sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Bolsonaro, a facada e as eleições

POR CLÓVIS GRUNER
Em março desse ano, quando a vereadora Marielle Franco, do PSOL carioca, e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados, ela com três tiros na cabeça, o deputado Jair Bolsonaro, à época já presidenciável, silenciou. Um de seus assessores justificou o silêncio alegando que “a opinião de Bolsonaro seria polêmica demais”. Dois outros membros da família, no entanto, se manifestaram.

O deputado estadual pelo Rio, Flávio Bolsonaro, chegou a prestar condolências à família em um tuite para, logo depois, apagá-lo. Já Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, tuitou: “Se você morrer seus assassinos serão tratados por suspeitos, salvo se você for do PSOL, aí você coloca a culpa em quem você quiser, inclusive na PM. Eis o verdadeiro preconceito, a hipocrisia”. E compartilhou outro, de um ferrenho seguidor do clã: “O assassino da vereadora Marielle Franco, se for um PM guilhotina, se for um traficante é vítima da sociedade. Assim é a esquerda”.

Quase seis meses depois, o assassinato de Marielle Franco continua impune, apesar dos alegados esforços da polícia para elucidá-lo. E mesmo sendo um candidato supostamente preocupado com a segurança pública, Bolsonaro segue silente sobre o crime. Mas se não sabemos até hoje sua opinião polêmica sobre os três tiros que executaram Marielle e Anderson, sabemos o que o candidato pensa a respeito de outras violências.

Sabemos que ele sugeriu terem sido os petistas que atiraram contra a caravana de Lula no interior do Paraná. Sabemos, também, que ele prometeu – em uma de suas típicas “brincadeiras” – fuzilar os mesmos petistas em um comício, semana passada. Sabemos ainda o que ele pensa de mulheres, negros, quilombolas e LGBTs e, finalmente, de seus muitos elogios e homenagens a um torturador, estuprador e assassino, o coronel e chefe do DOI-CODI, Brilhante Ustra. A lista é grande, mas paro por aqui.

Minha reação imediata quando soube do atentado, no final da tarde de ontem, foi de ceticismo. Na minha página do Facebook, escrevi: “Se não for um novo Riocentro, algum imbecil escolheu uma péssima hora pra brincar de Justiceiro”. A desconfiança era mais que legítima: aí estão, além do Riocentro, o incêndio ao Reichstag como evidências históricas de que fascistas, sempre que lhes convém, mandam os escrúpulos às favas.

Violência e oportunismo – As informações nas horas seguintes desfizeram as suspeitas e confirmaram que Jair Bolsonaro foi vítima de um atentado à faca, e que deve ficar de fora da campanha eleitoral – o que inclui os debates, no que a agressão foi providencial – até o fim do primeiro turno. À direita e à esquerda, analistas parecem não ter dúvidas de que, se as chances de um segundo turno com Bolsonaro eram significativas, desde ontem a questão é saber de quem será a outra vaga.

A tendência é que os usos políticos que ele e seus seguidores farão do acontecimento, sigam na direção de apresentá-lo como vítima porque ameaçava “tudo que está aí”, num esforço narrativo que pretende consolidar sua imagem como aquilo que obviamente não é: um candidato antissistema. A estratégia é aproveitar a violência contra Bolsonaro para diminuir a enorme rejeição contra ele e, ao mesmo tempo, inflar ainda mais o ódio contra seus adversários e a esquerda.

Pode dar certo, o que coloca os demais candidatos, especialmente os de centro-esquerda, em uma posição delicada: se persistem nas criticas, podem ser vistos como insensíveis; se recuam, deixam o campo aberto à militância pró-Bolsonaro monopolizar as narrativas de vitimização do candidato e culpabilização dos grupos adversários, jogados na vala comum da “esquerda” e representados como responsáveis pelo atentado, porque a eles supostamente interessa que ele esteja fora da disputa.

