sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sobre espaços públicos

POR FELIPE SILVEIRA

Na discussão sobre o uso dos espaços públicos em Joinville, um comentário me chamou muito a atenção. Bastante gente falou sobre a impossibilidade de levar as famílias/crianças aos parques e praças quando estes são tomados pelos jovens, que “fazem baderna” (como beber, fumar, fazer malabares e usar drogas) e deixam tudo sujo. Apesar de achar que há um exagero nesse comentário, acredito também que ele tenha alguma razão de ser e que é preciso pensar sobre o assunto para achar uma solução - e não apenas empurrar “soluções” goela abaixo, de um lado ou de outro.

A cultura joinvilense não é a do uso do espaço público. Foi nos anos 60 e 70, com a necessidade de manter o controle da sociedade, transformada pela forte migração de trabalhadores, que se criou a cultura do lazer no espaço privado. Assim, as recreativas das empresas tomaram o espaço dos parques e praças da cidade, que foram abandonados e marginalizados. Eu mesmo cresci, nos anos 80 e 90, vendo a praça Dario Salles como um lugar marginal e frequentando a recreativa de grandes empresas da cidade, onde pai e tios trabalhavam.

A recreativa, porém, é muito diferente da praça. Ela é uma extensão do trabalho, onde o trabalhador e sua família é vigiado pelo patrão e pelos colegas. É preciso andar na linha e essa cultura é muito forte ainda hoje. Quem trabalha ou trabalhou no chão de fábrica (meu caso) sabe como é.

No entanto, na última década, e mais fortemente no governo Carlito Merss (2009-2012), os espaços públicos começaram a ser tratados de outra maneira pelo poder público. E, como o próprio Carlito dizia, a partir de uma demanda da população, que votou maciçamente para investir em áreas de lazer na experiência do Orçamento Participativo.

Digo isso para chegar à seguinte conclusão: temos pouquíssimos espaços públicos de lazer e uma cultura de convivência que ainda engatinha, pois ainda é assolada por uma ideia de sociedade vigiada e controlada pelo poder do capital.

É, então, por isso que eu imagino que um “joinvilense tradicional” tenha dificuldades para dividir o espaço com adolescentes barulhentos com cabelos esquisitos e coloridos que deixam garrafas de cerveja e chepas de cigarro espalhadas pelos parques.

Acredito, portanto, que é preciso construir essa cultura de convivência nos parques e praças. E é curioso porque a própria ideia de uso dos parques e praças tem esse objetivo de ser um lugar de convivência. Essa construção, na minha opinião, poderia começar pelos seguintes itens:

1) Investir na criação de mais espaços públicos e na estrutura dos que já existem. Ainda há poucos parques para serem usados pela população. Eu, por exemplo, estou procurando uma casa para alugar que fique próxima ao Parque da Cidade, pois gosto de jogar basquete, correr e fazer exercícios por lá. Se tivesse um espaço no Saguaçu, onde moro, no qual eu pudesse fazer isso, eu certamente faria bem mais uso do que faço atualmente. A mesma coisa vale para o Parque das Águas, ao lado da Cidadela Cultural Antarctica. Gostaria de fazer mais piqueniques lá, mas já desanimei várias vezes por ser longe de casa.

2) Trabalhar uma cultura de pertencimento da comunidade. O espaço público tem que ser usado e cuidado pela comunidade do local onde ele está inserido. Às vezes ele é visto pela própria comunidade como algo ruim, por causa da “baderna”.

3) Trabalhar contra a demonização da juventude. Eu sei que às vezes somos mesmos uns “demonhos” (pra ficar no dialeto local), mas não é tanto como as pessoas mais conservadoras veem. Tem barulho, tem bebida, tem fumaça, mas isso não pode ser visto como coisa do tinhoso porque simplesmente não é. Tem um preconceito de classe e estético aí que tem que ser combatido.

4) Trabalhar a conscientização em relação à limpeza. Eu, sinceramente, não sei como alguém tem coragem de ir num lugar, sujar e sair sem pelo menos ficar constrangido. Mas sei que isso existe e que vai ser assim por um bom tempo. É preciso trabalhar pela conscientização de todos em relação a isso. Não só da juventude, que muitas vezes sai como culpada por um problema que é de todos. Não isento, porém, a prefeitura da responsabilidade de limpeza e manutenção desses espaços.

Esse é somente o princípio de um diálogo que deve envolver a todos. Essas são as minhas sugestões para resolver o problema, sem pensar tanto em culpar um lado ou outro. E vocês, têm alguma sugestão?


Em tempo, sobre a tragédia em São Chico
Todo o meu apoio e solidariedade aos cidadãos de São Chico e aos bombeiros, policiais e outros profissionais que estão trabalhando para resolver o problema. É uma situação muito triste para as pessoas, para a fauna e para a flora de uma das regiões mais lindas do Brasil. Ainda há muitas dúvidas a respeito das consequências e eu torço para que sejam as mais amenas possíveis.

