sexta-feira, 6 de julho de 2018

Udo Dohler visto pelo Sandro Schmidt (2)

POR ET BARTHES
Hoje continua a série que reúne charges do Sandro Schmidt sobre o prefeito Udo Dohler, feitas nos últimos anos. Mas nesta segunda parte, com um tema específico: a bicicleta. Na lama, nos buracos, nas enchentes... e por aí vai. Boa diversão.




quinta-feira, 5 de julho de 2018

O PCC agradece

POR CLÓVIS GRUNER
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em junho, o Projeto de Lei 580/2015, do senador Waldemir Moka (MDB/MS). O texto, que agora segue para o plenário, altera a Lei de Execução Penal e obriga presos a ressarcir o Estado pela sua manutenção no sistema prisional. Para o senador Moka, a principal razão da crise que assola o sistema penitenciário brasileiro é a “falta de recursos para mantê-lo. Se as despesas com a assistência material fossem suportadas pelo preso, sobrariam recursos que poderiam ser aplicados em saúde, educação, em infraestrutura etc.”.

A justificativa é hipócrita, além de mentirosa. Ela surfa no sentimento algo generalizado de insegurança, medo e indignação, na percepção de que estamos fragilizados frente à violência. Afinal, a posição de um energúmeno truculento como Jair Bolsonaro nas pesquisas, serve como prova de que, em um ano eleitoral, a aposta em mais uma medida populista, a sugerir pela enésima vez que a solução para o problema da criminalidade é o recrudescimento de políticas repressivas, pode render um punhado de votos.

Mas no caso do PL 580/15, a hipocrisia é reforçada com o recurso à mentira. Não são os custos com as prisões que impedem investimentos em “saúde, educação, em infraestrutura etc.”. Quem conhece minimamente a realidade de uma instituição penal, sabe que o custo para mantê-las não chega perto dos alegados R$ 2,4 mil mensais por preso. Nas delegacias, muitas delas utilizadas como cárceres provisórios, a situação é ainda mais degradante. E mesmo esse valor mentiroso, é significativamente menor que os R$ 2 milhões anuais que custam aos cofres públicos um único senador, por exemplo.

A utilidade da falência – Costuma-se dizer que as prisões fracassaram. Mas há utilidade nessa suposta falência, entre outras, a de manter segregados os excluídos de sempre. E como as condições prisionais não recuperam nem ressocializam, as prisões funcionam como verdadeiras fábricas de produção e reprodução da delinquência e da criminalidade O custo social desse ciclo vicioso é altíssimo. Ele reforça nosso apartheid social e racial, produzindo inimigos a serem temidos e ameaças a serem contidas por um Estado que, mínimo onde necessário, deve ser forte no exercício de uma violência institucional nem sempre apenas simbólica.

Determinar que presos indenizem o Estado por meio da espoliação de sua força de trabalho – e o acesso ao trabalho é um direito previsto em mais uma lei que o Estado não cumpre –, é outra medida perversa com o selo de qualidade do nosso “liberalismo conservador”: não apenas apela à memória da escravidão, mas vulnerabiliza ainda mais indivíduos já expostos e vulneráveis. Nos últimos anos, essa vulnerabilidade tem sido matizada pela ação de grupos criminosos que disputam, com os governos, o controle das prisões, distribuindo privilégios, impondo a identidade e mantendo, à força, a fidelidade de e entre seus integrantes.

A violência estatal coopera para o fortalecimento das facções, pois na “sociedade dos cativos” elas representam uma forma de “proteção” contra medidas consideradas abusivas. Como, por exemplo, determinar que presos indenizem o Estado pelos custos de seu aprisionamento expropriando  seus bens ou o seu trabalho. Enquete promovida pelo Senado apurou que quase 45 mil eleitores são favoráveis ao projeto, contra ralos 1380 votantes que o desaprovam. Com esses números, não é de espantar que ele seja aprovado no Senado e na Câmara, para gáudio dos parlamentares da bancada BBB. O PCC agradece.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Ricardo Amorim: "em Cuba só funcionam segurança, saúde e educação"

POR LEO VORTIS
O Brasil é país é rico em recursos naturais. O povo brasileiro é genericamente gente boa (pelo menos os que se consideram brasileiros). E as suas belezas são de fazer inveja a qualquer outro povo do mundo. Agora imagine se um país assim tivesse segurança, educação e saúde? Ia ser bom, não? E certamente não teríamos tanta gente querendo ir embora para outros lados.