Nessas horas, dizer que Bolsonaro colheu o que plantou, a violência, não faz diferença, embora seja verdade. Desde ontem, da alta cúpula do partido à militância anônima das redes e nas ruas, a narrativa é a mesma, e sua ausência física na campanha não diminuirá o efeito eleitoral do atentado, que torna ainda mais agudo um ambiente político já extremamente polarizado.

E se alguém tinha alguma ilusão sobre a possibilidade de Bolsonaro refletir sobre as consequências de seus discursos de ódio e de sua defesa da violência como método, as declarações do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, à Folha – “agora é GUERRA!!” –, e do candidato à vice, o general Mourão – “os profissionais da violência somos nós” –,   trataram de desfazê-la. Estamos lidando com o pior da política, com um fascista, um apologista da tortura que rende homenagens a um assassino fardado. Um atentado não muda o que Bolsonaro é nem o perigo que sua candidatura representa.

Cota 40 - As palmeiras imperiais estão morrendo?

POR JORDI CASTAN



Quando as palmeiras imperiais começaram a morrer, criou-se uma comisão para salvá-las. Boa ideia, mas foi pouco e foi tarde. A morte das palmeiras imperiais é uma morte anunciada. Só a Prefeitura Municipal não sabia.

No words...


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

No domingo, um pedaço do futuro ardeu

POR CLÓVIS GRUNER
“O Brasil é um país onde governar é criar desertos. Desertos naturais, no espaço, com a devastação do cerrado, da Amazônia. Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo”. O depoimento do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro é uma das imagens que melhor sintetiza o significado do incêndio que, no domingo (02), destruiu boa parte da estrutura física e do acervo do Museu Nacional, onde Viveiros de Castro é professor.

A tragédia, que consumiu um dos mais valiosos patrimônios históricos e culturais da América Latina, além de um acervo riquíssimo de ciências naturais, vinha sendo anunciada há muito tempo. Apesar do corte brutal de verbas, fruto das políticas de austeridade praticadas pelo governo Temer e que impactaram negativamente no orçamento do Museu, o descaso com a instituição vinha de longa data.

Em 2004, matéria da Agência Brasil alertava para o risco de incêndio ante as condições precárias do prédio. Nada foi feito. Mais recentemente, em 2014, uma verba de R$ 20 milhões foi incluída no Orçamento da União para custear, entre outras coisas, a modernização de seus espaços e equipamentos culturais. O governo Dilma, no entanto, contingenciou os recursos, que nunca foram empenhados e repassados à direção do Museu Nacional.

As condições de funcionamento se agravaram sensivelmente, ano após ano. Em 2016, ele chegou a fechar as portas para visitação, cuja frequência também diminuiu sensivelmente, em parte por conta da precariedade das instalações. Acompanhando o estrangulamento financeiro das Universidades públicas, – o Museu é subordinado à UFRJ –, o orçamento caiu para menos da metade nos últimos cinco anos; em 2018, a verba de manutenção foi de R$ 98 mil.

Ignorância e má fé – Desde o domingo, o Museu virou objeto de discursos inflamados e escandalizados. O problema é que parte deles está mais empenhado em espalhar boatos baseados em mentiras e desinformação. Uma dessas vozes foi a do Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, que não apenas se mantém no cargo – qualquer governo decente já o teria demitido –, como o usou para desqualificar a UFRJ e fazer jogo político baixo, culpando o reitor da Universidade pelo incêndio.

Entre outras estultices, Sérgio Sá afirmou que a reitoria deveria ter buscado recursos em outras fontes, já que o orçamento público era insuficiente. Nos últimos anos, seis projetos de preservação e recuperação do Museu Nacional foram aprovados pela Lei Rouanet. Mas como os recursos precisam ser captados na iniciativa privada, as verbas não vieram, pois nossos empresários não se importam: dos R$ 17,6 milhões autorizados, a direção do Museu conseguiu captar no mercado, apenas R$ 1,07 milhão.