9 comentários:

  1. Sempre considero as idéias de "sociedade vigiada" e "poder do capital" limitadoras, hoje, para uma boa interpretação das coisas. Pensava sobre essa questão do espaço público esses dias. Há espaços públicos de lazer em Joinville? Me ocorre o Zoobotânico. Não consigo considerar praças de cimento "espaços públicos de lazer", como os que você citou. Há a demanda da cidade como bem percebeu o Carlito, mas faltam projetos que integralizem as concepções de "espaço", "público" e "lazer".
    Mas, também, ficou faltando falar no teu texto sobre outros pontos da nossa cultura de "cidade grande" como a violência. Cada vez mais individualistas, egoístas (vide a questão da sujeira), trancados em casas de muros altos. Quem em Joinville acha tranquilo ficar à noite numa praça, por exemplo? E a isso contraponho uma cultura "de praça" de algumas regiões do nordeste, por exemplo, quando à noite as praças ficam cheias de pessoas de todas as idades e classes sociais, barraquinhas de jogos, vendas, comidas e ali se confraternizam. É um espetáculo de convívio social. O calor é um dos pontos que pode contribuir para tal "cultura", pois refrescar-se ao ar livre depois de um dia quente é uma boa pedida (e quem disse que não faz calor em Joinville?). Outro ponto é que as casas tradicionais não contam com jardins (algo raro em locais de seca constante) e é comum que a porta fique já na calçada, exigindo, assim, que a convivência vá para as ruas. É uma cultura, uma "tradição" (por mais que os estudantes de humanidades impliquem com isso), que decorre de ações.
    Aos teus pontos eu acrescentaria uma mudança de percepção mesmo. Acredito que o joinvilense iria para as praças numa noite fresca ou quente com muito prazer. O difícil é fazê-lo acreditar que isso é seguro, que há o que fazer lá e livrá-lo de preconceitos (como você apontou sobre os jovens).
    No nordeste basta uma praça com um chafariz desligado e muitos bancos (que ficam lotados) que eles colocam bancas, distrações. Isso falta nas praças de Joinville, mas para além eu diria que falta mesmo bons projetos. O espaço do Museu de Arte (eternamente fechado para reforma) de vez em quando tem alguns projetos de uso interessante. É preciso criar ações contínuas do uso deste espaço e não somente jogar cimento num pedaço e dizer que é uma praça. A própria Cidadela, o Fritz Alt, todos praticamente abandonados, poderiam ser usados nisso. Atraindo a população para espaços públicos elas saberão usá-los.

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    1. No Nordeste a maioria vai “confraternizar” na praça porque não tem muito que fazer em suas casas.

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    2. certo, não tem o que fazer em casa pq são pobres e não jogam PS3, ou não interagem no face... ok!

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    3. Também, mas nas pequenas cidades nordestinas a população tem mais tempo livre porque faltam empresas que absorvam mão-de-obra e instituições escolares que acolham os alunos. Então, como pais têm muito tempo para os afazeres domésticos e não há deveres escolares para os filhos, resta-lhes tempo para fofocar na calçada com a comadre ou na praça com os vizinhos. Isso quando os pais não estão fazendo outras coisas digamos mais prazerosas, afinal tempo e disposição pra eles é o que não faltam.

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    4. Eu realmente não tenho vontade de responder tanta ignorância e preconceito - eu discutiria com prazer se fossem colocadas idéias e propostas. Aliás, esse baixo nível dos comentários nos posts do Chuva Ácida é a pior parte do site - principalmente porque ainda permite anônimos. Engraçado, nenhum comentário falou de Joinville, que era o objetivo do texto, mas só sobre o exemplo (que nem foi comparativo) que eu fiz com o nordeste. É para comparar? Por que não se deram ao trabalho de apontar os problemas dos espaços públicos de Joinville? Ah, sim, joinvilense tem dificuldade em apontar qualquer problema na sua terra maravilhosa e perfeita, a manchester catarinense, "maior" cidade do Estado, a injustiçada pela Capital, terra de povo trabalhador e de indústrias. Claro. Às vezes eu até esqueço disso. Esses comentários só não me deixam esquecer o quanto são preconceituosos, presunçosos, egoístas e tantas vezes ignorantes. Alguém precisa avisar para os joinvilenses que existe um mundo além das terras às margens do Rio Cachoeira.

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    5. Primeiro: no seu texto (e no do Felipe) você afirma que foi o Carlito a “perceber” a necessidade de mais espaços públicos. Não é verdade! As novas praças e espaços públicos já estavam planejados pelo IPPUJ no governo do Tebaldi, inclusive com o financiamento aprovado do Fonplata. O Carlito apenas deu continuidade ao programa do governo anterior – um dos poucos, diga-se de passagem, porque as obras do rio Morro Alto, com financiamento do BID, ainda estão lá para serem finalizadas após 4 anos do governo insosso do PT.

