Doutor Honoris Causa atribuídos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, para começar, deixo um statement que considero definidor: os doutores (gente com doutorado) que eu conheço não reclamam dos títulos atribuídos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, a maioria até aplaude.

Mas ainda existe muita gente que reage com o fígado a cada título recebido pelo o ex-presidente? Eis a ironia. Quem reclama é justamente o pessoal pouco afeito às coisas do conhecimento: os “sábios” das redes sociais, os comentaristas dos blogs e, claro, essa petty bourgeoisie com canudo, que se acha superior (sem o ser, claro). É triste, mas na maioria dos casos estamos a falar de gente que tem um certo desprezo pelas letras.

Lula parece ser duro de engolir. E há pelo menos três pontos a destacar. 1. Mesmo que o discurso seja de negação, a prática mostra um indisfarçável ódio de classe. 2. Há uma excessiva veneração dos títulos acadêmicos no Brasil. Afinal, ao longo da história, quando os mais pobres não tinham acesso à universidade, o diploma tornou-se fator de distinção social. 3. Há o preconceito contra um homem que nasceu na pobreza e chegou à presidência.

Episódios ridículos se sucedem. Um dos mais recentes ocorreu na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que pretendia atribuir o título ao ex-presidente. Um juiz mandou suspender a entrega da distinção, num claro atropelamento das regras de autonomia das universidades. E foi mais longe. Ordenou que a Polícia Federal estivesse presente para impedir o evento. Isso é tão terceiro-mundo.

Ora, é preciso respeitar. Lula já recebeu títulos em algumas das mais renomadas instituições do mundo, como a Universidade de Coimbra, a Universidade de Salamanca ou o Instituto de Estudos Políticos de Paris. O Sciences Po, como é conhecida a escola francesa, por exemplo, foi fundado em 1871 e desde então só atribuiu esse grau honorífico a 16 pessoas. Lula é o primeiro latino-americano. Não é para qualquer um.

Em qualquer país civilizado a atribuição dessas distinções encheria os cidadãos de orgulho. E Lula poderia mesmo contar com um republicano silêncio dos seus desafetos políticos. Mas no Brasil é diferente. O sucesso e o reconhecimento internacional do ex-presidente soam quase como ofensa. É o gatilho que espoleta as reações dos “odiadores”, gente que transformou o ódio em vocação.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

É preciso admitir: Udo tinha razão

POR JORDI CASTAN
O candidato Udo Dohler estava certo quando insistia no mantra que o problema de Joinville não era a falta de dinheiro, mas sim a falta de gestão. Não faltava dinheiro no governo anterior e não falta dinheiro neste governo. O que faltava antes e continua faltando agora é gestão. Seguimos sem um gestor.

O discurso que acusava o ex-prefeito Carlito Merss de não ser um bom gestor trazia a mensagem implícita de que o candidato Udo Dohler seria o gestor que Joinville tanto precisava. Uma mensagem que a maioria do eleitorado acreditou. Tanto acreditou que votou no pretenso gestor para por ordem na gestão da cidade.

O resultado desastrado da primeira gestão Udo Dohler não foi suficiente para que o eleitor abrisse os olhos, que votou novamente no mantra do gestor. O resultado é que Joinville elegeu de novo um administrador medíocre e a cidade continua parada e abandonada. Para ter uma ideia do nível de ineficiência, só foi gasto 1,1% do orçamento previsto para a mobilidade.

Joinville merece um administrador melhor. E no quadro atual qualquer outro candidato parece melhor que o atual. O eleitor não acreditou na capacidade dos demais candidatos e os partidos não apresentaram candidatos capazes de convencê-los de que seriam capazes de administrar uma quitanda com um mínimo de sucesso. O resultado desta falta de bons candidatos foi a recondução do mesmo gestor que já mostrou que não foi capaz de gerir Joinville com um mínimo de competência, no primeiro mandato e continua sem fazê-lo no segundo.

A cidade enfrenta décadas seguidas de desgoverno, sem conhecer uma gestão municipal digna deste nome. Joinville está abandonada e o dinheiro público ou escorre pelo ralo ou dorme no caixa sem que sejam construídas as obras públicas que engessam o desenvolvimento da cidade. A situação só não é pior porque este é um povo pacato, que aceita mansamente todas as escusas e justificativas apresentadas pelo poder público. Ou seja, para não fazer que Joinville progrida e conitnue abandonada e sem rumo.

Só nos resta esperar que um dia o joinvilense acorde desta letargia e descubra, de uma vez por todas, que Joinville está como está porque somos um exército de leões comandado por um cordeiro. Se acordássemos deste pesadelo sem fim, poderíamos escolher um bom gestor de verdade, não este engabelador que aí está. E então e por Joinville de volta no eixo do desenvolvimento. Mas até lá teremos só essa gestão medíocre e covarde incapaz de tirar Joinville do marasmo em que esta submersa pela inépcia do seu gestor.

sábado, 19 de agosto de 2017

Burro, burro, burro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O futebol é o esporte mais popular do mundo. Não é por acaso. As regras são muito simples e qualquer pacóvio, mesmo que jamais tenha dado um chute numa bola, se acha autoridade no assunto. Na arquibancada, cada torcedor é um técnico.