No primeiro semestre desse ano, um convênio com o BNDES, que o ministro de Temer se jacta de ter intermediado, garantiu ao Museu o repasse de quase R$ 22 milhões. Mas a verba foi contingenciada por conta das restrições do período eleitoral e só seria liberada, parceladamente, depois das eleições de outubro. Ironicamente, uma parte dela seria investida em infraestrutura para a prevenção de incêndios.

Um pequeno cartaz fixado na entrada do “Museo de la Memoria”, em Montevideo, informa aos visitantes: “Más memoria. Más futuro”. A mensagem é clara: sem uma ideia de passado, sem um conhecimento prático do passado possibilitado por instituições como o Museu Nacional, é o nosso horizonte de expectativas que resta vazio. As chamas de domingo destruíram parte de nosso patrimônio passado, mas incineraram também um pedaço do nosso futuro.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Bolsonaro não só fuzila a "petralhada", mas também mata a decência

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Uma pergunta hipotética: num segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, em quem você votaria? Não tenho dúvidas de que muita gente, em Santa Catarina e particularmente em Joinville, escolheria votar em Bolsonaro. Ora, qualquer pessoa com dois dedinhos de testa percebe que Bolsonaro não joga com o baralho todo. O homem é um cretino. Mas o ódio ao PT é maior do que a prudência e tem muita gente a mandar os escrúpulos para os diabos.

Quem andou pelas redes sociais nos últimos dias deve ter visto o discurso de Bolsonaro no Acre, quando o candidato, simulando uma arma nas mãos, disparou no alvo: “Vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas pra correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein galera?! Vão ter que comer é capim mesmo”. Sim... esse homem quer ser presidente.

Não é fato único na trajetória do candidato. Mas há linhas vermelhas que não se deve ultrapassar. Um candidato à presidência deve ter um certo recato. É inaceitável essa apologia da violência e incitação ao crime. Há quem durma bem com esse barulho, mas qualquer democrata perde o sono. O discurso foi aplaudido, o que leva a um exercício de imaginação: que tipo de pessoa apoia um homem do baixo calibre de Bolsonaro?

Mas para além da questão da violência do candidato, há pelo menos duas ironias no episódio. A primeira é que, pela manifestação da plateia, é possível ouvir mulheres entre o público. E uma mulher capaz de votar em Bolsonaro deve ter algum problema com a sua condição feminina. A outra ironia é Bolsonaro dizer que as pessoas vão ter que comer capim. Sério? Porque todos sabemos sobre quem recai a imagem de burro.

Haver gente capaz de fechar os olhos para esse tipo de episódio e, mais que isso, estar disposta a votar em Bolsonaro, é motivo de preocupação. Porque mostra o avançado estado de putrefação da democracia (que nunca foi, mas poderia ter sido). O comportamento de Bolsonaro seria inaceitável em sociedades civilizadas, mas no Brasil os números das pesquisas evidenciam uma clara opção pela barbárie. Isso não vai acabar bem.

É a dança da chuva.



segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O Executivo é o novo Rei Midas: transforma terra em ouro


POR JORDI CASTAN
Lembram da pressa em alterar a qualificação de área rural para urbana da gleba onde se instalaria a UFSC? Tanta pressa por nada. A universidade não deve instalar-se lá antes de uma década. Agora surge o projeto de regulamentação da Área de Expansão Urbana Sul. São aproximadamente 2.600 hectares (1 hectare equivale a 10.000 m2) e, de acordo com o diagnóstico elaborado pelo Executivo, 80% desta área apresenta algum tipo de restrição ambiental.

Que outro motivo poderia haver por trás dessa mudança de qualificação para ocupação humana de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco? Ora, não é outra senão a de enriquecer os seus proprietários. Curiosamente entre eles há conhecidos nomes da sociedade, da política e da economia local.

