quarta-feira, 23 de novembro de 2016

"Hail Trump!", grita extrema direita dos EUA

POR ET BARTHES

O presidente eleito Donald Trump já rejeitou qualquer ligação ao grupo de extrema-direita “all-right”. No entanto, correm o mundo as imagens em que os manifestantes fazem a saudação nazista aos gritos de “viva Trump, viva o nosso povo, viva a vitória”. Os integrantes do grupo vão mais longe, ao afirmarem que os Estados Unidos são um país branco, criado pelos brancos e que deve pertencer aos seus filhos brancos. Mesmo que não entenda inglês, os gestos são claros.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

A história de Rosangela Müller e outros idiotas

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Rosangela Elisabeth Müller. Reconhece o nome? Talvez não. E se eu disser que é a mulher que confundiu a bandeira do Japão com a bandeira de um Brasil comunista? Aí fica fácil lembrar, né? Afinal, o vídeo publicado pela tal senhora nas redes sociais é um dos maiores micos que as nossas cansadas retinas já tiveram o desprazer de ver neste (ainda insipiente) século.

Por que falar na senhora? Ora, porque ela é arquétipo pronto e acabado da estupidez que assola o enorme circo político chamado Brasil. Rosangela é uma espécie de ponta de lança de um time que se orgulha da própria ignorância e faz da desinteligência uma forma de vida. Esse tipo de gente sempre existiu (todos conhecemos alguém assim), mas as redes sociais criaram o palco perfeito para as suas necedades.

Mas quando essa esquizofrenia invade a esfera pública, é preciso estar atento. Porque essa gente é violenta, anti-intelectualista, irracional e ignorante. Parecendo ser apenas picarescos, são perigosos. Porque são hospedeiros para o vírus da doença chamada fascismo. Sob a aparência de inofensivos palhaços, aos poucos vão inoculando esse veneno na sociedade. Nunca se deve menosprezar o poder de despertar fascismos adormecidos.

A rejeição do pensamento está a viver o seu período de ouro. Os irracionalismos pululam aqui e acolá por todo o mundo. Mas no Brasil a febre está a atingir os estertores. E nem  é preciso ir longe para encontrar as explicações. A história recente mostra que o antipetismo, um sentimento insuflado pelas elites e pela velha mídia, acabou por se tornar uma corrente política. E o antipetismo vem recheado de anti-intelectualismo.

Eis o problema. O antipetismo é uma fórmula simplória que, bem ao gosto dos fascismos, desconhece a complexidade da política. Ou seja, há uma sanha simplificadora que obriga a ver tudo em preto e branco, com um discurso construído através de clichês mal amanhados. Tudo isso, claro, mergulhado em boas doses de ódio. E é aí que mora o risco para a democracia.

Por que Rosangela é perigosa? Porque é uma idiota motivada. É o tipo de gente que vê o mundo com viseiras a tapar a visão periférica. Há uma espécie de glaucoma político. Em tempos de digital fica mais fácil Rosangela se mostrar, mas também fica mais difícil esconder a estupidez. Quem der uma passadinha pelo perfil de Facebook da senhora vai ver uma pessoa a perseguir delírios. Desde a paródia de gestos militares (bater continência) até, claro, admirar o sobrenome “Bolsonaro”.

Há gente a prever que as próximas eleições no Brasil serão entre a direita e a extrema direita. É um risco. E Jair Bolsonaro, representante do que há de mais atrasado em civilização, é um nome a ter em conta. “Não, isso não vai acontecer”, pensarão o leitor e a leitora que ainda acreditam na razão. Talvez. Mas os episódios recentes, em especial no caso de Donald Trump, nos Estados Unidos, são um aviso: se cochilar o cachimbo cai.

Como alguém já disse, o preço da liberdade é a eterna vigilância.

É a dança da chuva.



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Santos Dumont: um show de improvisação e enrolação


POR JORDI CASTAN
O foguetório com que foi recebida a ordem de serviço da duplicação da Avenida Santos Dumont fazia parte do espetáculo para encantar iludidos. Os atores da peça sabiam que era tudo mentira, pura encenação. A obra não seria executada como estava sendo previsto, custaria muito mais e não ficaria concluída no prazo. Bem do jeito que estas coisas são feitas por aqui.
O edital da duplicação, lançado pelo governo do Estado, em 15 de agosto de 2012, previa um custo de R$ 66 milhões para a duplicação com duas pistas de três faixas em cada sentido, com rotatórias e ciclovia ao longo de toda a extensão. Tudo isso em 24 meses de prazo para entrega da obra. Sempre tem quem acredita nestas lorotas e aplaude os inflamados discursos em palanque de lançamento de edital, primeiro, e de entrega da ordem de serviço, depois.
A licitação foi vencida pela Infrasul para implantar o projeto original, por R$ 47,9 milhões. O preço ficou abaixo dos R$ 61 milhões previstos no edital. No mundo da ficção em que vivem os nossos políticos, as desapropriações foram orçadas em R$ 25 milhões nesse mesmo ano, 2012, de acordo com o cálculo feito pela Prefeitura.