- Com esse Osvaldão a gente não ganha de ninguém. É um técnico que só sabe inventar. Ih, olha essa jogada do Luisinho. O cara tropeçou na bola.
E grita para o banco.
- Ei, Osvaldão, tira essa múmia de campo.
A partida está no fim e o sujeito ao lado, a roer as unhas de nervoso, acha que o jogador não tem culpa.
- Pô, o culpado é o Osvaldão. Todo mundo sabe que o Luisinho é atacante, mas esse técnico fica inventando e escala o coitado como meio-de-campo.
- O Luisinho é craque mas está velho e não tem mais pulmões para jogar no meio-de-campo. Só o Osvaldão é que não vê.
- Assim vamos ficar no 0 a 0 e jogando em casa contra um timeco. Haja coração.
- Como é que a diretoria foi contratar essa besta para técnico?
- É culpa da imprensa. Os jornalistas ficaram enchendo a bola do cara só porque foi campeão num time lá na Arábia.
- Eu nem sabia que os árabes jogavam futebol. Pensei que o negócio deles fosse explodir bombas.
- Pois é, mandaram essa bomba de técnico para cá. O pior é que esse Osvaldão ganha um dinheirão.
- Eu é que quero o meu dinheiro de volta. Esta pelada não vale um tostão.

Nesse momento Luisinho dá de canela na bola. A torcida vai à loucura.
- Tira essa múmia de campo, Osvaldão.
- É foda. O cara escala mal e não sabe a hora de fazer as substituições. Técnico burro. Filho da...

E a galera, em coro, acha o mesmo.
- Burro, burro, burro.

Osvaldão tenta organizar o time e, do banco, grita para os jogadores manterem a calma. Pede que toquem a bola e não entrem no desespero do chuveirinho na área. Ainda faltam três minutos para o fim do jogo. A torcida continua:
- Burro, burro, burro.

Nesse momento, Luisinho recebe a bola no meio do campo, deixa dois zagueiros sentados com dribles geniais e, na saída do goleiro, toca no canto. Gol de placa. A torcida, delirando, ensaia um coro:
- Luisinho, Luisinho, Luisinho.

Os dois torcedores olham um para o outro.
- Eu não disse? O Osvaldão é um líder. Sabe jogar para os três pontos e dá confiança aos jogadores.
- É um técnico experiente. Sabe que craque não se tira. Craque resolve. Ele fez bem em deixar o Luisinho em campo.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A indústria rumo à extinção

POR DOMINGOS MIRANDA
“Um país com 200 milhões de pessoas, quase continental, pode sobreviver sem indústria? Seremos um país no futuro ou um grande shopping center?” Quem disse estas palavras foi Benjamin Steinbruch, diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Ele é uma das poucas vozes empresariais que vem criticando a desindustrialização do Brasil. Na década de 80, a indústria representava 25% do PIB nacional e hoje não ultrapassa 9%, o mesmo patamar de 1947.

O que chama a atenção é o comodismo dos industriais. No passado ouvíamos as vozes de um Antônio Ermírio de Morais ou de José Alencar da Silva (vice de Lula) fazendo severas críticas aos juros abusivos que beneficiam o rentismo em detrimento do setor produtivo. Hoje, Steinbruch se transformou numa voz solitária clamando no deserto.

Em Joinville, o maior centro industrial de Santa Catarina, as lideranças do setor não se manifestam com contundência sobre o assunto. O último grande protesto dos empresários foi há mais de uma década contra a possível volta da CPMF. Dos políticos, o único que tem se manifestado é o deputado Darci de Matos. Em maio de 2015 ele escreveu: “A alta taxa de juros aliada com uma infraestrutura caótica e carga tributária elevadíssima acabam tirando a competitividade da indústria brasileira. Isto não pode continuar assim. Antes que seja tarde, temos o dever de formar um movimento nacional para salvar a nossa indústria”.

Uma das razões deste comodismo dos industriais é que muitos deles também praticam o rentismo. Ficou mais fácil investir em aplicações, que trazem retorno alto e garantido, do que correr o risco de ampliar a produção da empresa, tendo que se endividar com os bancos. Há ainda uma outra anomalia. Empresas transformam-se em maquiladoras: importam o produto pronto da China e apenas colocam o rótulo como se fosse produto nacional.

Se o país quiser angariar respeitabilidade é preciso ter indústrias de ponta. Estamos voltando ao que éramos na primeira metade do século passado,  um grande exportador de comodities. A situação tende a piorar porque o Brasil está reduzindo as verbas para a área de pesquisa e desenvolvimento.

Para a população, este é um assunto que tem pouco interesse. Os consumidores buscam os produtos e pouco importa se na etiqueta esteja escrito Made in Brazil ou Made in China. Um pouquinho de nacionalismo nesta área vai bem. Só para se ter uma ideia do desmonte industrial, atualmente somos um dos maiores exportadores de minério de ferro, mas importamos a totalidade dos trilhos usados em nossas ferrovias. Só não se indigna com isso quem tem o coração de ferro.