quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Satisfeita, Chauí?



POR CLÓVIS GRUNER

A filósofa Marilena Chauí não gosta dos Black Blocs. Em palestra proferida na Academia da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em agosto, Chauí afirmou que o grupo tem “inclinações fascistas”: “Temos três formas de se colocar. Coloco os blacks’ na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os blacks’, as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas”.

Um pouco de história nunca é demais mesmo para quem já recebeu título honoris causa pela Sorbonne. Tanto os estudantes franceses que tomaram de assalto o bairro latino em Maio de 68 tinham, sim, “demandas institucionais ao poder” – a reforma universitária, por exemplo –, como os blacks não são uma invenção brasileira nem tampouco recente. Eles estão por aí desde o final dos anos de 1980, e já atuaram em eventos e lugares tão distintos como os protestos antinucleares em Berlim, ainda no fim da Guerra Fria, a reunião de 1999 da OMC em Seattle, e o encontro do G-20 em Toronto. Mais recentemente, estiveram presentes em manifestações na Grécia, Turquia e Egito.

Pode-se questionar e criticar as táticas utilizadas pelos Black Blocs. O recurso à violência – que, ao contrário do que diz Chauí, não mira as pessoas, mas instituições e patrimônios públicos e privados, bancos principalmente – é sempre controverso. Ainda que historicamente ela seja parte dos movimentos que, por razões e com finais distintos, provocaram alguns deles rupturas significativas e necessárias – a conquista do voto feminino e os direitos trabalhistas, por exemplo –, seu aparecimento é sempre intempestivo e, no limite, incontrolável. Mas chamar o grupo de fascista é de uma estultice que beira à irresponsabilidade e denuncia, uma vez mais, a incapacidade de Chauí – outrora referência à esquerda brasileira – de compreender os novos movimentos e manifestações sociais, que escapam do convencionalismo à gauche da filósofa uspiana.

ADESISMO E FALÊNCIA DA CRÍTICA Ela não está sozinha. Ante o incompreensível, alguns pensadores – no plano internacional, Zizek e Badiou, por exemplo – optaram por reafirmar sua profissão de fé em uma esquerda revolucionária e messiânica. Inatuais, ainda que contemporâneos, desqualificam os novos movimentos sociais cobrando-lhes justamente o que eles não pretendem oferecer: um futuro. No Brasil, a perplexidade de Chauí ou de um Emir Sader, entre outros, pode ser explicada também pelo compromisso militante. Alçados indiretamente à condição de governo, não foram poucos os intelectuais que tiveram minada sua capacidade crítica em função do adesismo.

Sob este ponto de vista, tudo o que pode colocar em risco, mesmo que apenas hipoteticamente, o projeto de governo e de poder hoje vitorioso, precisa ser duramente criticado, combatido e, se necessário, desqualificado – como foram as manifestações de junho e, agora, os Black Blocs. Não é casual que a tagarelice contra o “fascismo” dos blacks caminhe pari passu com um silêncio vergonhoso sobre as incômodas permanências, quando não o simples retrocesso, em setores como os direitos humanos e a segurança pública, áreas onde os governos petistas se limitaram basicamente a dar continuidade às inconsistentes (ou inexistentes)políticas anteriores.

Penso que mais pertinente que tratar por “fascista” quem não é, seja tentar apreender o que de significativo, para além da violência e dos chavões anticapitalistas, as manifestações recentes tem a dizer à esquerda. Entre outros, há dois elementos  fundamentais. De um lado, a necessidade de abandonar as pretensões messiânicas e encarar o mundo e a política a partir do presente. Isso implica, obviamente, uma revisão de discursos e práticas cristalizados entre muitos militantes e intelectuais, desatentos à miudeza das reivindicações cotidianas porque empenhados em fazer o parto do futuro.

Há ainda o desgaste dos modelos tradicionais de política. Particularmente no Brasil, a chegada ao governo de um partido de esquerda, se tornou possível principalmente progressos em alguns de nossos indicadores sociais, representou igualmente um esvaziamento dos movimentos e movimentações sociais, inclusive com a criminalização de alguns deles. Este afastamento lento, gradual e seguro, que se fez em parte para atender as alianças espúrias firmadas entre o governo e suas bases aliadas – a bancada evangélica, os ruralistas, etc... – teve seu ápice nas lamentáveis cenas presenciadas no último 7 de setembro: cidadãos, nem todos mascarados, sendo violentamente agredidos e humilhados; enquanto policiais militares – provavelmente, entre eles, alguns a quem Chauí se dirigiu semanas antes – protegiam-se atrás do anonimato de suas máscaras ou da segurança do corporativismo e do aparato estatal.

Dos blacks pode-se dizer que eles são violentos, equivocados ou ingênuos. Mas certamente não são fascistas. Pode-se dizer o mesmo do Estado e sua polícia? 

25 comentários:

  1. Socialismo e fascismo têm mais similaridades do que diferenças. Dou gargalhadas quando um esquerdista incauto tenta salvar uma discussão perdida chamando seu oponente de fascista. Também não entendo o descontentamento da filósofa militante.