O valor venal das áreas rurais em Joinville, de acordo com a Tabela de Valor da Terra Nua (VTN), elaborado pela SEFAZ - Secretaria da Fazenda Municipal, é de R$ 3,75 por metro quadrado, com picos de R$ 9,5 e menores de R$ 2,0. Com a mudança de zoneamento, proposta na regulamentação da Área de Expansão Urbana Sul, este valor multiplicará facilmente por 10, 20 ou mais de 30 vezes. O executivo se converte assim num moderno Rei Midas, que, do dia para a noite, transforma em ouro 26.000.000 de m2. Que passam de valer R$ 100 milhões a valer entre R$1 e R$2 bilhões, numa conta conservadora e entre R$ 4 e R$ 5 bilhões numa conta mais realista.

Pode estar aqui o motivo principal de tanta pressa e a falta de estudos e justificativas bem elaboradas ou bem embasadas para regulamentar a Área de Expansão Urbana Sul. Pode ser também este o motivo da insistência em aprovar logo está AEU (Area de Expansão Urbana), mesmo depois que a UFSC tenha assinado um contrato por 10 anos para o campus instalado no Condomínio Industrial da Perini.

É bom lembrar os nomes dos notáveis que se empenharam, com pessoal dedicação para que a UFSC se instalasse, justamente, naqueles brejos e com isso se sobrevalorizasse grandes áreas de terras ambientalmente frágeis e de risco (e, portanto, com pouco valor de mercado). É bom lembrar também, que não seria a primeira vez, na história da colônia, a decisão de ocupar áreas baixas sujeitas a enchentes por interesses econômicos. E, claro, para atender a pedidos de financiadores de campanha ou dos que dividem as cadeiras do “stammtisch” das associações de classe.

O resultado sempre acabou sendo o mesmo, enriqueceu a uns e criou e continua criando problemas para a maioria da sociedade que posteriormente paga as obras para corrigir estes desatinos, como as obras de macrodrenagem dos Rios Morro Alto e Mathias estão ai para não nos deixar esquecer.

Por que Joinville teima em não querer aprender? Por não aprender comete uma e outra vez os mesmos erros.

(*) STAMMTISCH – mesa cativa





sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Nunca existiu um “kit gay”

POR CLÓVIS GRUNER
A família Bolsonaro nutre uma obsessão patológica pela homossexualidade e os homossexuais. Há quem sugira que Jair Bolsonaro e os filhos, no fundo, odeiam a imagem de si que veem refletidas nos homens gays. Não é uma alternativa a ser inteiramente descartada, porque é lícito supor que alguém que odeia tanto e tão intensamente seja, de algum modo, atormentado por sabe-se lá quais e quantos demônios internos.

A mais recente manifestação da homofobia do candidato foi essa semana, durante a entrevista de Bolsonaro à bancada do Jornal Nacional, na terça (28). Indagado sobre suas muitas declarações homofóbicas, o deputado voltou a falar do “kit gay”. E para provar que era tudo verdade, mencionou a realização, em 2010, do “9º Seminário LGBT Infantil” e a distribuição de um livro às escolas públicas, parte da estratégia da URSAL para desviar “crianças de seis anos” do caminho natural da heterossexualidade.

Vamos por partes. Nunca aconteceu um “Seminário LGBT Infantil”, muito menos nove deles. O livro que Bolsonaro insistiu em mostrar durante a entrevista, “Aparelho sexual & cia.”, de autoria da escritora francesa Hélène Bruller e com ilustrações do suíço Philippe Chappuis, já foi publicado em mais de 10 países e vendeu cerca de dois milhões de exemplares desde seu lançamento, em 2001. No Brasil, saiu pela Companhia das Letras, que negocia seu relançamento – a obra está esgotada há alguns anos.

Mas as duas mentiras “menores” emolduram uma primordial: nunca existiu um “kit gay” e, obviamente, nunca houve a intenção de distribuir cartilhas sobre “ideologia de gênero” (essa excrescência conservadora) nas escolas públicas para “crianças de seis anos”. Bolsonaro mente e, por ignorância, má fé ou simplesmente preconceito, milhares de pessoas passaram os últimos dias compartilhando e espalhando a mentira.