Eis o tema em questão. Esta semana, o pessoal mais antenado das redes sociais deu de cara com um vídeo no qual o economista Ricardo Amorim, do Manhatan Conection, tem a intenção de detonar Cuba. Tema polêmico. Muita gente não aceita o modelo cubano, mas também há muitos que o defendem. Mas o vídeo só se tornou viral porque o tiro do economista acabou saindo pela culatra.

“Em Cuba só tem três coisas que funcionam: é a segurança, a educação e exatamente a saúde”, disse Ricardo Amorim, num uma voz algo esganiçada. A intenção, claro, era fazer uma crítica ao modelo da ilha. Mas num país como o Brasil, onde essas três coisas falham de maneira assustadora, isso soou a elogio. E o passou a ser ironizado nas redes sociais (aliás, não é a primeira vez que ele é alvo da zoação nos meios digitais).

É o poder das redes digitais. Um mero deslize pode viralizar e produzir o efeito contrário do que se pretende. Ou como diz o povo, se cochilar o cachimbo cai.

Em tempo: recente pesquisa CNI/Ibope, divulgada pela Confederação Nacional da Indústria, diz que os problemas que mais preocupam os eleitores são saúde, segurança e educação. 





Todos os caminhos levam ao Condor. E tem até placa de trânsito...


POR JORDI CASTAN
A Audiência Pública, realizada na ACIJ para que a sociedade pudesse avaliar o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) do supermercado Condor, mostrou mais sombras que claridade nos dados apresentados. As inconsistências foram questionadas, principalmente as referentes ao impacto negativo que teria sobre o trânsito da região. Não houve respostas concretas, nem convincentes.

Não houve respostas, porque cada um dos atores, na audiência pública, estava representando seu papel. Os empreendedores defendo as maravilhas e benesses que o novo hipermercado traria para a região, destacando o número de novos empregos criados. Ninguém questionou o tipo de empregos e a média salarial de caixas e repositores de estoque.

Ao fim de contas a maioria dos representantes da sociedade estava fazendo de claque a favor do empreendimento. Não há como precisar se estavam lá por própria vontade ou se tinham sido mobilizadas pelo empreendedor ou pelo próprio poder público para apoiar o empreendimento. O certo é que houve só elogios ao supermercado. É bom lembrar que o objetivo das audiências públicas é de ir armado com dados, estudos e manter uma posição critica que permita separar o  eufemismo do empreendedor e da claque dos impactos negativos que o empreendimento trará para a região e para a cidade.

O tamanho do estacionamento. O tempo médio de compra. A movimentação adicional gerada pelos caminhões dos fornecedores. Tudo foi  questionado e não houve resposta. Neste ponto ficou claro que os representantes do poder público assumiram o papel de claque, passaram a defender sem rubor o empreendimento e,na sua defesa apaixonada, esqueceram que seu papel era o de defender os interesses da sociedade e não os do supermercado.

Sem dados e sem conhecimento evidenciaram a tendenciosidade dos seus argumentos. Baixou o telão, a audiência não permitiu que a vizinhança tomasse conhecimento do impacto real do autorizar um empreendimento naquele local. Os representantes do município, que já tinham autorizado o empreendimento, passaram a agir, e seguem agindo, mais como prepostos do supermercado que como defensores dos interesses de Joinville.

Agora no novo capítulo da novela do supermercado Condor. É que começam a ser implantadas as mudanças no trânsito no entorno. O que não foi respondido na audiência pública está sendo posto em prática. Com a instalação de um sinaleiro na Rua João Colin, para facilitar o acesso ao supermercado, os passos seguintes serão as mudanças de mão nas Ruas Almirante Barroso, Machado de Assis e num trecho da Rua Benjamin Constant.

Sinto pena dos moradores da Rua Machado de Assis, uma rua que hoje não permite o trânsito de caminhões de mais de 5 toneladas e que passará a conviver com ônibus, caminhões de maior tonelagem, a retirada do estacionamento e um volume de tráfego incompatível com uma rua com perfil residencial. O estrago está feito. Agora todos os caminhos levarão ao Condor, até placa de trânsito com o nome do supermercado já colocaram. Se a moda pega.

Pensei se alguém previu o que será daqui para frente a ligação Leste–Oeste na região, mas depois lembrei que não há que procurar maldade onde só há inépcia.  

segunda-feira, 2 de julho de 2018

México virou à esquerda. O que vem por aí?