Olhando com a perspectiva de hoje fica claro que os técnicos da Prefeitura devem ter usado ou a quiromancia ou outras artes divinatórias, porque em março de 2015 a ADR - Agência de Desenvolvimento Regional estimou o valor das desapropriações em R$ 48 milhões e informa do valor de R$ 55 milhões, com dois elevados na Tuiuti e na Arno Valdemar Dohler Neste projeto, os números aumentam em proporção inversa à área realmente duplicada. 
O que era para ser uma via duplicada com 8 quilômetros de extensão e 6 faixas, três em cada sentido, se converteu num remendo que foi ficando mais e mais caro. Na revisão do projeto original foi reduzida a largura da pista e o numero de faixas. 
O que fica evidente hoje é que a Prefeitura nunca teve um projeto executivo completo e se lançou numa aventura sem saber quanto custariam as desapropriações. O prefeito declarou ao jornal A Notícia que “que alguns casos devem exigir decisões judiciais e a questão será analisada durante o levantamento dos terrenos que precisam ser comprados.” Puro achismo. Chute. Pior ainda porque a Prefeitura já sabia na época que não contava nem com os R$ 25 milhões previstos para as desapropriações. E mesmo assim se lançou na aventura, contando com que os proprietários fariam doações em troca de nada.



A estratégia adotada por Cobalchini em conversa com o prefeito Udo Döhler (PMDB) e empresários, ainda antes da eleição de 2012, foi na verdade a de dar o pontapé inicial em etapas práticas e ao seu alcance, como a licitação e a ordem de serviço, a fim de pressionar para que fases burocráticas sejam agilizadas. No que alguns consideram um exemplo de planejamento e gestão e outros um caso grave de empulhação.



No projeto original estavam previstos quatro elevados que agora se converteram em dois -  um para o cruzamento com a rua Tuiuti e outro para o encontro com a Arno Döhler. Em abril deste ano o secretário do estado João Carlos Ecker informou que o valor da duplicação é de 48 milhões e 22 milhões só para o elevado. Hoje é dia de celebrar o recape da Rua Tenente Antônio Joao e a duplicação mais cara e inútil já feita na Rua Dona Francisca entre a Rua Joao Colin e a Arno Waldemar Döhler.
Nem vou polemizar com o atraso da obra. Nem com os acidentes e as mortes que já ocorreram pela péssima sinalização. Nem o questionável que é gastar todo esse dinheiro numa obra que não era prioritária, que mais pareceu, na época, o desejo de algum ex-presidente da ACIJ para chegar mais rápido ao aeroporto. A única certeza hoje é que não sabemos quanto vai custar e quanto tempo ainda vai durar a obra. O que não deve surpreender, porque prazos e preços não tem sido o forte da gestão municipal desde faz décadas.



sábado, 19 de novembro de 2016

Foge, Temer, deixa Satã para trás...

POR ET BARTHES


O Brasil é um país em transe. O deputado Cabo Daciolo avisa Michel Temer para abandonar o satanismo. Não haveria problema se a cena tivesse ocorrido numa igreja. Mas num parlamento significa que o país efetivamente está a alucinar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A propaganda tem voz, nós não


POR FELIPE CARDOSO

O vídeo do governo paranaense sobre o racismo viralizou na Internet e acendeu, mais uma vez, o debate sobre raça e racismo no Brasil. Muitos compartilhamentos e elogios à propaganda elaborada para combater o racismo.

Um dos comentários vistos foi que o “governo do Paraná esfregou na nossa cara o racismo”. Como assim?

Não, não estou criticando a propaganda. Gostei e acho importante a existência dela. Sei do seu poder e sim, acredito que devemos levar e propagar a luta antirracista em diversos meios. A problematização é outra.

Parabenizar o governo por fazer o seu papel em promover a justiça e a igualdade é um tanto quanto preocupante. Dizer que o governo paranaense esfregou na nossa cara o racismo é de uma desonestidade sem tamanho.