“Escola sem Homofobia” – Em 2011 o MEC criou a campanha “Escola sem Homofobia”, uma iniciativa institucional com o intuito de propor atividades e o debate em torno ao tema da homofobia. Além de três vídeos explicando casos de homossexualidade, bissexualidade e transexualidade entre jovens, aos professores seriam entregues cartilhas e material de apoio para a discussão com os alunos, de acordo com a faixa etária das turmas.

A campanha tampouco era voltada a “crianças de seis anos”, mas à turmas de Ensino Fundamental 2 (6º a 9º anos) e Ensino Médio. Além dos conteúdos mais específicos sobre educação sexual e temas transversais – prevenção de DSTs, gravidez na adolescência, etc.. –, os vídeos (disponíveis no YouTube) e o material destinado a docentes reforçavam a importância de combater as muitas manifestações de preconceito, entre ele os de gênero, comuns entre adolescentes no ambiente escolar.

A campanha, no entanto, nunca chegou a ser desenvolvida porque Dilma Rousseff, para não perder os votos dos deputados conservadores – entre eles, do próprio Jair Bolsonaro, à época parte da base aliada da presidenta na Câmara – dobrou-se à pressão de grupos religiosos e a vetou. Não seria a única vez, aliás, que o governo do PT negociou direitos das chamadas minorias em troca de votos, no parlamento ou fora dele.

O preconceito fere e mata – É lamentável, em pleno ano de 2018, ser obrigado a dizer o óbvio: nenhum vídeo, cartilha ou discussão sobre homofobia no ambiente escolar vai interferir na orientação sexual de alguém. Tampouco está em curso a implantação de uma “ditadura gay” a ameaçar a “tradicional família brasileira”, seja lá o que os reacionários entendem por isso.

Mas discutir e prevenir a homofobia na escola pode contribuir significativamente para melhorar a qualidade de vida de muitos adolescentes. Porque nas escolas há tanto alunos e alunas que se identificam com a heterossexualidade, como há alunas e alunos gays, lésbicas e trans. Mas, diferente de seus colegas, elas e eles não se sentem confortáveis nem seguros em sua orientação, porque diariamente expostas e expostos ao preconceito e às suas muitas formas de violência.

Pesquisas têm mostrado que o bullying homofóbico colabora para elevar os índices de repetência e evasão escolar e de suicídio entre adolescentes – na semana passada, em Denver, nos Estados Unidos, um menino de nove anos tirou a própria vida após ser ridicularizado na escola pelos colegas. A campanha “Escola sem Homofobia” pretendia atacar de frente esses problemas. Jair Bolsonaro e aqueles que corroboram as suas mentiras, colaboram para naturalizá-los.

Cota 40 - As invasões

POR JORDI CASTAN
Não é de hoje que a Cota 40 está ameaçada. Também não é novidade que há interesse em rebaixar cotas mais altas até chegar à Cota 40 em alguns pontos. Sem uma definição clara de até onde chega a Cota 40, as invasões ficam mais difíceis de controlar e sempre há políticos e politiqueiros por trás das invasões.
PJORDI C

Quem é Jair Bolsonaro?

POR ET BARTHES
Já decidiu em quem vai votar? O Chuva Ácida está aqui para ajudar a decidir. E hoje apresenta um filme com informações suficientes para estabelecer o perfil do candidato Jair Bolsonaro. Foi editado faz algum tempo e hoje haveria mais o que acrescentar. Mas é o suficiente para "entender" o caráter do candidato (e dos seus defensores).










quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Nova denúncia contra o reitor da UFSC

POR ROBSON GALVÃO
Na início dessa semana, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o atual reitor da UFSC, Ubaldo Cesar Balthazar (na época dos fatos “reitor pro tempore”), e de seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes por, supostamente, terem cometido o delito de injúria em face da delegada da Polícia Federal que conduziu a operação “Ouvidos Moucos”.

