terça-feira, 10 de maio de 2016

O Brasil vira chacota. Pior não fica, Tiririca?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Não foi uma, não foram duas e nem foram três pessoas. Os episódios de ontem – Maranhão assina, Dilma fica, Maranhão desassina, Dilma sai - fizeram com que muitíssima gente fosse às redes sociais expressar estupefação por esse autêntico bordel jurídico-político que dá pelo nome de Congresso Nacional. Mas para muitas dessas pessoas o pano de fundo era uma preocupação: como o mundo está a olhar para o Brasil? A coisa foi transversal e bateu em todos os lados.

O pior de tudo, no entanto, é que os acontecimentos pasmaram mesmo pessoas ligadas ao campo jurídico. Dá muito o que pensar. Nem é preciso ir longe. O advogado joinvilense Laércio Doalcei Henning, por exemplo, fez uma ironia: “vai explicar algo assim para algum gringo!”. O ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, também entrou na onda, no Twitter, e escreveu que o Brasil está a virar motivo de chacota no exterior: “sabe o que o mundo inteiro deve estar achando sobre nós? A laughing stock (chacota)...”, escreveu.

O analista pode ser testemunha? Pode. Por viver em Portugal (ao ladinho da Europa), posso acompanhar a imprensa mundial mais de perto. E respondo. Sim… o Brasil virou motivo de piada no exterior. O mundo sabe que o impeachment é um golpe descarado contra a democracia. Mesmo assim vinha mantendo alguma simpatia pelo país. O mundo aprendeu a gostar do Brasil - e a respeitá-lo - durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (mesmo que uns não gostem).

Mas pegou mal. O processo de impeachment torpedeou a imagem dos integrantes dos três poderes. O desrespeito pela democracia tornou-se indisfarçável. Mas a machadada final foi aquele espetáculo burlesco na votação do processo de impeachment. O mundo viu um circo. E riu a bandeiras despregadas. As cenas grotescas na Câmara dos Deputados - as declarações de voto -  fizeram rir mais que os programas humorísticos. Ainda hoje há gente a fazer piada.

Nenhuma pessoa minimamente habituada à democracia consegue entender. É tudo muito bizarro. O nível dos atos é surreal. O Brasil virou uma terra de ninguém, onde tudo importa menos o próprio Brasil. Dane-se o país. Os atores dessa tragicomédia golpista estão preocupados apenas em se dar bem. Não se trata de ideologia, apenas fisiologismo. A única lei em vigor é a Lei de Gerson, pela qual o importante é levar vantagem em tudo. E a nanocracia (governo de anões) a se instalar.

O mundo ri do Brasil? Sim. Mas fazer o quê? Há razões. E para que não seja apenas eu a dizer, eis o que diz o jornalista Ferreira Fernandes, do português Diário de Notícias, num texto publicado hoje: “Juntem o desmoronar da política brasileira com esta nossa traiçoeira língua portuguesa e temos a manchete do jornal O Globo, ao longo do dia de ontem: "Renan vai rejeitar a decisão de anular votação do impeachment na Câmara"... Perdão?! Digam lá outra vez...”.

Não entendeu, Ferreira Fernandes? É que a própria língua portuguesa mostra sinais de exaustão quando é preciso explicar a situação. Porque o que se vive é o indizível. Resta-nos, pois, rir. Porque o circo está montado. Pior não fica? Tiririca errou.

É a dança da chuva.




Antes... :)


Depois... :(


segunda-feira, 9 de maio de 2016

É de pequeno...

POR ET BARTHES

As artes marciais produzem efeitos benéficos sobre as crianças, mesmo nas mais novas. Mas também proporcionam alguns momentos interessantes, como a técnica e a perseverança do pequeno taekwondista para quebrar a tábua.



De LHS@senador para Udo@prefeito.