    Black Blocks, Anonimous & Cia. são um mal necessário num país que navega ao sabor do vento, como o Brasil. Ao menos esses grupos não se vendem por R$ 0,20.

    Ah, sim: Marilena Chauí é o bastião da esquerda brasileira caquética (usei o pleonasmo propositalmente).

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  2. Obrigado por sua participação. Fica a sugestão da leitura de algum bom livro de história ou ciência política para conhecer as distinções, inclusive temporais, entre socialismo e fascismo.

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    1. O Fascismo nasceu do Socialismo e o Nazismo do Fascismo – avô, pai e neto. O fascismo (fascis-feixe), conhecido como a “terceira via”, caracteriza-se pelo Estado máximo, totalitarismo, anti-capitalismo e anti-semitismo. Foram responsáveis por milhões de mortes.
      Até hoje esquerdistas tentam associar o Fascismo e Nazismo com os Liberais da Direita.

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    2. Quem tenta associar o fascismo e o nazismo com os liberais da direita é um ignorante que pouco ou nada conhece de história, independente da coloração ideológica. Quem tenta associá-lo ao socialismo, idem.

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    3. Estado máximo, totalitarismo, anti-liberalismo (e não anti-capitalismo), anti-semitismo e anti-socialismo. Você esqueceu deste último, e acho que não foi simples coincidência.

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    4. Clovis dando " pérolas aos porcos ", não perderia meu tempo com esses "black bloc da rede rs

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  3. É, parece que um anônimo de peso baixou no CA.
    Muito bem!

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  4. Clóvis, na minha humilde opinião, independente do adesismo de certos intelectuais de esquerda a este governo, a violência em algumas manifestações, mesmo "justificada" como estratégia anti-capitalista, não justifica-se como estratégia de adesão popular. Ela "queima o filme" destes movimentos perante o tão necessário apoio da opinião pública de um modo geral. E quando falo em opinião pública não me refiro a grande mídia, e sim ao apoio popular mesmo que invariavelmente vai traduzi-la por baderna.
    Acho que existem outros caminhos, quem viveu ou optou pelas transformações do período da contra-cultura e da geração paz e amor como eu não posso abdicar da revolução sem armas. A não ser em casos extremos de lutas contra ditaduras, como foi a revolução de Cuba e Nicarágua por exemplo, onde não havia espaço e garantias para uma saída pacífica.

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    1. Manoel, estou de acordo. Também acho que a violência dos blacks pode ter um impacto imediato, mas acaba por ter, a médio e longo prazo, um efeito mais desagregador que agregador, e pode contribuir para desmobilizar outras manifestações e mobilizações.

      Por outro lado, acho também que, ainda que por caminhos tortos e tortuosos, os blacks tem algo a dizer, principalmente à esquerda para quem manter o PT no governo é como Mastercard: não tem preço.

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    2. Excelentes colocações e excelente texto, Clóvis! Aliás, das poucas coisas que tenho lido no Chuva Ácida, porque, afinal, há "colunistas" que não têm virado o disco e falta-me alento para ler sempre a mesma ladainha.
      Além da Chauí e dos que você citou, senti no teu texto e compartilho do incômodo de não termos pensadores à altura do mundo de hoje. Já não nos cabem as teorias existentes, nem as políticas. O que fazer, então? Como pensar o hoje (sem recorrer às idéias que se referiam a outro mundo)?

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    3. Excelentes colocações e excelente texto, Clóvis! Aliás, das poucas coisas que tenho lido no Chuva Ácida, porque, afinal, há "colunistas" que não têm virado o disco e falta-me alento para ler sempre a mesma ladainha.
      Além da Chauí e dos que você citou, senti no teu texto e compartilho do incômodo de não termos pensadores à altura do mundo de hoje. Já não nos cabem as teorias existentes, nem as políticas. O que fazer, então? Como pensar o hoje (sem recorrer às idéias que se referiam a outro mundo)?

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  5. Se perfurarem a embalagem a vácuo que envolve a Marilena Chauí, o conteúdo se desintegra.

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    1. Um pouco (ou muito) preconceituosa esta afirmação. As pessoas mais interessantes do mundo, ou são veneradas ou são odiadas. E Chauí pode se encaixar neste padrão. A sua definição de classe média, para mim, é tão cristalina como as águas do Piraí: “A classe média é uma abominação política porque é fascista; é uma abominação ética porque é violenta; e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.

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    2. O piraí tá poluído?

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    3. Eu faço parte do grupo dos que a odeiam, tanto quanto a hipocrisia e a demagogia.


      E essa frase enlatada sobre a classe média exemplifica muito bem o motivo.

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    4. Manoel, meu ódio é precioso e o reservo para quem realmente merece. Não é o caso da Chauí, que não venero nem tampouco odeio. Eu conheço e respeito sua trajetória. Mas, como diria Tim Maia: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

      Apesar do respeito que tenho por ela, acho que nos últimos tempos ela vem cometendo um equívoco após o outro, especialmente quando se propõe tecer comentários acerca de acontecimentos recentes, sobre os quais suas análises são, na melhor das hipóteses, de uma fragilidade que beira - como disse acima - a irresponsabilidade.