Relembrando, tal investigação era destinada a apurar desvio de recursos da universidade. O então reitor, Luiz Carlos Cancellier, antes de ter sido ouvido no inquérito, e sobre quem não pesava suspeita de desvio, foi acusado de obstruir as investigações, motivo pelo qual foi preso. Depois de solto, acabou se suicidando no shopping center mais movimentado de Florianópolis.

Segundo a denúncia, em cerimônia de “entronização da foto do ex-reitor Cancellier na galeria de ex-reitores”, presidida por Ubaldo, manifestantes não identificados exibiram uma faixa contendo a fotografia da delegada, associada a dizeres que seriam atentatórios à sua honra funcional subjetiva – o conceito que o servidor público possui de si próprio.

Apesar de Ubaldo não ter confeccionado ou mandado confeccionar a faixa, nem ter sido o responsável por estendê-la durante a cerimônia (ouvido, esclareceu que ela foi estendida por manifestantes após iniciado o evento), no entendimento do MP ele teria a obrigação de, na condição de autoridade de primeira hierarquia da administração universitária, retirar ou mandar retirá-la imediatamente. Ao omitir-se, teria atribuído para si a autoria do afronte à honra da delegada, cometendo o crime de injúria na modalidade comissiva por omissão.

O chefe de gabinete teria consentido em ser fotografado e filmado em frente à faixa injuriosa, como cenário de sua manifestação, consciente e dolosamente, conferindo caráter oficial à injúria ali perpetrada. Apenas isso. Independentemente de todas as discussões ocorrendo sobre o contexto institucional, político e simbólico dessa denúncia, pretende-se aqui tecer breves comentários sob o ponto de vista estritamente técnico da acusação.

Problemas na tipificação – Em primeiro lugar, deve-se observar que a tipificação da conduta não está correta. Explica-se. Os dizeres contidos nas faixas eram os seguintes: “Agentes Públicos que praticaram Abuso de Poder contra a UFSC e que levou ao suicídio do Reitor”; “Pela apuração e punição dos envolvidos e reperação dos malfeitos!” Ao lado da foto da delegada e de outras autoridades, constava ainda a frase: “As faces do Abuso de Poder”.

Como se observa, os dizeres atribuíram à delegada e às outras autoridades fato determinado, qual seja, a hipotética prática de abuso de poder contra a UFSC, o que teria levado ao suicídio do reitor Cancellier. Ao lado da assertiva, constava uma foto da delegada e de outras autoridades, sendo que na outra extremidade constava: “As faces do Abuso de Poder”. Isto é, atribuía-se àquelas autoridades o fato determinado de, supostamente, terem praticado abuso de poder na condução e deflagração da operação Ouvidos Moucos, o que teria levado ao suicídio do então reitor.

A atribuição de fatos minimamente determinados, que atentem contra a honra de alguém, pode configurar crime de calúnia ou de difamação, mas nunca de injúria. Para quem não é do Direito, convém esclarecer: o delito de calúnia ocorre quando alguém atribui a um terceiro fato desenroso, o qual, além de desabonador, pode ser enquadrado como um crime (por exemplo, afirmar que determinada pessoa furtou uma bicicleta em dada oportunidade).

A difamação, por sua vez, ocorre com a atribuição de fato desenroso, mas que não chega a constituir crime (dizer que tal pessoa traiu a esposa no dia anterior com uma colega do escritório). Por fim, no delito de injúria não há a atribuição de fatos desenrosos, mas sim de predicados pessoais depreciativos (afirmar que tal pessoa é ladra, mentirosa ou ignorante).

Assim, como não houve atribuição de atributos negativos, mas sim de fatos desenrosos minimamente delimitados, as condutas atribuídas a Ubaldo e Áureo não poderiam ser enquadradas como injúria. Os crimes de calúnia e difamação, quando praticados contra funcionários públicos, admitem a exceção da verdade; no crime de injúria ela é inadmissível. Exceção da verdade é um incidente processual concedido ao acusado de cometer o ataque contra a honra, a fim de que possa provar que os fatos imputados ao ofendido são verdadeiros.