POR JORDI CASTAN

Luiz Henrique da Silveira - ou LHS, como ficou conhecido - foi três vezes prefeito de Joinville, duas vezes governador de Santa Catarina, deputado federal por cinco legislaturas e senador. Um verdadeiro "animal político". Udo Dohler foi uma das suas criações, num projeto que começou quando o nomeou presidente da comissão organizadora dos atos de celebração do sesquicentenário de Joinville. LHS foi um visionário e um articulador político de destreza reconhecida até pelos seus mais fervorosos inimigos. Vendo o governo que Udo está fazendo e quando o atual prefeito se prepara para concorrer à reeleição, o que diria o senador ao velho amigo? A carta é um exercício de imaginação que mostramos aqui no Chuva Ácida.

"Caro Udo.
Faz tempo que não comemos um marreco juntos. Aqui onde estou marrecos não tem o mesmo sabor. Conheci aqui o Joseph Weber, um dos grandes cientistas do século XX. E quando me contou a sua história, não tive como não me lembrar da sua. Joe Weber era considerado pelos seus amigos próximos como Shackelton, aquele que quase chegou mas ficou sempre no caminho. Joe Weber foi quase o primeiro em descobrir o Big Bang, foi quase o primeiro em patentear o laser, quase o primeiro em descobrir as ondas gravitacionais. O seu maior sucesso não foi o de chegar mas o de “quase” chegar lá. Ficou na metade do caminho e acabou vendo outros chegar antes.

Um dos fervorosos admiradores de Weber desde o primeiro momento foi o Fisco Freeman Dyson. Acreditava na sua capacidade de trabalho, se impressionava fácil quando o via chegar tão cedo ao laboratório da Universidade de Maryland. Com o tempo foi se convencendo que a sua falta de humildade e a sua pertinácia exagerada, unida à sua visão simplista dos problemas que queria resolver e a sua fascinação por escolher soluções fáceis e erradas para resolvê-los eram empecilhos que o impediam de alcançar os resultados que almejava.

Quanto mais o Joe me contava a sua história mais tenho achado um imenso paralelo entre a dele e a sua. Freeman, seu fiel amigo, mesmo sabendo da enorme dificuldade que representava que ele mudasse de opinião,  lhe escreveu uma carta em junho de 1975,  que copio aqui e que confesso que me emocionou. Acho que a historia vai se repetir, eu como Freeman a escreverei e você como Weber a ignorara. O resultado é previsível e conhecido.

“Caro Joe,
Assisto com medo e angústia a ruína de nossas esperanças.  Sinto uma responsabilidade pessoal considerável por ter aconselhado no passado para "arriscar o pescoço." Agora ainda o considero um grande homem maltratado pelo destino, e eu estou ansioso para salvar o que pode ser salvo. Então, lhe ofereço o meu conselho de novo para tentar salvar o que vale a pena salvar.
Um grande homem não deve ter medo de admitir publicamente que cometeu um erro e mudou de ideia. Eu sei que você é um homem de integridade. Você é forte o suficiente para admitir que você está errado. Se fizer isso, seus inimigos se alegrarão, mas seus amigos vão se alegrar ainda mais. Vai se salvar como cientista, e vai descobrir que aqueles cuja relação vale a pena manter o respeitarão por isso.
Escrevo-lhe brevemente, pois longas explicações não vai tornar a mensagem mais clara. Qualquer coisa que você decidir, não vou lhe virar as costas.
Com todos os bons desejos,
sempre seu
Freeman”



Como você sabe e já lhe antecipei, Weber decidiu desconsiderar o cauteloso alerta do amigo. Seu esforço coexistiu até o final da sua vida com a mais desafortunada e inescapável das tendências humanas a dificuldade em lidar com a vergonha de reconhecer o erro. O resultado foi o descredito, a humilhação e a desconstrução da imagem pública que projetou ao longo de décadas de trabalho árduo e tenaz. Udo, não gostaria de ver o amigo acabar como Weber. Você ainda tem a oportunidade de reconsiderar, de mudar Um choque de humildade só pode lhe ajudar e o mais importante é que Joinville só teria a ganhar com isso.

Forte Abraço 
Luiz

domingo, 8 de maio de 2016

Por que as lágrimas da mãe branca comovem mais?