POR MÁRIO PAGANINI
Depois de duas tentativas frustradas, em 2006 e 2010, neste domingo Andrés Manuel López Obrador, líder do Movimento Regeneração Nacional - MORENA, ganhou as eleições e vai liderar o México numa guinada à esquerda. É um feito histórico, uma vez que o país tem sido governado pela direita nas últimas décadas.

Era uma vitória esperada, já que ele vinha liderando as pesquisas de opinião com larga folga sobre os adversários. No entanto, a eleição de um candidato de esquerda lança dúvidas sobre o futuro. López Obrador garantiu o respeito pelas liberdades civis e promete as relações diplomáticas com os Estados Unidos não serão muito alteradas. 

No entanto, o que realmente importa para a mídia internacional é a relação EUA-México, tendo o inevitável Donald Trump como protagonista. López Obrador não esconde a antipatia pelas ideias do congênere norte-americano, em especial no que se relaciona à imigração e ao Nafta, acordo de livre comércio entre EUA, México e Canadá. A maionese desandou há algumas semanas.

Mas o que vai mudar? O discurso de López Obrador está centrado no combate à pobreza e à violência, dois dos principais que o México enfrenta nestes dias. A mídia internacionais internacional diz que a personalidade de López Obrador é uma mistura de Jesus Cristo e Che Guevara. A direita insiste que ele é um caudilho.

Alguns analistas da imprensa internacional afirmam que López Obrador não deve representar um perigo para a estabilidade regional, uma vez que o seu perfil está mais próximo de Luiz Inácio Lula da Silva do que de Hugo Chávez (e o seu sucessor Maduro). Enfim, é esperar para ver. Porque certamente haverá mudanças.


A relação entre Obrador e Trump é uma das incógnitas

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Udo Dohler visto pelo Sandro Schmidt (1)

POR ET BARTHES
Já notaram como o prefeito anda sumido? Ninguém vê, ninguém sabe onde anda, ninguém tem notícias. Então, para os leitores e as leitoras matarem saudades, hoje vamos exibir o primeiro filme de uma série com charges do Sandro Schmidt feitas ao longo dos últimos anos.



quinta-feira, 28 de junho de 2018

Manuela d'Ávila: do manterrupting ao "mandumbing"

POR LEO VORTIS
Esta semana a expressão “manterrupting” entrou de vez para o vocabulário dos brasileiros, em especial através nas redes sociais. Tudo pode causa da entrevista da deputada Manuela D’Ávila no programa Roda Viva, da TV Cultura. Aliás, chamar aquilo de entrevista é generosidade, porque foi um show de boçalidade e ridículo machismo.

Nem vou falar do painel reunido para a entrevista, onde constava um assessor de outro candidato, porque isso já foi muito debatido. Ora, a entrevista é a alma do jornalismo. O papel do entrevistador é perguntar, em especial as perguntas incômodas. Mas também é saber perguntar e saber ouvir. A entrevista pode entrar para a história do jornalismo como um case study de “manterrupting”.

O tema já foi muito debatido (inclusive aqui mesmo pelo Clóvis Gruner) e por isso vou falar num tema paralelo. A influência da resistência ao machismo na linguagem. É que nos últimos tempos surgiu um rol de novas palavras todas ligadas a esse plano. Infelizmente em língua inglesa, porque o português é capaz de expressar essas ideias. Mas, enfim, importa que as coisas sejam nominadas e ganhem existência concreta.

O dicionário é extenso. A começar pelo “manterrupting”, que foi a marca maior na entrevista do Roda Viva. É quando um homem interrompe uma mulher, de forma a impedir que ela conclua o raciocínio. Mas as formas de expressão quotidiano foram enriquecidas por outras palavras que têm raiz na denúncia dos comportamentos machistas, ainda muito em sociedades como a nossa.

E dou alguns exemplos:
- Mansplaining
É talvez o de compreensão mais simples. É quando um homem tenta explicar a uma mulher coisas óbvias, que ela sabe muito bem.
- Bropriating
É quando, num ambiente de trabalho, um homem (“bro”) se apropria (“appropriating”) dos méritos de uma ação ou uma ideia de uma mulher.
- Gaslighting
É violência emocional. Os homens começam a tratar a mulher como maluca por alguma ação qualquer. “Você está doida? Não era essa a intenção”.
- Slutshaming
É quando os homens dizem que a mulher é uma vadia, apenas por ela ter um comportamento mais livre.
- Manspreading
É quando o homem senta nos transportes públicos e abre as pernas, de forma a ocupar também o espaço do banco vizinho.