Um segundo problema – Chama também a atenção o modo como se tentou atribuir a autoria ao reitor e seu chefe de gabinete. Quanto a Áureo, sob o ponto de vista formal, a denúncia é inepta. Não foi descrita a conduta supostamente delituosa, com todas as suas circunstâncias, como seria de rigor. Foi dito apenas que ele teria se deixado fotografar em frente à faixa. Porém, a denúncia não explica se a conduta de injuriar, núcleo do tipo penal, está sendo atribuída na forma comissiva ou comissiva por omissão.

Não refere ainda se a conduta teria sido praticada em co-autoria ou participação. Caso fosse enquadrada como participação (hipótese mais provável, já que não foi atribuída a ele a confecção da faixa ou sua exibição na cerimônia), a denúncia não diz em que momento ele teria aderido à conduta dos manifestantes. Além disso, não explica, direta ou indiretamente, em quais circunstâncias Áureo teria dado seu consentimento ao produtor do programa, ao repórter e ao cinegrafista sobre o local e o enquadramento que foi feito na filmagem, de modo que a faixa figurasse como cenário da entrevista.

Para que tivesse consentido dolosamente, em algum momento ele teria que ter se comunicado com o cinegrafista, pois num enquadramento mais aproximado a faixa não apareceria ao fundo. Ele não tinha como presumir o enquadramento utilizado pelo cinegrafista, sem que com ele tivesse se comunicado e entrado num ajuste de condutas para fazer aparecer a faixa ao fundo. Nada disso foi esclarecido na denúncia. No que tange a Ubaldo, a denúncia foi mais clara, atribuindo a ele autoria na forma comissiva por omissão.

Segundo o MP, ele deveria ter evitado que a honra da delegada fosse atacada mas, dolosamente, optou por se omitir, de modo que os manifestantes alcançaram se intento. Para isso ser possível, seria imprescindível a ocorrência dos seguintes fatores: os dizeres deveriam ser mesmo atentatórios à honra da delegada, com evidente excesso ao direito de crítica e à livre manifestação do pensamento; e o reitor deveria ter consciência de que os manifestantes agiriam com dolo; ter a obrigação e a possibilidade de agir para evitar a sua ação; ter ele mesmo o dolo de ofender a honra, ao se omitir quanto à retirada da faixa.

Somente as pessoas que possuem a condição de garantidores de bens jurídicos alheios é que podem ser punidos na modalidade comissiva por omissão. Assim, por exemplo, os pais são garantes dos seus filhos, tendo o dever de agir nos casos em que contra eles se apresente um risco às suas integridades físicas ou contra suas vidas. Nesses casos, os pais não podem se omitir, pois têm o dever legal de evitar a ocorrência do resultado. No mesmo sentido, os guarda-vidas são garantes dos banhistas, tendo a obrigação de agir em caso de afogamento.

Uma única ofendida – Salvo melhor juízo, o reitor não é garantidor da honra da delegada, não possuindo o dever de agir no caso de algum ato lesivo à sua reputação. A acusação tentou atribuir a ele um dever de polícia administrativa pelo fato de ser a autoridade máxima da instituição. Porém, ele não tinha, por lei, obrigação de cuidado, proteção e vigilância da honra da delegada. A injúria praticada contra funcionário público, a prevalecer a equivocada tipificação da conduta feita na denúncia, somente se processa mediante a representação do ofendido. Em outras palavras, apenas pode ser investigado e processado se houver a autorização do ofendido.

Tanto que, embora houvesse a foto de outras autoridades públicas na faixa, elas não demonstraram interesse no sentido que tais fatos fossem investigados e levados adiante. Por isso, a denúncia tem como objeto somente a pessoa da delegada, pois esta representou no sentido de que os fatos contra ela fossem apurados. Como o reitor, mesmo que tivesse o poder de polícia administrativa, poderia ter a convicção de que a delegada se sentiria ofendida, já que a injúria, tipificação contida na denúncia, atenta contra a honra subjetiva do ofendido, ou seja, a imagem que tem de si próprio.