Essa propaganda é resultado da militância e luta dos movimentos e coletivos negros, de intelectuais negros. Essa luta não é de hoje. Não é de agora que  denunciamos a nossa estereotipagem negativa e o racismo institucional existente no Brasil e no mundo.

Então dizer que o governo do estado do Paraná promoveu algo revolucionário é injusto e mostra um pouco da face da "branquitude" (privilégio branco).

A repercussão da propaganda deixa evidente o quanto as vozes de milhões de negros e negras ainda não valem. É preciso que pessoas brancas façam e demonstrem como é.

Mas quando é um texto de uma mulher negra comentando que sofreu racismo em sua entrevista de emprego, ou que perdeu a prova do ENEM, pois não pode utilizar seu turbante, é tudo “mimimi”. Quando falamos que negros são maioria dos desempregados, quando falamos no genocídio e encarceramento da população negra é vitimismo. Quando falamos da importância de cotas, quando denunciamos a falta de representação em espaços de poder já estamos querendo muito.

Mas daí quando surge uma propaganda que mostra pessoas brancas explicitando tudo o que relatamos diariamente, daí ela esfrega na nossa cara o racismo? Sério mesmo?

O que fez Abdias do Nascimento, o que fez Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Milton Santos? O que faz Jeruse Romão, Cristiane Mare da Silva, Stephanie Ribeiro, Luana Tolentino? O que fazem os movimentos e coletivos negros contemporâneos? O que fizeram os movimentos e coletivos do passado?

Espero realmente que nos aprofundemos, de maneira geral, nos estudos sobre “branquitude”, raça e racismo. Pois esse vídeo foi uma bela demonstração de privilégios e de como nós, negros e negras, ainda não temos voz, não somos vistos e escutados. O racismo só passa a existir quando o branco fala que existe.

O futuro das direitas no pós-Dilma













POR MURILO CLETO

Se me permitem, vou tomar a invasão do plenário da Câmara ontem, por meia centena de defensores da ditadura militar, para falar brevemente sobre uma distensão prestes a acontecer no Brasil. Me refiro ao que pode ser das direitas por aqui.

Falo no plural porque parto do pressuposto de que há fundamentalmente duas, a liberal e a conservadora, unidas até agora pela sereia do antipetismo. Quem esteve ontem no Congresso pertence à segunda categoria. Em linhas gerais, trata-se de um grupo de saudosos da Guerra Fria que acredita firmemente na ideia de que a política nacional foi tomada pela esquerda. Nada do que se diga vai convencê-lo do contrário. Aliás há muito pouco a se dizer para quem enxerga um painel que homenageia o centenário da imigração japonesa no Brasil como uma versão comunista da bandeira nacional (aqui).

(Não apenas ele, você vai entender depois, mas) Temer tem um problemão pela frente. Precisa encontrar um meio de fazer se sentir representada essa parcela da direita que apostou no impeachment para livrar o país do, vá lá, comunismo e da corrupção, mas que não vai demorar para abrir fogo contra o novo governo. Primeiro porque ele pode ser qualquer coisa, menos um basta na roubalheira. E tanto imprensa quanto procuradores da Lava-Jato já deixaram bem claro que não vão deixar, com algumas exceções, a coesa classe política que derrubou o PT se livrar tão facilmente da exposição. Segundo porque a agenda econômica apresentada pelo PMDB para retirar o país da recessão vai funcionar como um barril de pólvora no meio desse lamaçal.

Explico. Hoje, a direita conservadora da América Latina apresenta traços consideravelmente diferentes da europeia e norte-americana. Aqui ela está centrada em diferentes – porque atualizadas – espécies de macarthismo, sobretudo devido à herança dos regimes militares. Confesso que não fiquei surpreso ao me deparar com panfletos alertando contra a “ideologia de gênero” na campanha pelo “não” ao acordo de paz do governo Juan Manuel Santos com as FARC.

Sobretudo graças à deterioração econômica de países com governos mais identificados com a esquerda, grande parte deles abertamente populista, a direita liberal passou a conquistar espaços significativos novamente. Sem dúvida alguma, a eleição de Macri na Argentina simbolizou essa guinada, já aparentemente irreversível. A coalizão que entregou o poder a Temer sobreviveu com mais ou menos o mesmo discurso: o Estado está imenso, é preciso diminuir. Como a vida das pessoas por aqui piorou consideravelmente, a alternativa ganhou eco. E está sendo comprada rapidamente.

