Mostrando postagens com marcador Câmara de Vereadores de Joinville. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Câmara de Vereadores de Joinville. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Da calamidade pública à calamidade política



POR JORDI CASTAN

A pandemia causada pelo coronavírus está causando estragos maiores que os previstos, num país em que o colapso completo do sistema de saúde público não deveria ser novidade e onde estádios são mais importantes que hospitais ou escolas.

Em Santa Catarina, a Secretaria de Saúde pagou adiantado R$ 33.000.000 para comprar respiradores a uma empresa sem experiencia, sem conhecimento e aparentemente sem capacidade técnica para fornecê-los. O resultado é o afastamento de uma funcionária e a queda do secretario da Saúde. É como se uma compra desse volume e importância fosse feita como se faz na quitanda da esquina. Até agora o único fato é que o Estado aproveitou a dispensa de licitação para fazer uma lambança que custará muito caro ao contribuinte, enriquecerá alguns e Santa Catarina seguirá sem ter os respiradores que tanto precisa.

Em Joinville também tem gente aproveitando as dispensas de licitação para gastar R$ 15.660,00 em vacinas contra a gripe, as mesmas vacinas que são oferecidas de graça em qualquer posto de saúde. Pela pressão popular, a Câmara de Vereadores de Joinville acabou cancelando a imoral dispensa de licitação. Até porque os vereadores que estão no grupo de risco têm direito a receber a vacina gratuitamente. E os vereadores que não estão no grupo e os funcionários da câmara que não estão no grupo de risco ou não precisam ou podem optar por pagar pela vacina. O que ignoram ou fazem questão de esquecer é que o dinheiro que pagaria estas vacinas é dinheiro do contribuinte. Se fosse uma empresa privada, não haveria problemas, mas usar o dinheiro público e dispensa de licitação para "privilegiar" uma minoria é imoral. Será que o correto não seria que os vereadores fossem ao posto de saúde mais próximo e levassem sua cartilha de vacinação, como todos os demais joinvilenses também fizemos.

Mas parece que cancelar a compra das vacinas não resolveu. A Câmara de Vereadores utilizou da mesma justificativa para a comprar mil máscaras. Essas por um valor de R$ 3.300,00 de novo com dispensa de licitação. Poderia aproveitar a compra de 500.000 máscaras feita pela Prefeitura e atender aos funcionários da Câmara de Vereadores que precisassem ou que não pudessem adquirir, ainda que com os salários que o nosso Legislativo paga, será difícil justificar que não possa ou comprar uma máscara ou pagar uma dose da vacina contra a gripe.

Por sorte a sociedade está atenta e de olho nos que querem se aproveitar da declaração de calamidade pública para comprar, com dispensa de licitação, respiradores, vacinas, máscaras e quem sabe quantas outras coisas. 

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A “Escola sem Partido” é uma farsa












POR CLÓVIS GRUNER

No dia 26 de janeiro deste ano, Miguel Nagib, advogado, fundador, presidente e um dos principais ideólogos da organização “Escola sem partido”, entrou com representação na Procuradoria Geral da República contra o presidente do INEP por “crime de abuso de autoridade e ato de improbidade administrativa”. O motivo alegado foram as ilegalidades contidas no edital do ENEM/2015, mais especificamente das regras pertinentes à redação, cujo ponto foi a violência contra a mulher. Hábil, Nagib optou pela dissimulação: ao longo das pouco mais de 12 páginas da peça jurídica, dirigiu sua argumentação contra a afirmação do presidente do INEP de que seria atribuída nota zero à redação que desrespeitasse os direitos humanos, segundo o ideólogo, um “crime de abuso da autoridade, previsto na Lei 4.898/65”. Nenhuma menção direta à redação e seu tema. 

Na página da ESP, a notícia de que o Ministério Público determinou o arquivamento da representação vem ilustrada com a imagem icônica de representação da censura: visivelmente à força, mãos silenciam uma boca que não pode falar e impedem, também violentamente, os olhos de ver. A mensagem não podia ser mais clara: de acordo com a ideologia da ESP, o respeito aos direitos humanos – no caso específico, o repúdio à violência de gênero – é um ato de cerceamento à “liberdade de consciência e de crença”, que obrigou candidatos a vagas nas universidades a “dizerem o que não pensam”, como por exemplo – e é lícito supor –, que a violência contra a mulher é aceitável.

Há inúmeros exemplos como esse no site da entidade cujo propósito é lutar contra o que chama de “doutrinação ideológica” em curso nas escolas brasileiras. Entre as medidas sugeridas, além da ideologia policialesca que pressupõe ser todo professor um criminoso potencial, a organização oferece um modelo de Projeto de Lei a ser reproduzido sem muito esforço – na verdade, sem esforço algum – por qualquer legislador Brasil afora, bastando inserir ao texto original data e lugar. É este molde padrão que a vereadora e pastora Léia (PSD) usou para apresentar, na Câmara de Vereadores de Joinville, o Projeto de Lei 221/2014, que institui na cidade o “Programa Escola sem Partido”.

