quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O sapo e o príncipe













POR RAQUEL MIGLIORINI

Preciso voltar a um assunto já tratado aqui: o Vale do Encanto. Trata-se de um projeto que vende a idéia da falência da área rural substituída por condomínios residenciais de luxo e, por que não, industriais, na Estrada da Ilha e adjacências. Com a justificativa de que as atividades rurais não dão mais lucros e isso tem provocado um êxodo rural, o projeto propõe a expansão da área urbana para que seja possível o parcelamento daquelas áreas, fato que é ilegal em propriedades rurais.

Podemos analisar esse projeto por várias faces. A primeira me parece a mais óbvia: o município não dá conta da urbanização da área já existente, o que facilmente é constatado quando observamos  calçamento, asfalto, iluminação pública, transporte ineficiente, ciclovias ( e não ciclofaixas extremamente perigosas), drenagem, saneamento básico.

A segunda, seria o interesse por esse projeto. Segundo a Câmara de Vereadores e o Conselho da Cidade, foram coletadas cerca de 14 mil assinaturas (muito além da quantidade de moradores da área de abrangência). Ocorre que só um pequeno grupo freqüenta as reuniões na Câmara e no Conselho para defender a ideia. Por causa da pressão popular e por sugestão do próprio Conselho da Cidade, o projeto foi retirado da análise e engavetado no meio do ano, desvinculando-se da LOT.

Casualmente, assistindo uma sessão no Plenarinho, pela TV Câmara, me deparo com uma nova apresentação e discussão, com alegações de que estudos realizados provavam a eficiência do projeto e da urbanização da área. Gostaria de ver os estudos, realizados em tão pouco tempo numa área com grande fragilidade ambiental . Na página da internet (http://valeverdeencanto.eco.br/site/) podemos ler que não é objetivo do projeto descaracterizar a paisagem rural. Acontece que a impermeabilização daquela área, com uma série de construções, atinge diretamente o Rio Cubatão, que é nosso principal manancial de água potável. Portanto, não se trata de beleza.

 A terceira face é a forma primitiva e medíocre de apresentar soluções para pequenos grupos  mas que atingem toda a comunidade de uma cidade, cuja  visão financeira usada até hoje tem como principal característica a predação de recursos humanos e ambientais. Se a área rural já não é tão produtiva, não temos tecnologia e novas culturas para reverter esse quadro? Culturas orgânicas e produtos coloniais tem se mostrado altamente lucrativos e com aceitação cada vez maior no mercado interno e externo. Leite, hortaliças, frutas, ovos, etc. EPAGRI, Fundação 25 de Julho, UDESC, UFSC  se transformaram em órgãos públicos sucateados ao invés de fornecer pesquisas, soluções e oportunidades para quem está ou quer ir para o campo.

Quantas pessoas serão beneficiadas com a venda desses terrenos? Quanto tempo vai durar até que o projeto mostre sua falha ao controlar a densidade populacional na área? Por que o Ministério Público e todos os cidadãos são omissos ao se depararem com as centenas de ocupações irregulares na área rural? O poder público não fiscaliza, o que torna as invasões vantajosas por serem regularizadas posteriormente.

 Joinville coloca o título de príncipe em tudo, devido à sua história. Inclusive em muitos sapos que sequer um beijo muito apaixonado fará a transformação. Nesse caso, especialmente, o sapo não terá nem brejo pra morar.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Crianças de 3 anos matam pessoas, armas não...
















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”. Este é, sem dúvida, o argumento preferido dos defensores das armas na tentativa de explicar o inexplicável: a liberalização do uso de armas. O argumento é considerado uma espécie de bala de prata. Por ser tão irretorquível, põe fim a qualquer debate. Mas é só estupidez, porque a defesa de armas só interessa à indústria do armamento e a um punhado de pacóvios.

Ora, basta uma rápida análise dos fatos para mostrar que esse argumento – pessoas matam, armas não – é tolice. E a comprovação vem dos Estados Unidos, um país que é referência no uso de armas e que acolhe a decrépita segunda emenda, instituída no século 17 para garantir, aos cidadãos, o direito de ter e portar armas. A emenda, claro, voltou a ser tema de debate nas eleições que levaram Donald Trump à Casa Branca.

A situação na terra do Tio Sam é tão aberrante que a Brady Campaign, entidade focada na prevenção da violência por armas de fogo, decidiu criar uma campanha publicitária satírica, mas tendo por base dados da realidade. Eis os fatos: no ano passado toddlers (crianças na fase de engatinhar e andar) dispararam e mataram mais norte-americanos do que terroristas. Parece brincadeira, mas é sério.

“Mulher morta depois de uma criança ter pegado numa arma”. “Criança atira em parentes após encontrar uma arma de fogo”. “Mulher atingida e morta pelo filho de três anos”. “Criança atinge mortalmente irmã de nove anos com arma deixada no guarda-roupas”. Esses são alguns exemplos de manchetes usadas no filme de televisão, a peça principal da campanha “Toddlers Kill” (ver abaixo).