POR GABRIELA QUEIROZ

A mãe da menina Isabella Nardoni está grávida de um menino, noticiam os jornais. Incontáveis compartilhamentos da notícia dão conta de que, tanto a breve passagem de Isabella, quanto a vida de sua mãe, Ana Carolina, jamais serão esquecidas, mesmo depois de passados oito anos da tragédia. Um novo bebê jamais ocupará o lugar da irmãzinha, mas certamente trará a essa mãe novas alegrias.

Não estou menosprezando isso.

Só gostaria de fazer uma breve reflexão acerca do desprezo sofrido pelas incontáveis mães negras que perdem diariamente seus filhos de maneira brutal. Eu não tenho a pretensão de ter as respostas; pelo contrário, o que me incomoda são as perguntas. Por que seus nomes não são lembrados, suas histórias não são insistentemente contadas pela mídia, seus filhos não tem nome, tornam-se apenas estatísticas? Por que a mãe que perdeu o filho há duas semanas por uma bala perdida teve que se justificar no Fantástico porque seu filho estava brincando na rua? A culpa foi dela?

A diferença de tratamento entre uma mãe e outra corrobora um fato que não podemos aceitar: o racismo. A mãe branca da classe média que teve a filha arrancada de seus braços por alguém com sobrenome de família tradicional não foi esquecida, mesmo após oito anos. Fatos terríveis como este não são esperados desta população. Transtornos mentais, conflitos familiares, intrigas e crimes não fazem parte da vida dos “bem criados”, reza a mídia tendenciosa. “Isto são coisas dos pretos!”, acusam-nos. E assim, à mãe negra e pobre, moradora da periferia, só resta o questionamento se irá conseguir criar o outro filho, o que sobreviveu. Ela terá esse direito?


E quantas outras mães, sem nome, sem rosto, sem história, que tem em comum a pele escura, não chegam ao nosso conhecimento? Quantas mães choram tentando provar que seus filhos não eram bandidos, eram estudantes, estavam apenas voltando para a casa quando foram alvejados?

São tantas as histórias tristes das minhas pares, que eu poderia passar horas lhes contando algumas. Entretanto, o que dará mais audiência nesse momento, é a escolha do nome do irmão da Isabella.

sábado, 7 de maio de 2016

Impeachment sem crime é golpe e retrocesso institucional

Catarinense ocupa um dos maiores cargos do país
O Chuva Ácida publica, neste sábado, um texto ministerial, vindo direto de Brasília. Assinado pela ministra Chefe da Casa Civil substituta (enquanto Lula não assume a função), a catarinense Eva Maria Della Cella Dal Chiavon, natural de Chapecó, o texto fala aos catarinenses sobre a questão do impeachment, dos créditos suplementares e dos investimentos federais no estado.

POR EVA MARIA DELLA CELLA DAL CHIAVON*

A presidenta da República, Dilma Rousseff, enfrenta de cabeça erguida o processo pela sua destituição. É uma tentativa antidemocrática de tomada de poder por eleições indiretas. Dilma, mulher digna, mãe e avó, sem ser réu em nenhuma ação, foi injustamente acusada de cometer crime fiscal por não pagamento aos bancos oficiais e pela edição de decretos de crédito suplementar.

Ter obrigações junto aos bancos oficiais não é ilegal, nem configura operação de crédito. É como se, para qualquer cidadão que deva a conta de luz, a CELESC se tornasse sua credora. O TCU nunca havia considerado a medida irregular. Os recursos objeto da denúncia financiaram o Plano Safra, ação crucial para o desenvolvimento agrícola do Brasil. Nenhum ato do Plano Safra foi assinado pela Presidenta, mas sim, pelos ministérios e instituições financeiras responsáveis. Além disso, as obrigações junto aos bancos oficiais relativas a 2015 foram integralmente quitadas.

Sobre os decretos de crédito, eles apenas remanejaram recursos e não implicam automaticamente aumento de gastos. A meta fiscal foi cumprida e não houve crime de responsabilidade. Sem crime, conclui-se que estamos diante de um golpe de Estado. Por quê? O mau uso do instrumento do impeachment sem crime de responsabilidade significa ruptura institucional.