      No mais, não dê valor ao comentário do Marcos. Ele provavelmente conhece a Chauí porque a viu no youtube acessando o link do blog do Reinaldo Azevedo. Não é sério.

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  6. Sempre achei o Clóvis um idiota. Mas este texto, pela primeira vez, está muito bom, sensato e equilibrado.

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  7. O ideário fascista e seu sub-gênero "nacional-socialista", que é a denominação oficial do Nazista (em alemão, obviamente) foram contra-pontos à possível dominação bolchevique que estava varrendo o leste europeu em direção ao Atlântico logo depois da Primeira Grande Guerra.
    A economia alemã, que dava sinais de recuperação ao final dos anos 20, entrou em espiral descendente com o Crash de 29 e criaram o cenário perfeito para a ascensão fascista no país. Uma economia em frangalhos e o medo do comunismo que catapultaram o Nazismo na Alemanhã.
    Ou seja, o fascismo não foi criado a partir do comunismo, mas floresceu graças ao medo dele.
    De todo modo, ambas as ideologias (mais à esquerda ou mais à direita) são igualmente perversas pois motivam a ditadura, o cerceamento da liberdade de expressão e a supressão de uma oposição.

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    1. 16:11, nos anos em que lecionei História Contemporânea, optava sempre que podia pela expressão totalitarismo. Há elementos comuns, totalitários, que permitem uma aproximação entre o nazismo alemão, o fascismo italiano e o stalinismo soviético, para mencionar os contemporâneos.

      Mas há diferenças inconciliáveis e irredutíveis, razão pela qual não concordo com a afirmação do anônimo lá de cima. Em todo caso, o texto não trata da experiências totalitárias, porque seria necessário bem mais que um 'post' para falar delas com seriedade.

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  8. Meu caro Clóvis. A profissionalização que acontece nesses movimentos (pelo menos no hemisfério norte) mostra que há algo de podre no reino a da Dinamarca. Na Europa os caras estão referenciados pelas autoridades, porque estão em todas: na Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Espanha, Quirquiquistão. São "manifestantes itinerantes" que andam de um país para outro, aproveitando as fronteiras abertas ao abrigo da Lei de Schengen. E o objetivo é sempre causar confusão. De Seattle para Genova. De Madrid para Lisboa. Parece agora que apenas internacionacionalizaram para o Brasil. O problemaé mais complexo que isso. Mas aqui são coisas da extrema esquerda, que por vezes se econtram com os caras da extrema direita, estes fascistas.

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    1. Zé, não estou aqui a elogiar ou defender os Black Blocs. Tentei deixar isso claro no texto e, se não ficou, reforcei isso em meu comentário ao Manoel: consigo entender as razões de ordem, diríamos, "simbólica", implicadas no gesto de quebrar por ex.:, a vitrine de um banco.

      Mas me preocupa, de um lado, o fator desagregador de gestos como esses e, de outro, o quanto de incontrolável há na violência, principalmente quando praticada em bando.

      Mas acho que os Blacks - e antes deles, em junho, os movimentos chamados pelo MPL - no mínimo denunciam a imobilidade ou a dificuldade de certa esquerda de dialogar efetivamente com os movimentos sociais contemporâneos, de respeitar suas pautas, de compreender suas inquietações.

      Se a profissionalização desses movimentos é preocupante, também me preocupa o imobilismo e o comodismo de alguns de nossos intelectuais, outrora tão críticos e aguerridos, em função de seu adesismo aos discursos, práticas e políticas oficiais.

      Ao menos no Brasil, hoje, o governismo é a doença infantil do esquerdismo.

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    2. Bom, nesta caso Baço estes manifestantes do hemisfério Norte pelo menos devem ter causas, pautas, devem estar protestando pelo status quo da situação econômica e social do liberalismo europeu, pela reforma urbana, inclusão social, emprego, etc. Aqui, excetuando o MPL que prá mim tem uma pauta mais definida, o restante ainda está a serviço da direita.

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  9. Excelentes colocações e excelente texto, Clóvis! Aliás, das poucas coisas que tenho lido no Chuva Ácida, porque, afinal, há "colunistas" que não têm virado o disco e falta-me alento para ler sempre a mesma ladainha.
    Além da Chauí e dos que você citou, senti no teu texto e compartilho do incômodo de não termos pensadores à altura do mundo de hoje. Já não nos cabem as teorias existentes, nem as políticas. O que fazer, então? Como pensar o hoje (sem recorrer às idéias que se referiam a outro mundo)?

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  10. Black bloc é o nome dado a uma estratégia de manifestação e protesto anarquista, na qual grupos de afinidade1 mascarados e vestidos de preto se reúnem com objetivo de protestar em manifestações anti-globalização e/ou anti-capitalistas, conferências de representacionistas entre outras ocasiões, utilizando a propaganda pela ação para questionar o sistema vigente.Aqui no Brasil vi um Lider falando ao Microfone com uma lata de Cocacolas e hamburgao do tio San pergunto cadê o anti-capitalistas deles .Clovis parabens pelo Texto

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