“As armas não matam pessoas, as crianças matam” foi o tema da campanha, que ganhou notoriedade mundial. E é aí que entra a sátira. “Há crianças mortíferas através do país, matando pessoas a um ritmo alucinante. É preciso trancafiá-las”, diz o texto, numa ironia. “A gente espera que essa situação mostre o absurdo que é o debate sobre armas nos Estados Unidos”, explicou Brendan Kelly, porta-voz da Brady Campaign. E tem razão, claro.

E o que o Brasil tem a ver com isso? Por enquanto, ainda pouco. Mas não vamos esquecer que o país tem uma aberração legislativa chamada Bancada da Bala. E o pior: que mais de 70% dos candidatos que receberam doações da indústria do armamento acabaram se elegendo nas últimas eleições parlamentares, tanto em nível estadual quando federal. É um claro tiro no bom senso.

É a dança da chuva.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O rotativo, o blackmail e outras “cositas”


POR JORDI CASTAN
Depois de anos adormecida, a licitação do estacionamento rotativo decidiu sair apressadamente da gaveta num dia para, praticamente no dia seguinte, ser colocada sob suspeição, com o deflagrar da Operação Blackmail. Joinville parece ter uma dificuldade patológica para lidar com certas coisas. 

A mesma Prefeitura que ficou quatro anos sem resolver o problema do estacionamento rotativo, de um dia para outro, inebriada com a vitória no segundo turno, lançou a seguinte pérola:
- “O estacionamento rotativo regulamentado pago é um poderoso instrumento de gestão de trânsito, enquanto ordenador do uso moderado e racional do solo viário urbano. É uma das melhores opções de que dispõem as cidades que desejam minimizar o problema da carência de vagas de estacionamento em regiões comerciais e de serviços”.


Este é um dos trechos da justificativa da Prefeitura de Joinville para relançar o estacionamento rotativo, suspenso desde 2013.  Tempo atrás o município não era tão simpático ao rotativo. Mudou o governo? O que mudou para termos essa mudança tão repentina?
Quem não fosse daqui até poderia acreditar nessa parolagem dos tagarelas do Executivo. Mas quem é daqui não demorou muito para sacar que o jabuti tinha subido no toco. Toda essa pressa e esse ativismo devem ter endereço certo. E para ajudar a achar o caminho das pedras, o Gaeco apresenta a pontinha do novelo que permite achar o caminho para sair do labirinto.

Desenrolando o novelo, ficamos sabendo que há empresário interessado na licitação e que há vereador interessado em que a licitação saia. E, claro, tudo isso feito por amor a Joinville, por puro desinteresse. Não fosse por umas gravações telefônicas, umas fotos e pela investigação feita, toda esta história nunca veria a luz. 
Como as investigações se estenderam por vários meses e neste tempo houve outros projetos importantes sendo debatidos na Câmara, é provável que possam aparecer dados que levem a novas linhas de investigação. Quem sabe se aí não fica mais claro o protagonismo e a veemente defesa que alguns vereadores fizeram das suas emendas na LOT. Aquelas que casualmente não apresentam os estudos técnicos adequados, por dizer alguma coisa, porque não apresentam nem os adequados, nem os mínimos. Ou aquelas emendas que quando questionadas pelos próprios assessores e técnicos foram defendidas no grito e não com argumentos. 


Essa história dos assessores da Câmara e seu posicionamento técnico deve merecer mais atenção da população. Porque frente aos interesses exclusivamente políticos e politiqueiros é bom que a sociedade possa contar com um corpo técnico qualificado que ponha freio a algumas das aberrações contidas em muitas das leis em debate.
As coisas aqui não andam. Quando andam, preferem atalhos, veredas e outros caminhos que não os certos. Quando uma licitação não anda é porque há alguém que não quer que ande, quando anda é porque há alguém que quer muito que ande. 

Licitação para instalar um crematório? Não houve. Por que não houve? Essa é uma boa pergunta. Licitação para aluguel de bicicletas e instalação de bicicletários? Era para ontem, já faz mais de seis anos e até agora nada da dita licitação. Vai ver que os interessados desistiram quando souberam de todos os penduricalhos que estavam sendo propostos. Licitação para o transporte coletivo? Essa está mais enrolada que um nó górdio e, a menos que apareça na vila um novo Alexandre, O Grande, tudo vai continuar enrolado. Até porque é mais fácil não fazer, não resolver, deixar como esta que enfrentar os problemas e resolvê-los. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Salários de 400 mil reais? Não acredito...


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um dia destes vi, nas redes sociais, um documento (que me garantiram ser verdadeiro, mas parece invenção) sobre os salários de desembargadores federais no patropi. Fiquei de queixo caído. Segundo a lista, tem um cara que ganha 215 mil reais (o corresponde a 60 mil euros). Gente... isso tem que ser mentira. Casos como esse não existem em democracia e no mundo civilizado.

Mesmo não acreditando (é uma maneira de não desenvolver úlceras nervosas), arrisco uma comparação. Um dos temas mais recentes na imprensa portuguesa, por exemplo, é o fato de o banco estatal de Portugal ter contratado um CEO por 30 mil euros. Todo mundo acha um exagero, apesar de ser um valor dentro dos valores de mercado pagos para a função no setor bancário. Santa ironia, Batman, são poucos os desembargadores da lista "mentirosa" que ganham menos. Muito poucos.