Mas, a despeito de todas as nuances, é preciso dizer que a América Latina começa a rezar a cartilha que abriu caminho para a direita autoritária que apareceu com força na Europa mais precisamente a partir de 2011. Lá os efeitos nefastos da globalização foram sabiamente explorados por uma narrativa mesmo tribalista que colou também na figura do estrangeiro a responsabilidade pelas mazelas do mundo pós-2008. Países de longa tradição humanitária, como é o caso da Dinamarca, tomaram a dianteira rumo ao fechamento de fronteiras e o Tratado de Schengen, segundo grande trunfo da União Europeia – logo depois do Euro – começou a ruir.

A solução para encarar o aumento exponencial da dívida pública e os altos índices de desemprego na Europa é bem conhecida: além da agenda anti-imigração, uma severa política de austeridade que jogou para cima a idade das aposentadorias e para baixo o Estado de bem-estar social. E foi nesse panorama que a direita proto ou assumidamente neofascista ganhou corpo.

E o que têm com isso os cinquenta patriotas que passaram horas no plenário da Câmara ontem chamando desesperadamente por um general? Até hoje, não muito. Mas eles tendem a crescer. Primeiro porque encontram amparo no olvido que pautou o trato do Brasil com o passado recente de autoritarismo no poder. E, segundo, porque o PMDB não tem outra escolha a não ser abandonar de vez o patrimonialismo para afagar quem o alçou a uma presidência da república sem voto. O preço é alto e vai ser pago com um ajuste intolerável. E logo as direitas, hoje ainda em lua de mel, vão romper.

Mas tem mais. Se você tiver condições, veja o tom de Enéas Carneiro (aqui), o último grande nome da extrema direita no Brasil antes de Jair Bolsonaro. Pouca coisa o diferencia de certas simplificações à esquerda a respeito da agenda de Meirelles e companhia.

Não é verdade que a história se repete. E eu não sou futurólogo. Lido com o que já aconteceu. Mas, já dizia o cancioneiro sertanejo, disfarçar as evidências é loucura.





Murilo Cleto é professor, colunista na Revista Forum
e editor do Desafinado Blog (blog)

A bandeira do Japão e os comunistas

POR ET BARTHES

Há coisas inexplicáveis. A confusão mental da senhora do filme é uma dessas coisas difíceis de explicar por palavras. A mulher confundiu a bandeira do Japão com aquilo que imagina ser a bandeira do futuro Brasil comunista. E não deixou por menos: a partir dessa burrada, fez um discurso veemente a alertar o mundo para os perigos do comunismo. Parece ser apenas o delírio de uma pessoa fanática, mas representa um perigo para a democracia.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reflexões sobre as eleições nos EUA: virá o fascismo?













POR RODRIGO BORNHOLDT

Logo que soube do resultado das eleições norte-americanas, postei em alguns grupos de whatsapp: os Estados Unidos elegeram um fascista. Depois, refletindo com calma, entendi que exagerei. Mas, repensando a própria reflexão, agora após alguns dias de uma semana com gosto amargo, entendo que há muitos traços fascistas no novo presidente.

Pela primeira vez na história, os Estados Unidos elegem alguém tão próximo à extrema direita. Reagan e os Bush eram conservadores, de direita, mas praticavam o chamado “compassionate conservatism”. Muito mais moderado do que aquilo que se pode esperar de Trump.

Há, porém, duas diferenças entre o novo presidente e o fascismo tradicional: esse coloca o Estado acima da própria atividade privada, suprimindo as várias liberdades, inclusive com fortes restrições à livre iniciativa. E, diante disso, tende a criar um Estado totalitário. É difícil que os EUA abandonem suas instituições democráticas e sucumbam ao totalitarismo, na definição dada por Hannah Arendt. Mas é muito possível que limite algumas liberdades e adote características autoritárias.

Como Trump é um negociante, os negócios tendem a falar em primeiro lugar. Para ele, o Estado deve servir aos negócios. Isso não retrata verdadeiramente o fascismo. Mas, sendo o novo presidente defensor dos grandes negócios, pretendendo inclusive revogar a lei antitruste, isso gera mais uma baita injustiça contra a maioria da população, inclusive pequenos e médios empresários.