O assunto já foi discutido aqui em textos assinados por José António Baço e Thiago Corrêa, mas é preciso voltar a ele não apenas mais uma, mas quantas vezes forem necessárias. A inconsistência do PL 221/2014 aparece já na argumentação que o justifica: de acordo com a proponente, o objetivo é “garantir a neutralidade política, religiosa e ideológica” e, ao mesmo tempo, “a pluralidade de ideias nas escolas municipais de Joinville.”. Bom, ou bem se é neutro, ou bem se é plural, porque morno eu vomito, parafraseando aquele barbudo em nome de quem a vereadora Léia legisla. Ser ao mesmo tempo duas coisas antagônicas e excludentes é bastante difícil. Mas a contradição não é o único nem o maior problema do projeto e da escola que ele pretende parir.

Alguma grana e muita ideologia – Pouco se fala da enorme coincidência entre a criação da ESP e uma verdadeira batalha travada em torno ao negócio de livros didáticos, em meados da década passada. Mas ela é uma das peças fundamentais para se entender a visibilidade adquirida pela entidade e seus ideólogos nos últimos anos, e que surge na esteira do interesse de grandes editoras, como a nativa Abril e a espanhola Santillana, em abocanhar uma fatia de um mercado altamente lucrativo, responsável por aproximadamente 50% do faturamento da indústria editorial brasileira. Lucro, aliás, em parte garantido graças aos vultosos investimentos públicos: iniciativas como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), respondem por cerca de 25% das receitas do setor. 

Como sói acontecer em nosso liberalismo tão singular, também o mercado de livros didáticos se configurou, principalmente nas últimas duas décadas, excessivamente dependente do Estado, além de monopolizado por grandes grupos econômicos. Entre outros meios de pressão cujo objetivo era tirar do mercado as pequenas editoras, tais grupos passaram a se valer das mídias a eles associadas para questionar a qualidade dos livros didáticos e, em seguida, a co-participação dos governos no financiamento de material “ideológico” e “doutrinário”. Não sei se fruto ou não de uma ação coordenada, mas a criação da ESP, em 2004, amplia esse debate, ao mesmo tempo em que desloca o foco dos interesses mercadológicos e econômicos para uma iniciativa de caráter civil e autônoma de “estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras”. Nada mais enganoso.

A principal estratégia da ESP é apostar na ignorância não apenas intelectual de seu público – a esmagadora maioria dos que denunciam a “doutrinação ideológica” ou vociferam contra Paulo Freire não fazem a mais pálida ideia do que dizem –, mas também empírica. Não há, da parte dos ideólogos por trás da entidade, a preocupação em mostrar dados estatísticos que suportem afirmações como “um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra (...) para impingir-lhes [aos alunos] a sua própria visão de mundo”; ou “a imensa maioria dos educadores e das autoridades, quando não promove ou apoia a doutrinação”; ou ainda que “a instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários” é um “problema gravíssimo que atinge a imensa maioria das escolas e universidades brasileiras”.

Não há informações precisas porque elas não são necessárias. Trata-se de criar um clima de paranoia generalizada e, nesse caso, quanto mais genérica a afirmação, mais eficiente ela é. E se já é duvidoso apresentar o excepcional como normal, tática amplamente utilizada, a ESP vai mais longe. As “provas” de que estamos diante de “um exército organizado de militantes travestidos de professores” a deturpar seus alunos são sempre fragmentárias: um recorte de revista utilizada em uma aula; uma ementa, unidade ou tópico de um programa disciplinar; o depoimento de um ou uma estudante que se sentiu prejudicado. Não há contexto, nem verificação, nem acompanhamento, tampouco diálogo. Nada. A ESP não é apenas desonesta, mas perversa: ela fabrica a exceção que tratará, em seguida, de apresentar como regra; regra que servirá de prova a justificar e sustentar seu empreendimento policialesco, moralizante e ideológico.

Uma escola plural não pode ser neutra – No começo desse texto anotei a contradição na justificativa da vereadora Léia, querer ao mesmo tempo uma escola “neutra” e “plural”. Na verdade, me enganei: há nesse desejo duas contradições. A primeira de ordem, diríamos, ontológica: não é possível ser neutro porque o simples ato de estar no mundo já pressupõe uma tomada de posição. A contradição é maior porque, justamente, a legisladora pretende uma escola “neutra” como condição à afirmação da “pluralidade de ideias”. No bojo dessa reivindicação está o temor, alimentado especialmente entre grupos e indivíduos religiosos e conservadores, de que a escola desvie seus alunos das condutas e educação familiares. 

De acordo com essa argumentação, pais e mães tem o direito de exigir que professores e professoras não ensinem aos seus filhos e filhas nada que contrarie seus próprios valores. Mas eles não tem. Pais e mães tem o direito de exigir a qualidade no ensino, o acesso universal à sala de aula e de que a educação seja, de fato, um direito de todos e todas, por exemplo. Pais e mães tem o direito de reivindicar e exigir escolas estruturadas, equipadas e habitáveis; profissionais (professores, pedagogos, técnicos, pessoal administrativo e de apoio) valorizados e bem pagos; uniforme, material escolar e merenda garantidos pelos governos; esportes e atividades culturais no espaço escolar; escolas em período integral e abertas à comunidade nos finais de semana, etc... 