Pensei em comparar os salários dos tais desembargadores (da lista que só pode ser inventada) com cargos semelhantes na Europa. Mas é covardia. Um juiz em Portugal, por exemplo, ganha 3 mil euros (cerca de 11 mil reais). Então, opto pelo salário de alguns governantes da União Europeia, a partir de dados de algum tempo atrás, mas que pouco se alteraram.

Eis os exemplos. Os primeiros-ministros de Portugal e Polónia recebem 15,8 e 12 mil reais de base. Prestem atenção: é menos do que recebe o mais baratinho dos desembargadores, que são 28 mil reais. É claro que há outros políticos europeus que ganham bem mais, como o caso da primeira-ministra britânica e da chanceler alemã, cujo salário anda por volta dos 60 mil reais. Mas ainda assim ficariam abaixo dos bambambans da tal lista (tão inacreditável que suponho mentirosa).

Salários de 150 ou 215 mil reais são coisa que não entra na cabeça de nenhum europeu, ainda mais porque estamos a falar de funcionários públicos. Não resisto ao clichê: no Brasil tem gente que, mais que servir o Estado se serve dele. Seria imoral, cisa inaceitável em civilização. Ainda mais num momento em que a imagem dessa gente do Judiciário - nas suas mais altas instâncias - anda mais suja do que pau de galinheiro.

Ah... esqueçam tudo. Acabo de receber a informação de que no Rio de Janeiro um magistrado pode ganhar até 400 mil reais. Nem vale a pena continuar a discussão. A vaca já está no brejo, com badalo e tudo...

É a dança da chuva.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Este não é um texto sobre o Trump
















POR FILIPE FERRARI


Eric Hobsbawn, um dos maiores historiadores do século XX, certa vez falou que o tempo mais difícil para um historiador é escrever, é aquela na qual ele vive. Afinal, ele está imerso em seu próprio tempo, sem a distância que muitas vezes o objeto científico demanda, e o sujeito histórico, que escreve sua própria história e de seus contemporâneos está sujeito a um bombardeio de opiniões, sejam ela dos pares, da mídia ou de qualquer outro meio. E nesse ponto, Hobsbawn brilhou ao descrever o seu século, o século XX, na obra A Era dos Extremos.

Senti isso na pele ao querer escrever um texto sobre a eleição do Donald Trump, e no processo, me deparei com mais de dez abas abertas no meu navegador com os mais diversos textos. Desde a análise apocalíptica de John Carlin para o El País, até o ponderamento ao avesso do filósofo Slavoj Žižek. Tanta gente melhor do que eu estava tendo dificuldades para entender o fenômeno, então por que eu conseguiria? O Clóvis Gruner colocou essa semana em sua conta no Facebook uma fala que traduz exatamente o que eu senti:
“Quer dizer, a gente não consegue serenidade pra tentar entender o que "realmente aconteceu" nas nossas eleições municipais, e acha que vai conseguir fazer análise sensata das eleições estadunidenses?”

Já que eu não sou nenhum Hobsbawn, e não tenho essa pretensão, vou discorrer sobre o uso de termos. O Felipe Silveira foi brilhante ao pedir que “Melhoremos” a algumas semanas atrás, especialmente quando falamos. Nessas eleições estadunidenses, o que muito se viu foi a comparação de Trump a Hitler, e muitos chamando o estadunidense de fascista. Esse é um excelente exemplo. O termo “fascista” não pode ser usado levianamente. Senão, acaba que nem no conto do menino que gritava “lobo! Lobo!”. Quando aparecer o fascismo, ninguém mais vai acreditar. Trump é racista, misógino, sexista, e insulta sempre que pode mexicanos, muçulmanos, negros, emigrantes e mulheres (e fala fino com o Putin). Obviamente Trump é um problema, mas ainda creio que ele vai ser mais um problema para os próprios estadunidenses (e para os mexicanos) do que para o resto do mundo. E agora, pensar que a maioria do eleitorado estadunidense concorda cegamente com esse discurso de ódio, é fazer uma análise tão rasa quanto falar que o Rio de Janeiro é em sua maioria fundamentalista religioso. Os problemas são outros.

Os Estados Unidos jamais se tornarão um país fascista, no sentido histórico-sociológico da palavra, pois as próprias instituições da democracia norte-americana impedem esse movimento. A história do Grande Irmão do norte é construída obviamente na exclusão social dos negros, do genocídio indígena e outras problemáticas, mas é lá também que surgiu um Martin Luther King, um Harvey Milk, um Muhammed Ali, e várias outras figuras que lutaram pela liberdade e pela justiça social. Como eu sou um otimista, e gosto das simbologias, ouso dizer que os Estados Unidos são maior do que Trump. A América (o continente, óbvio), é maior que Trump. Que nossos irmãos americanos do norte lembrem-se sempre das suas palavras fundadoras, escritas por Thomas Jefferson (com uma grande pitada de John Locke): “que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estas são a vida, liberdade e busca pela felicidade”.