      Segundo: você fez, sim, uma comparação da realidade joinvilense (com suas residências muradas, insegurança) com a “cultura da praça” vislumbrada no Nordeste, inclusive citando diferenças e similaridades com os aspectos climáticos e habitacionais (com e sem quintal).

      Terceiro: Não achei ignorante, muito menos, preconceituosa a afirmação do anônimo das 17:21, pelo contrário, ele corroborou com a diferença destacada por você, fundamentado num conceito amplamente difundido. Inclusive ele denunciou os fatores que fazem com que as pessoas no Nordeste adotem a “cultura da praça”, como a falta de investimentos nos setores da indústria e de serviços, além da educação. Ou seja, ele foi muito mais longe do que as simplórias diferenças/similaridades que envolvem as características climáticas, culturais ou de habitação destacadas por você.

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    6. Achei ótimo o seu comentário, Fahya, e não respondi antes porque a xenofobia por aqui me desanimou. Achei ótimo porque mesmo que discordemos em pontos, estamos dialogando pra contruir. E, nesse sentido, me permito discordar de algumas coisas para podermos continuar.

      A violência é um fator grave, preocupante e limitador, sim, mas também há uma ideia de marginalização aí. A praça, por essa cultura do medo, também é vista como lugar inseguro, da marginalidade, da violência. Mas mesmo assim isso tem mudado. Eu e muitas outras pessoas se sente à vontade para frequentar algumas praças e parques à noite. O parque das águas é constantemente lotado na madrugada, principalmente por jovens cristãos. Lugar central, bem iluminado, oferece condições seguras. O parque da cidade também tem alguma movimentação à noite. Ambos muito bem iluminados.

      Achei ótima também a lembrança das pracinhas nordestinas também, que são lindas e oferecem não só um calor climático, mas também humano. O no teu comentário tu falou de algo muito importante: bancos. Nas nossas eles são desconfortáveis, sem encosto. Pra mim isso também faz parte de uma ideia segregadora (o famoso banco anti-mendigo). Enfim, acho que a cultura nordestina pode ser inspiradora nesse sentido e o texto vai nesse sentido também, de que é preciso ocupar as praças.

      Sobre a questão dos parques de cimento eu também discordo. Não vejo dessa forma. Mas respeito essa visão.

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    7. Não vou discutir algo como "fundamentado num conceito amplamente difundido" que não acho que seja xenofobia, mas o mais puro preconceito sulista.
      Felipe, me refiro ao teu ponto 1 sobre "parques de cimento". Não há projetos arquitetônicos, planejamentos. É disso que sinto falta. Há uns anos vimos as academias para terceira idade tomarem as praças da maioria das cidades da nossa região, muita gente que não parava num espaço público começou a frequentá-los. Isso é importante. Criar verdadeiros projetos. Esses jovens dos quais você falou, fazem o que nesses espaços? Por isso citei alguns museus que estão fechados. Se falar do nordeste é atiçar o preconceito mais pobre e arraigado de que lá eles não "têm o que fazer" (me sinto mal só de ter que reproduzir uma ignorância dessas), então podemos citar Belo Horizonte. Capital, sudeste, região rica e muito mais desenvolvida que Joinville. Há o Circuito Cultural da Praça da Liberdade, para ficar em um exemplo (há também da Praça da Estação, etc), que é fantástico e muito bem pensado. Além da enorme, bela e bem cuidada praça, há museus, biblioteca pública, centro cultural, tudo em volta da praça. É um espaço público genial, integrado, com projeto. É disso que falo. Quando você citou os parques das águas e da cidade eu lembrei das praças do centro. Desde criança (cresci na região central) eu ouvia o temor de se passar por ali à noite. Se os parques são seguros, te garanto que nao é assim em todas as regiões. O Tebaldi, que por sinal foi citado, acabou com as praças da região central, derrubou árvores, retirou todo o mosaico português dos pisos, desprezando história e cultura, acabou com chafariz. Levou um tempo para vermos na Dario Sales o que muito se vê há anos em Florianópolis, os idosos jogando dominó nas mesinhas. Uma simples mesa com tabuleiro ou coisa parecida deve fazer parte de um projeto para estes espaços. Aliás, muito bem lembrada a questão dos bancos. Depois que li o teu texto passei ali por uma "pracinha" em frente ao terminal do Santo Antônio (se não me engano). Vazia, como muitas que vemos, só tem um gramado, um banco ou outro, uma árvore. E ruas por todos os lados. É difícil pensar que alguém vá ocupá-lo. Por isso citei o exemplo de Belo Horizonte, como havia feito com o nordeste. São somatórios que poderiam contribuir muito. Mas...

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  2. Além da falta de cultura e estímulos para valorizar e utilizar as áreas de lazer, o joinvilense ainda enfrenta outro desafio talvez mais grave: os projetos absurdos que o IPPUJ elabora.

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