No dia da votação na Câmara, ninguém tratou do mérito da questão do impeachment. Quem comandou o espetáculo, o presidente da Câmara, é réu no STF. Dilma não responde a nenhum inquérito nem tem conta no exterior. Agora, no Senado, a análise de mérito será discutida a fundo. Temos esperanças poia não houve crime de responsabilidade.

Apesar da crise, o governo Dilma manteve em Santa Catarina investimentos nas políticas sociais como a construção de 170,6 mil moradias do Minha Casa Minha Vida,129 mil já entregues. O Programa Mais  Médicos beneficiou 1,9 milhão de pessoas em 216 municípios, com 572 profissionais. Na Educação, foram abertas 394,9 mil matrículas no Pronatec, 68,4 mil bolsas no Prouni e 54,1 mil contratos do FIES.

É hora de unir as forças progressistas e movimentos sociais na luta pela retomada do crescimento econômico com inclusão social e estabilidade política num governo democrático que tenha compromisso efetivo com o voto popular.

*Eva Maria Della Cella Dal Chiavon - Secretária Executiva da Casa Civil da Presidência da República, no cargo de Ministra Chefe da Casa Civil Substituta

De políticos e politiquices #1

POR ET BARTHES

Nada é mais definitivo do que a palavra de um político. Faz sentido: um dia é um dia, outro dia é outro dia. Ou seja, hoje estou com Dilma, amanhã não garanto. Certo, deputado?





sexta-feira, 6 de maio de 2016

Aos navegantes: Cunha caiu, mas a corrupção continua















POR SALVADOR NETO


Chegamos ao final de semana derradeiro antes da votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff com a bela notícia da “suspensão” do mandato do eminente deputado peemedebista Eduardo Cunha. Com grande atraso, Teori Zavascki do STF deu “liminar” para defenestrar a grande mão da corrupção no Congresso Nacional.

E ao fim da tarde desta quinta-feira (5/5) os ministros por unanimidade, 11 votos, mantiveram a suspensão. Sim, Cunha é o grande manipulador das forças políticas no legislativo, e tem, ou tinha, em torno de 300 deputados nas mãos. Agora perdeu o poder.


Já escrevi sobre esse tema que está quebrando o país, esta crise política sem fim que agrava a crise na economia. Nos textos “Querem impedir o Brasil?”, “A Cunha que atrasa o Brasil” e “Um impedimento só não faz verão”, analisei os fatos e com presença em Brasília, centro da briga. Ao final temos um quadro escabroso, e esta retirada cirúrgica de Eduardo Cunha de um dos poderes da República tenta nos dar um cálice de água fresca no deserto de esperanças que temos. Pelo menos ele já deu tchau à sua cadeira e ao poder. 

Mas, não se iludam. Como acreditam vocês que Eduardo Cunha chegou a ser Presidente da Câmara? Com votos dos senhores deputados e deputadas, aliadíssimos a ele, com as fortes bancadas do boi, da bala e evangélica! Junto a ele, há uma mesa diretora eleita no mesmo esquema. Um a um respondem a processos graves de lavagem de dinheiro, entre outros. E eles continuam. Eles mandam. E mandarão até que um dia o STF acorde novamente. Cunha fez o serviço requerido, e como a laranja ficando só o bagaço, está jogado ao lixo da história. Mas o esquema ainda está lá...

A MÁQUINA CORRUPTORA - O fato histórico é esse: os políticos brasileiros derrubaram uma presidente honesta utilizando um político desonesto para acionar a engrenagem maquiavélica que só a política tem, aliada ao poder econômico e midiático. Podem berrar à vontade citar juristas, pedaladas, caminhadas, qualquer coisa, mas o fato é este. Dilma Rousseff não cometeu crime algum, e será afastada com um golpe branco. Grande parte da população brasileira, embromada diariamente pelos grandes jornais televisivos, jornalões e bocas alugadas em rádios país afora, apoia isso. É um erro e reconhecerá isso tarde demais.