O fascismo, aliás, andou de braços dados com o grande capital. Foi uma aliança sólida na Itália e na Alemanha. E, nos outros aspectos daquilo que é mais próprio de Trump, o fascismo volta a mostrar sua face abjeta: o desprezo ao outro e sua incompreensão. É assim com a depreciação ao negro, ao latino, ao muçulmano, ao oriental. Brasileiros já ameaçam voltar dos EUA; imigrantes, legais ou não, tendem a ser perseguidos pelo ódio das massas ou das instituições mais conservadoras.

A Alemanha não resistiu ao furor autocrático do nazismo. Mas era uma criança democrática. Tinha apenas 13 anos de Estado Democrático de Direito quando foi subjugada. Os EUA, com todos os defeitos de sua democracia, praticam-na há mais de 200 anos.

Sinto vergonha de minha geração, que contribuiu fortemente para esse resultado. Apenas espero que os valores democráticos estejam realmente incutidos nos EUA, para que se evite qualquer aventura autoritária mais profunda por parte do novo incumbente.

Sempre questionei a remarcada influência da televisão e a pouca formação cultural da maioria dos cidadãos. O Estado Democrático de Direito exige vigilância e um mínimo de cidadãos cultos e críticos, que defendam e (re)construam, permanentemente, os valores em que ele se embasa: liberdade de expressão, uma maioria formada racionalmente, o debate das grandes questões públicas; o respeito à vontade popular; o devido processo legal; um mínimo de direitos sociais. 

E deveria também figurar, nesse rol, como preconiza Michael Sandel, a defesa de uma economia política voltada à formação de verdadeiros cidadãos ativos, tanto pela predominância de uma economia baseada em pequenas e médias empresas, como pela efetiva aplicação de um sólido direito antitruste.

Há também um curioso lado populista em Trump, que por vezes parece compreender os pobres que mais sofrem com o processo de globalização. Mas parece pedir muito a ele que tenha um pouco de compaixão por todos e se dispa daquela escala de valores mais próxima de Wall Street e da divisão de mundo entre winners e losers. Aí Trump já não seria Trump. 


O mais provável é que ele realmente exerça, na medida em que consiga, o papel de um tipo de fascista norte-americano que encontro na seguinte passagem da descrição de John Lee Brook, um personagem fictício, criado por Roberto Bolaño em seu indizível “La literatura nazi en America:

- Sus temas preferidos y que se repiten a lo largo de todos sus poemas de manera a veces obsessiva, son la pobreza extrema en algunos sectores de la población blanca, los negros y los abusos sexuales carcelarios, los mexicanos siempre pintados como diminutos diablillos o como cocineros misteriosos, la ausência de mujeres (talvez aqui o único ponto em que Trump difira)... la decadencia de América, los guerreros solitários. (Anagrama: Barcelona, 2010, p. 160)

O estrago parece feito. Com um congresso conservador, e ao nomear um ou talvez até mais novos juízes da Suprema Corte, Trump consolidará a guinada conservadora nos Estados Unidos. Tomara não descambe ela para o fascismo. E, se isso acontecer, que a Califórnia consiga mesmo se separar da União.



Rodrigo Bornholdt é advogado, doutor em direito
e professor universitário

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O sapo e o príncipe













POR RAQUEL MIGLIORINI

Preciso voltar a um assunto já tratado aqui: o Vale do Encanto. Trata-se de um projeto que vende a idéia da falência da área rural substituída por condomínios residenciais de luxo e, por que não, industriais, na Estrada da Ilha e adjacências. Com a justificativa de que as atividades rurais não dão mais lucros e isso tem provocado um êxodo rural, o projeto propõe a expansão da área urbana para que seja possível o parcelamento daquelas áreas, fato que é ilegal em propriedades rurais.

Podemos analisar esse projeto por várias faces. A primeira me parece a mais óbvia: o município não dá conta da urbanização da área já existente, o que facilmente é constatado quando observamos  calçamento, asfalto, iluminação pública, transporte ineficiente, ciclovias ( e não ciclofaixas extremamente perigosas), drenagem, saneamento básico.

A segunda, seria o interesse por esse projeto. Segundo a Câmara de Vereadores e o Conselho da Cidade, foram coletadas cerca de 14 mil assinaturas (muito além da quantidade de moradores da área de abrangência). Ocorre que só um pequeno grupo freqüenta as reuniões na Câmara e no Conselho para defender a ideia. Por causa da pressão popular e por sugestão do próprio Conselho da Cidade, o projeto foi retirado da análise e engavetado no meio do ano, desvinculando-se da LOT.

