segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A voz das mulheres

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Vou pegar uma carona no tema da Maria Elisa e falar sobre o aborto. Mas com uma perspectiva diferente, uma vez que já votei em dois plebiscitos aqui em Portugal. Dois? Sim. Porque no primeiro, realizado em 1998, a proposta de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez - nome politicamente correto para o aborto - foi derrotada.

Nessa altura, o pessoal da esquerda abriu a guarda. Houve quem achasse que a aprovação da descriminalização estava garantida. Ao contrário, os conservadores cerraram fileiras e conseguiram ganhar por escassa vantagem. Foi necessário que o governo socialista trouxesse o tema a novo escrutínio público em 2007, quando a legalização do aborto (até às 12 semanas de gravidez) foi aprovada.

E o que torna a minha perspectiva diferente? É que já passei por dois períodos de intenso debate e hoje, sem querer aprofundar muito o tema, deixo duas coisas essenciais:

1. A despenalização do aborto está em vigor desde o plebiscito e, ao contrário do que pregavam os conservadores, o país não foi destruído pela ira divina. E as autoridades médicas têm feito relatórios muito favoráveis. Hoje as mulheres portuguesas já não precisam fazer a interrupção da gravidez em clínicas mal aparelhadas, onde os riscos para a saúde são muito grandes.

2. O debate é sempre muito importante. Mas houve momentos negros. O ponto negativo foi o discurso irracionalista dos conservadores, determinados a legislar sobre o corpo das mulheres. Algumas vezes o papel de certos religiosos não foi edificante. O que leva a uma comparação: em Portugal a população é maioritariamente católica e a discussão permaneceu quase circunscrita; mas no Brasil o número de religiões e seitas fundamentalistas pode transformar o debate numa autêntica babel.

É assustador. Porque essa gente fala tão alto que é capaz de abafar a voz das mulheres.

5 comentários:

  1. Acredito que o debate sobre a legalização é importantíssimo. Pois a meu ver o que falta é um esclarecimento da população e digo isso por inúmeros fatores:

    1: Você não será obrigada a abordar, mas se optar por isso fará de forma legal.
    2: Os hospitais e centros de saúde deverão estar preparados para fazer o procedimento, inclusive com acompanhamento psicológico.
    3: Os riscos a saúde da mulher serão reduzidos.
    4: Acredito deve haver uma boa relação de crianças "indesejadas" e abandono, criminalidade e outros problemas de nossa sociedade.
    5: A decisão final ainda será dos pais.

    Esses são alguns dos meus argumentos favoráveis ao debate e a futura legalização.

    De qualquer modo parabéns José António Baço pelo excelente texto e a Maria Elisa Máximo por trazer o assunto a discussão.

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  2. Olá José António!

    Delicada essa questão de se levar o aborto a um plebiscito...

    Como você bem destacou, a quantidade de fundamentalistas acaba por esvaziar o debate, já que não é feita, de fato, a discussão, levando em conta aspectos da democracia, da laicidade do Estado, dos direitos humanos, da autonomia sexual. A preocupação nesses discursos é com a defesa da vida "desde a sua concepção".

    Por ser uma questão de ética privada, assim como a união civil entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, não constitui uma matéria plebiscitária, mas sim a garantia de direitos fundamentais. Para mim, realizar um plebiscito com este tema seria o momento em que as comunidades religiosas, principalmente as fundamentalistas, utilizariam para impedir mudanças na legislação sobre o aborto. Isto porque vimos o tema se transformar, durante a última eleição presidencial, em moeda de troca entre os candidatos à Presidência e os grupos religiosos.

    Meu temor é que um plebiscito sobre o aborto, no Brasil, se transforme em ferramenta poderosa para silenciar as mulheres.

    Um forte abraço!

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  3. Salve, Rafael e Miryam.
    Parece óbvio que estamos de acordo em tudo. Mas o que eu saliento no texto - e é quase o objetivo do post - é a questão de que o debate pode ser abalado pelo irracionalismo dos discursos religiosos (fundamentalistas ou não). Eu já passei por isso, mesmo sem ter esses pastores insanos que existem no Brasil, e sei que essa gente é capaz de inviabilizar o debate. E o pior: por causa das ligações entre igrejas e política, eles são capazes de legislar e negar o direito que as mulheres têm sobre o próprio corpo. Infelizmente, acho que a coisa vai ser muito complicada no Brasil.

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  4. A "bancada evangélica" só vem aumentando no Brasil...

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  5. Parabéns, Maria Elisa. Parabéns Baço. Estendo meus cumprimentos à Miryam Mastrella e ao Rafael Kracizy.

    Que venha à pauta um debate bem argumentado e liberto de pré-conceitos hipócritas e piegas.

    Como administrador – penso que o gestor público deve se concentrar no bem estar da população – agora e no futuro.
    No “agora” tem que zelar pela saúde da população, evitando que descuidos de prevenção, induzam à busca por soluções desesperadas em locais sem condições técnicas e estruturais; correndo o risco de desencadear problemas emergenciais que culminam nas já sobrecarregadas emergências públicas.
    Ou seja: Transou, não cuidou, engravidou, desesperou, buscou uma clinica clandestina, deu problema, correu pra emergência. Muito mais risco, muito mais custo e ocupando tempo de emergências ......quando o processo poderia ser feito com calma, planejamento, tempo e com reduzido risco de intercorrências.

    No “futuro” , como gestor de recursos públicos, tem que pensar que um cidadão não planejado afeta toda a estrutura da família. Sonhos serão interrompidos. Planos serão desfeitos. Tempo e atenção serão necessários. Estudos serão dificultados. Uma carreira poderá ser desviada ou interrompida. O que seria uma cidadã produtiva torna-se uma mãe jovem, dependente e sem perspectiva. O nascituro exigirá recursos para saúde e educação

    É uma forma fria de ver? Sim.
    Mas é pior ver uma criança sofrendo e sem esperança de qualidade de vida.
    É pior ver uma mãe adolescente sem estrutura sequer para entender o que lhe espera.

    O ponto de vista religioso é de cunho pessoal e cabe a cada um usar a sua crença como guia de raciocínio. É bom lembrar que o mesmo critério deveria ter sido usado na hora da concepção.

    Então, não cabe ao administrador questionar esta ou aquela crença. Tem que ser feito o que é melhor para a coletividade. A mãe tem que ter o apoio para sua saúde e orientação para que não ponha sua vida em risco. E o Estado não assume o custo futuro de suporte de educação e saúde até que este embrião não planejado se torne um cidadão produtivo.

    Como pai - Tenho uma filha de 16 anos e não concebo que ela se prive dos prazeres de uma relação sexual saudável (na hora certa - !?!?), e desde já friso a responsabilidade que é gerar uma vida e o quanto isso transforma toda uma existência.

    Só faça filhos se tiver absoluta certeza de poder lhe proporcionar qualidade de vida, atenção e muito, muito amor.
    Estude, transe, namore, junte, viaje, trabalhe, transe de novo, faça cursos, cante, dance, aprenda idiomas, progrida, transe mais, namore mais, viva, viva, viva .. e quando estiver plena de suas necessidades pessoais encha-se de amor e gere uma vida. E nunca a culpará por algo que deixou de fazer.

    É isso.
    Que venha o debate.
    Que venha a argumentação.
    Que venha a dialética.
    Bem vinda, Chuva Acida

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