Enfim, graças à maior exposição de ideias nas redes sociais essas palavras - entre tantas outras - acabaram por ganhar expressão. E no caso do programa Roda Viva vou me dar à liberdade de criar um neologismo: “mandumbing”. Ou seja, homens idiotizados. Aliás, quem se deu ao trabalho de ver a tal entrevista deve ter sentido dentro de um enorme Facebook, tal o nível ridículo dos entrevistadores.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Cultura do estupro e banalização da violência


POR CLÓVIS GRUNER
O cenário é o estúdio de gravação do “Roda Viva”, que segunda (25), na série de encontros com os presidenciáveis, supostamente entrevistou a deputada e candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila. E digo supostamente, porque o que se viu passou longe de uma entrevista: a bancada “livremente escolhida” pela produção do programa não pretendia outra coisa além de desqualificar sua candidatura, e levou a tarefa a sério.

Parte da postura agressiva dos entrevistadores, que pareciam ter saído direto da Guerra Fria, se explica pelas posições ideológicas da presidenciável. E digo parcialmente porque, por exemplo, mesmo tensa, na entrevista com Guilherme Boulos o candidato do PSOL teve espaço para responder aos arguidores. Mulher e feminista, a Manuela D’Ávila não foi concedido o mesmo direito. Mas não pretendo analisar o programa ou defender o PCdoB, partido pelo qual não nutro nenhuma simpatia.

Cito o “Roda Viva” por um motivo: o embate entre Manuela D’Ávila e um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro e diretor da Sociedade Rural Brasileira, Frederico D’Ávila, em torno ao tema do estupro. Em um movimento mental tortuoso tão comum, por exemplo, entre os comentaristas anônimos desse blog, Frederico começou com a trajetória do avô, sobrevivente do nazismo, e terminou com a defesa da castração química como solução para o estupro. Em uma das muitas vezes que a interrompeu, afirmou que não existe “cultura do estupro” - para, em seguida, voltar ao avô.

Um dos argumentos (passe o exagero) do entrevistador é de que a castração química, ao punir exemplarmente os estupradores, resolveria o problema, argumento (passe, de novo, o exagero) brandido por Bolsonaro e um punhado de homens – e também algumas mulheres. A medida é defendida por quem entende o estupro como sexo, ainda que com violência, bastando para isso restringir, punir ou simplesmente eliminar o “desejo sexual”.

Não é sexo, é poder – Mas estupro não é sobre sexo; é sobre poder, e eles e elas ignoram, propositadamente ou não, que castrar quimicamente o estuprador pode até atacar um dos sintomas mas, fundamentalmente, deixa intocado o problema. Quando feministas enfatizam a importância, por exemplo, de se discutir relações de gênero nas escolas e outros espaços públicos, elas estão afirmando, entre outras coisas, que reduzir o estupro a um ato sexual, silencia sobre e reproduz o exercício de um poder que se sustenta na violência.

A castração química e sua lógica punitivista, nesse sentido, é parte intrínseca da cultura do estupro, razão pela qual Jair Bolsonaro e Frederico D’Ávila defendem a primeira e negam a existência da segunda. Mas o próprio Bolsonaro afirmou à deputada petista Maria do Rosário, que não a estuprava porque ela não merecia, para explicar depois que ela não merecia ser estuprada porque é feia. Alexandre Frota, um de seus cabos eleitorais no meio artístico (sim, estou dado a exageros hoje), contou em rede nacional como estuprou uma mulher, desqualificada ao longo da sua narrativa por ser “mãe de santo”.

Um pouco antes disso, o humorista Rafinha Bastos cunhou a piada segundo a qual mulheres feias devem não acusar, mas agradecer seu estuprador. Na mesma época, uma campanha da Nova Schin levou ao ar uma peça onde um homem invisível ameaça e constrange mulheres, invadindo seu vestiário. Questionado, o Conar respondeu com indiferença, alegando que a propaganda era “baseada em uma situação absurda”: o homem que constrange mulheres e invade seu vestiário, provocando horror e medo, é invisível.

Para alguns, se a mulher for feia ou homem, anônimo, o estupro é válido e, em alguns casos, pode ser até divertido. É nisso, parece, que acredita outro humorista, Danilo Gentili; segundo ele, um homem que espera uma mulher ficar bêbada para transar com ela é um “gênio”. Afinal de contas, se algo der errado e ele for denunciado, basta dizer que ela estava vestida de forma inadequada ou sozinha à noite em uma festa e bebeu demais: uma das características da cultura do estupro é responsabilizar a vítima pela violência de que é objeto.