Casualmente, assistindo uma sessão no Plenarinho, pela TV Câmara, me deparo com uma nova apresentação e discussão, com alegações de que estudos realizados provavam a eficiência do projeto e da urbanização da área. Gostaria de ver os estudos, realizados em tão pouco tempo numa área com grande fragilidade ambiental . Na página da internet (http://valeverdeencanto.eco.br/site/) podemos ler que não é objetivo do projeto descaracterizar a paisagem rural. Acontece que a impermeabilização daquela área, com uma série de construções, atinge diretamente o Rio Cubatão, que é nosso principal manancial de água potável. Portanto, não se trata de beleza.

 A terceira face é a forma primitiva e medíocre de apresentar soluções para pequenos grupos  mas que atingem toda a comunidade de uma cidade, cuja  visão financeira usada até hoje tem como principal característica a predação de recursos humanos e ambientais. Se a área rural já não é tão produtiva, não temos tecnologia e novas culturas para reverter esse quadro? Culturas orgânicas e produtos coloniais tem se mostrado altamente lucrativos e com aceitação cada vez maior no mercado interno e externo. Leite, hortaliças, frutas, ovos, etc. EPAGRI, Fundação 25 de Julho, UDESC, UFSC  se transformaram em órgãos públicos sucateados ao invés de fornecer pesquisas, soluções e oportunidades para quem está ou quer ir para o campo.

Quantas pessoas serão beneficiadas com a venda desses terrenos? Quanto tempo vai durar até que o projeto mostre sua falha ao controlar a densidade populacional na área? Por que o Ministério Público e todos os cidadãos são omissos ao se depararem com as centenas de ocupações irregulares na área rural? O poder público não fiscaliza, o que torna as invasões vantajosas por serem regularizadas posteriormente.

 Joinville coloca o título de príncipe em tudo, devido à sua história. Inclusive em muitos sapos que sequer um beijo muito apaixonado fará a transformação. Nesse caso, especialmente, o sapo não terá nem brejo pra morar.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Crianças de 3 anos matam pessoas, armas não...
















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”. Este é, sem dúvida, o argumento preferido dos defensores das armas na tentativa de explicar o inexplicável: a liberalização do uso de armas. O argumento é considerado uma espécie de bala de prata. Por ser tão irretorquível, põe fim a qualquer debate. Mas é só estupidez, porque a defesa de armas só interessa à indústria do armamento e a um punhado de pacóvios.

Ora, basta uma rápida análise dos fatos para mostrar que esse argumento – pessoas matam, armas não – é tolice. E a comprovação vem dos Estados Unidos, um país que é referência no uso de armas e que acolhe a decrépita segunda emenda, instituída no século 17 para garantir, aos cidadãos, o direito de ter e portar armas. A emenda, claro, voltou a ser tema de debate nas eleições que levaram Donald Trump à Casa Branca.

A situação na terra do Tio Sam é tão aberrante que a Brady Campaign, entidade focada na prevenção da violência por armas de fogo, decidiu criar uma campanha publicitária satírica, mas tendo por base dados da realidade. Eis os fatos: no ano passado toddlers (crianças na fase de engatinhar e andar) dispararam e mataram mais norte-americanos do que terroristas. Parece brincadeira, mas é sério.

“Mulher morta depois de uma criança ter pegado numa arma”. “Criança atira em parentes após encontrar uma arma de fogo”. “Mulher atingida e morta pelo filho de três anos”. “Criança atinge mortalmente irmã de nove anos com arma deixada no guarda-roupas”. Esses são alguns exemplos de manchetes usadas no filme de televisão, a peça principal da campanha “Toddlers Kill” (ver abaixo).

“As armas não matam pessoas, as crianças matam” foi o tema da campanha, que ganhou notoriedade mundial. E é aí que entra a sátira. “Há crianças mortíferas através do país, matando pessoas a um ritmo alucinante. É preciso trancafiá-las”, diz o texto, numa ironia. “A gente espera que essa situação mostre o absurdo que é o debate sobre armas nos Estados Unidos”, explicou Brendan Kelly, porta-voz da Brady Campaign. E tem razão, claro.

E o que o Brasil tem a ver com isso? Por enquanto, ainda pouco. Mas não vamos esquecer que o país tem uma aberração legislativa chamada Bancada da Bala. E o pior: que mais de 70% dos candidatos que receberam doações da indústria do armamento acabaram se elegendo nas últimas eleições parlamentares, tanto em nível estadual quando federal. É um claro tiro no bom senso.

É a dança da chuva.