POR CLÓVIS GRUNER
O conteúdo das conversas entre o
Ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio
Machado, abriram a semana política em altíssima voltagem. Elas deixam claro,
sem meios tons, que o impeachment de Dilma Rousseff não tem, não teve e não terá
respaldo jurídico: ele foi urdido para garantir a impunidade de uma – agora sabemos
– quadrilha que tomou de assalto o poder, com o respaldo de uma maioria que foi
às ruas amassar panela e exibir a camiseta verde amarelo da ilibada CBF. Nos
trechos revelados até aqui, a trama era, fundamentalmente, articular com a
oposição e, se possível, ministros do STF, para garantir a derrubada de Dilma,
único caminho para que outros políticos e partidos não caíssem com o PT.
Nas conversas há de tudo um pouco:
referências aos principais líderes da oposição, Aloysio Nunes, José
Serra e Aécio Neves, deixam claro que também para os tucanos a “ficha já havia caído”, e não há outra
interpretação possível: Jucá e Machado sabiam que para a tese do impeachment
vingar, era preciso um trabalho coordenado da base aliada, especialmente Renan Calheiros,
presidente do Senado, e da oposição. E que aquelas alturas eles já podiam
contar com os três senadores do PSDB, cientes de que, caso tudo ficasse como
estava, em algum momento a Lava Jato os alcançaria. Faltava convencer Calheiros,
o que não deve ter sido difícil depois que Eduardo Cunha caiu. Chega a ser
pornográfico, de tão explícito.
Por outro lado, nada disso chega a
ser surpreendente. Muita, mas muita gente vem falando isso desde que a palavra impeachment
deixou as ruas e ganhou corpo nos gabinetes de Brasília. Eu mesmo escrevi, aqui
no Chuva Ácida, que o processo contra Dilma significava, na verdade, o “impeachment
da Lava Jato”. E isso há mais de um mês, logo depois da vergonhosa votação na
Câmara dos Deputados. No texto da semana passada, já com Temer governando
interinamente, escrevi: “o
governo Temer surgiu para frear as investigações de corrupção e assegurar a
impunidade aos que sempre se souberam impunes. É um governo feito para livrar
criminosos da cadeia e, nesse sentido, o impeachment foi, fundamentalmente, uma
garantia de sobrevivência política”.
Insisto:
não estava sozinho. Inúmeros articulistas chamaram a atenção para os
reais interesses que moviam o impeachment: barrar a Lava Jato, frear as
investigações contra a corrupção e assegurar a impunidade dos que sempre se souberam
impunes. A resposta foi sempre a mesma: éramos “petralhas” que compactuávamos
com a corrupção, defendendo um governo e um partido indefensáveis. Na melhor
das hipóteses, um bando de inocentes úteis. Os diálogos entre Jucá e Machado mostram
que os inocentes úteis a compactuar com a corrupção, afinal, não éramos nós. Mas
se não há grandes surpresas no que foi revelado, os desdobramentos da revelação
ainda são uma incógnita.
Por
um lado, derruba-se de vez e a tese moralizadora, sustentada há meses, de que o
impeachment varreria de uma vez por todas a corrupção do país. Tampouco se pode
alegar que Temer desconhecia inteiramente as intenções de Jucá, um dos
principais articuladores do impeachment no Senado e duplamente investigado, na
Lava Jato e na Operação Zelotes. E é muitíssimo pouco provável que Michel Temer
não estivesse de acordo em participar de um conchavo de implicações tão amplas.
Afinal, ele era a peça chave nos planos que Jucá conduziu com a base aliada e a
oposição. Além disso, ele próprio está diretamente implicado nas investigações,
ao contrário de Dilma Rousseff na época das gravações.
É quase certo que haverá quem, desesperado, se agarre a tese de que a queda de Dilma foi
necessária e justificável ante o rombo na economia brasileira. A tese é frágil,
e não apenas porque a crise econômica não estava na pauta do processo que
culminou com o afastamento da presidenta, incluindo as manifestações de rua, e
o alegado rombo era, inclusive, desconhecido. Mas também porque as expectativas
em torno à nova equipe econômica não diferem, substancialmente, daquilo que Dilma
já anunciava como necessário para dar um alívio à nossa combalida economia, incluindo
o aumento de impostos e o retorno da CPMF já sugeridos pelo ministro Henrique
Meirelles.
A
resposta do presidente interino, independente de qual seja, provocará um
verdadeiro estrago em uma gestão mal começada. Se demitir Jucá, pode criar um
inimigo perigoso que o arraste junto, e ao governo, para a lama ainda mais
profunda. Se o mantém, aumentará a percepção de que está à frente de um governo
oportunista, na melhor das hipóteses, ilegítimo na pior delas. E dá munição à
narrativa petista de que, afinal, o impeachment é só um eufemismo criado pela
base aliada e a oposição para justificar um golpe de Estado.
De
certo, sabemos pouca coisa. A primeira e mais importante, a de que o governo
Temer é não apenas interino, mas ilegítimo. E que as notícias de hoje talvez
embaralhem o que, até ontem, era dado como certo: de que a votação do
impeachment no Senado significaria o fim da gestão de Dilma Rousseff,
afastando-a definitivamente. Há alguns meses, quando o processo começou,
analistas sugeriam como alternativa à crise a convocação de novas eleições mediante
emenda aprovada pelo Congresso.
A
proposta foi recusada por governo e oposição, que tinham muito a perder com o
voto popular. Agora que sabemos, sem margem de dúvida, as razões da quadrilha
que ocupa o Palácio do Planalto, talvez a ideia de novas eleições não soe tão
descabida. Intolerável é sustentar um governo que ascendeu ao poder
conspirando, e que se valeu da Constituição e dos mecanismos democráticos que
ela franqueia para livrar da cadeia um bando de criminosos.
A
ficha, finalmente, caiu. Agora só falta cair Temer.