A banalidade do mal – Nada disso é novidade: o estupro, ao contrário do que se afirma correntemente, não é uma aberração anti-civilizatória, fruto exclusivamente de algum comportamento monstruoso. Ele é, antes, uma prática que ao longo da histórica serviu para afirmar e consolidar diferentes experiências de dominação e, como exercício de poder e violência de homens sobre mulheres, é preexistente ao seu enquadramento jurídico moderno. Os exemplos abundam, e em nenhum deles estamos a falar de sexo.

Os conquistadores europeus estupraram mulheres indígenas na conquista do chamado “Novo Mundo”, nos séculos XVI e XVII, e africanas nos séculos XIX e XX. Nos genocídios étnicos, mulheres são estupradas antes de serem assassinadas; militares violentam mulheres quando vencem o inimigo, como foi o caso das alemãs pelos soldados russos; francesas acusadas de colaborar com a ocupação foram estupradas pelos seus concidadãos durante a chamada épuration legale; não muçulmanas são estupradas por fundamentalistas religiosos, etc...

No Brasil, portugueses estupraram índias durante o processo de ocupação da colônia; senhores brancos estupravam escravas nas senzalas; filhos das camadas médias e altas violentavam empregadas domésticas como iniciação à vida sexual. No Código Penal de 1940, o estupro era considerado um crime contra os costumes, a sociedade e seus valores, e não contra a mulher. Mesmo hoje, há decisões judiciais que, amparadas no artigo 59 do Código Penal, levam em conta a vida pregressa da vítima (seu comportamento sexual, por exemplo), para amenizar a responsabilidade do agressor.

É isso que mulheres denunciam como cultura do estupro e é contra isso que lutam. Sua banalização, e a negação é parte dela, corrobora para a naturalização da violência. Discutir e educar principalmente os homens para a igualdade nas relações de gênero pode não ser a única resposta, mas é um caminho necessário e urgente. O punitivismo sexista defendido por Bolsonaro e seu coordenador de campanha, por outro lado, não é a solução para o estupro. Antes pelo contrário, é parte do problema.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Mito


Mamãe, falei. E foi só vira-latice...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um dia destes vi, numa rede social, um post em que o tal Arthur do Val (do canal “Mamãe Falei”) teria “tomado uma surra de um petroleiro” num debate sobre a Petrobras. Uma surra verbal, diga-se. Fiquei curioso. Não pela surra, mas pela dúvida: quem convidaria um sujeito intelectualmente estéril para um debate? O que teria ele a dizer que alguém com dois dedinhos de testa queira ouvir?

O vídeo que rola na internet é apresentado da seguinte maneira: “com auditório lotado, com mais de 200 estudantes, estivemos no debate sobre a privatização da Petrobras, no Colégio Universitas, em Santos. E ouvimos muita besteira do MBL. Uma delas foi a reprodução, em tom jocoso, do velho mito elitista de que brasileiro é preguiçoso”. Sim... era uma tese: o brasileiro é um tipo vagabundo.

O cara disparou o velho clichê de que os brasileiros não prestam e os estrangeiros, estes sim, é que são bons e fazem tudo direitinho. Diz este grande pensador que não dá para entregar as coisas nas mãos do “brasileirinho gordinho folgado”, porque o cara não sabe jogar pelas regras da “competitividade internacional”. E ficamos a saber que brasileiros gordinhos são pouco competitivos. Ah... eis o complexo de vira-lata no seu esplendor.

A democracia tem os seus paradoxos e garante, às pessoas, o direito de dizer as besteiras que quiserem. Mas quando um energúmeno é levado a sério ao ponto de fazer palestras para estudantes, então é hora de refletir. Porque é quase atribuir um estatuto de ciência à ignorância, ao anti-intelectualismo e à iliteracia. E tudo tendo como pano de fundo a defesa da entrega do pre-sal aos gringos.

O viralatismo é a língua dos entreguistas. É gente culturalmente colonizada e para a qual o lugar do Brasil é mesmo a periferia do capitalismo. Aliás, vale lembrar Nelson Rodrigues, o criador da expressão. “Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”.

Pode parecer um episódio sem importância, mas é o sintoma de uma doença que está a corroer o tecido social. Essa ascensão do irracionalismo só pode empurrar o Brasil para o atraso. Os caras imaginam uma Suécia, mas estão a plantar as sementes de algo parecido com o Sudão do Sul. Afinal, como já disse alguém, os ignorantes levam vantagem sobre os sábios: a ignorância é grátis e a ciência custa dinheiro.

É a dança da chuva.