Os demais funcionários públicos que tiveram suas fotos impressas na mesma faixa não se sentiram ofendidos, pois não representaram para que houvesse a apuração e eventual responsabilização dos envolvidos. Num cenário como esse, o reitor não devia e nem podia agir contra os manifestantes, pois não tinha como deduzir se as autoridades se sentiriam ou não ofendidas. Somente uma delas representou para fins penais. Ainda que não se entenda dessa maneira, cabe observar que a situação de o reitor ter ou não ter a obrigação de agir é bastante controvertida juridicamente.

Nesse contexto, não há nada que demonstre que o reitor tivesse plena ciência de seu papel de garante naquela oportunidade. O fato de desconhecer ou não ter compreendido o papel de garantidor que a acusação tenta atribuir a ele, é suficiente para afastar a sua responsabilização penal. Não tendo ciência do seu dever de agir, em Direito Penal, não se admite sua punição. Trata-se de erro sobre a condição de garante.

Além disso, mesmo que se pudesse entender que ele seria o garante da honra da delegada e que tivesse plena ciência de sua obrigação de agir para evitar o resultado, o reitor teria que ter plena ciência de que estava realmente diante de um ataque à honra da delegada. Porém, o enquadramento da conduta dos manifestantes como ato atentatório à honra ou exercício do direito de crítica e livre manifestação do pensamento também é questão, no mínimo, controvertida.

Um espaço democrático – Para ser responsabilizado penalmente, o reitor deveria ter aderido, em algum momento, à conduta dos manifestantes, com dolo de ofender a honra da delegada, ultrapassando os limites do direito de crítica e manifestação do pensamento, circunstância sobre a qual pesam dúvidas mais do que razoáveis. Sob esse ponto de vista, ainda, as condutas atribuídas aos dois denunciados são desprovidas de antijuridicidade.

E ainda que pudessem ser entendidas como um ataque à honra, o ordenamento jurídico brasileiro permite a livre manifestação do pensamento e o exercício da crítica em face dos atos praticados por funcionários públicos. A responsabilização penal poderia ocorrer somente se houvesse o ânimo claro de ofender e atentar contra a honra. Mas a resposta à indagação de se teria havido uma crítica permitida ou uma ofensa à honra consta na própria faixa, que transparece o objetivo dos manifestantes: “Pela apuração e punição dos envolvidos e reparação dos malfeitos!”.

E enfim, merece ser ponderado o fato de se, além de possuir a obrigação de agir, o reitor poderia mesmo ter agido. Tratava-se de uma cerimônia honorífica, num contexto em que ao menos significativa parte da comunidade acadêmica estava bastante sensibilizada. Naquele momento, seria possível exigir que o reitor tivesse acionado a segurança para remover os manifestantes?

A resposta parece ser negativa. Lembre-se, ainda, que a postura do quadro diretivo da UFSC sempre foi a de não interferir em manifestações de qualquer ordem. Tanto é assim, que durante o velório do ex-reitor Cancellier alguns manifestantes gritavam palavras ofensivas contra o finado. Naquela ocasião, nem Ubaldo, nem Áureo e nenhuma outra autoridade acionou seguranças ou solicitou apoio policial. Eles foram demovidos, mediante apelo, por outros presentes e estudantes, sem a intervenção das autoridades da Universidade, o que parece ser bastante esclarecedor.

A universidade deve ser um espaço democrático, de livre manifestação do pensamento. Na entrada do prédio da reitoria, atualmente, consta uma faixa com críticas a Ubaldo. Porém, o reitor não as mandou retirar, por entender a relevância das críticas e da livre manifestação do pensamento. Assim, apenas com o intento de tentar contribuir sob um ponto de vista técnico às discussões que têm ocorrido nos últimos dias, entende-se que a denúncia não merece prosperar.

Robson Galvão é mestre em Direito e professor de Direito Penal na Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), em Curitiba