Mas não, pais e mães não tem o direito de exigir que a sala de aula seja uma extensão do espaço doméstico e por uma razão, entre outras. As escolas, mesmo as privadas, são parte da esfera pública, e seu papel, além de apresentar o aluno ao chamado saber formal, é ampliar o conhecimento e a compreensão que ele tem do mundo, complexificar e não simplificar a sua existência. O convívio no espaço público favorece e estimula a interação e a sociabilidade com indivíduos, grupos, valores e crenças que não os familiares, e isso é fundamental para o amadurecimento ético, o desenvolvimento intelectual e a um exercício mais pleno, livre e crítico da cidadania.

Não é casual que nenhuma das exigências acima está na pauta da ESP. À entidade, seus ideólogos e defensores a precarização da escola e do ensino nunca foi um problema a ser denunciado e combatido. Mas a ampliação dos direitos, liberdades e igualdade civis, sim. Eles temem uma sociedade mais plural e sensível às diferenças e a diversidade, sejam elas étnicas, religiosas, de classe ou gênero, e sabem que uma escola e uma educação de qualidade são condições imprescindíveis para a construirmos. Por isso a Escola sem Partido, seus ideólogos e defensores, querem uma escola precarizada, sucateada, abandonada e “neutra”. A ideologia por trás desse discurso é perversa, autoritária e violenta. A quem preza e deseja a democracia e a liberdade, resta resistir a ela. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Escola sem partido, um crime de lesa-inteligência


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É impressionante o tantão de gente que puxa o Brasil para o atraso. Parece que há um certo prazer em sabotar o país. E nem é preciso ir longe para constatar. A obtusidade fez ninho na Câmara de Vereadores de Joinville (ok... não é de agora), onde está em discussão a ideia de implantar a tal “escola sem partido”. Uau! Agora já se tenta impor a ignorância por decretos. Ou seja, usar a "legalidade" para cometer um crime de lesa-inteligência.

É difícil imaginar as razões que levam a ver mérito numa proposta tão retrógrada. Mas  a vereadora-pastora Léia encontra virtudes e, segundo o site da CVJ, até fez da “escola sem partido” uma bandeira do seu mandato. Aliás, antes de prosseguir permito-me um parêntese. As palavras “vereadora” e “pastora” numa mesma frase provocam comichões. Tudo remete para rebanhos e para a velha expressão “curral eleitoral”.

Parece ser uma questão de fé na iliteracia. A proposta parte de uma visão canhestra do ensino, em que o professor é visto como o inimigo capaz de fazer a cabeça dos estudantes. E o que propõe a tal “escola sem partido”? Ora, uma doutrinação reversa na qual a doutrina passa pela transformação dos estudantes em autômatos abúlicos. Ortogênese dos corpos dóceis, diria Foucault. Parem de brincar com coisas sérias, senhores vereadores.

A vereadora-pastora Léia propõe, em texto no site da CVJ, evitar que os estudantes sejam influenciados (ou doutrinados) em temas mais candentes. “Questões políticas, religiosas e ideológicas são muitos pessoais e familiares. Esse tipo de educação doutrinária pertence aos pais. As crianças e adolescentes têm o direito de ter suas ideias e suas ideologias e não ser influenciados nisso nas escolas”, afirmou.

Errado, pastora. Aliás, como diria Chaves, “dá zero para ela”. Chaves... o outro, porque não quero ser acusado de doutrinação bolivariana. Podemos até deixar a religião de barato, uma vez que a sua essência é ser doutrinária. Mas no plano familiar o prosélito defendido pela vereadora não se aplica aos temas da “política” e “ideologia”. Porque estes obrigam ao embate de ideias. É esse um dos muito papéis da escola.

A vereadora-pastora e seus sequazes demonstram um entendimento canhestro dos processos de subjetivação. Ou seja, esse pessoal acredita que o sujeito, no seu processo de construção, é um receptáculo vazio, pronto a ser preenchido com ideias que lhe são impostas de fora. Isso é besteira. A subjetividade resulta de um processo negocial. Para isso são necessários interlocutores capazes de produzir dissensos, antíteses, oposições.

Mais debate, melhores cidadãos. Mas é exatamente isso o que se propõe retirar com o decreto. Aliás, o nome “escola sem partido” é um slogan político inserido numa velha estratégia: apontar um mal inexistente e depois apresentar a "solução". É capaz de convencer os que pensam em slow motion, mas qualquer pessoa com dois dedinhos de testa sabe que slogans não fazem programas educacionais.

Nem vale a pena discutir a questão pedagógica (os especialistas têm feito um bom trabalho), porque o atraso é evidente. O ideário escondido por trás do slogan “escola sem partido” é obscurantista. Aceitá-lo é um erro grosseiro. E que põe o Brasil a andar na contramão da civilização. Por fim, há um fator incontornável: a educação é coisa séria demais para ser deixada nas mãos de vereadores cuja literacia é questionável.


É a dança da chuva.