De qualquer forma, o povo vai saber já o que é que ajudou a recriar: o governo ultraliberal, o mesmo que vendeu o Brasil quase inteiro nos governos FHC, e que volta agora com os mesmos personagens. Michel Temer, Romero Jucá, Moreira Franco, entre outros, já estiveram nos governos anteriores. Conhecem e azeitaram a máquina corruptora que se apropria do Estado há décadas. Posam agora de salvadores da nação, mas não são. Investimentos sociais, em educação pública e formação profissional em larga escala? Esqueçam neste governo que pretende assumir logo ali na frente. Com eles é tudo com o deus mercado.

Outra verdade histórica: o brasileiro não acompanha a política, tampouco seus políticos eleitos, a não ser, e ainda precariamente, os poucos comissionados, nomeados, apadrinhados. O povo somente se ergue em casos esporádicos, quando dói o bolso, ou a mídia joga alguns aos leões. Mas logo volta aos sofás, ao futebol, e a dizer – não gosto de politica. 


Agora, neste exato momento em que soltam foguetes e já divulgam em redes sociais “viu, o Cunha também caiu?”, acreditam piamente que acabaram com a corrupção, e que o mundo será cor de rosa. Sugiro que continuem acompanhando de perto, porque a corrupção não acaba com um golpe na democracia. Acaba com a sua participação efetiva, inclusive na escolha de bons representantes populares sem ligações com grandes grupos econômicos, religiosos, ou de classes.

E Cunha, tchau prá você, já vais tarde! Tomara que mais dos cunhistas embarquem logo na canoa do STF. Que esta teia da corrupção continue a ser desvendada, e que o Brasil se reinvente. E seu povo também, participando ativamente da vida politica em todos os sentidos, não somente em eleições e em partidos. Política é mais que isso.


É assim, nas teias do poder...


quinta-feira, 5 de maio de 2016

O empresário, o trabalhador e o Bolsa Família




POR CLÓVIS GRUNER

Não fazia ideia de quem era Danilo Conti há até poucos dias. Seu nome entrou no meu radar por conta de um comentário publicado em sua página no Facebook no dia 01 de maio. Nele, Conti parabenizava a todos que, como ele, sobrevivem sem o Bolsa Família. “Hoje o dia é nosso!”, congratulava-se com aqueles que considera seus iguais: os que trabalham e labutam – não há outra interpretação possível – ao invés de viverem das esmolas atiradas aos parasitas sociais pelo governo por meio de programas como o Bolsa Família.

Conti, descobri depois, é um jovem empresário joinvilense que, até 2015, presidia o Núcleo de Jovens Empresários da Acij, de onde saiu para assumir a Secretaria de Integração e Desenvolvimento Econômico, nomeação devidamente chancelada pela entidade, segundo a coluna “Livre Mercado” de A Notícia. Se não chega a ser uma novidade – afinal, Udo Döhler também foi eleito com a chancela da Acij, entidade cujos interesses e expectativas estão acima dos da cidade há várias gestões –, surpreende o quanto, apesar de pertencer a uma nova geração de empreendedores, Danilo Conti parece não se diferenciar substancialmente de seus predecessores.

No site de sua agência, a iZi, em  meio ao trivial (cases de sucesso, relação de clientes atendidos, etc...) um pequeno amontoado de textos, abrigados sob o lamentável título “Filosofada”, revelam um publicitário e empresário que acredita no poder da autoajuda e na capacidade criativa e transformadora das garagens, entre outras coisas. Mas ser crédulo e careta, no fim das contas, não deixa de ser em parte uma escolha, e Conti está longe de ser o único a confundir literatura de autoajuda com filosofia – ou “filosofada”, segundo ele. Mas enfim...

O problema é quando esse publicitário e empresário se torna uma pessoa pública (no duplo sentido: porque ocupa um cargo público e porque desempenha uma função política e, logo, pública), e nesta condição decide reproduzir mentiras baseado tão somente em sua ignorância e seu preconceito. Especialmente sobre um tema sobre o qual há muita informação séria disponível, oficial ou não, a apenas um clique de distância. Nesse sentido, as duas linhas de Conti no Facebook valem por um textão, na linguagem das redes. E merecem um textão como resposta.

O primeiro e o menor dos equívocos de Conti é confundir o BF com seguro desemprego. Qualquer um hoje, mesmo o mais ignorante, sabe que isso é mentira, e só a desonestidade e a má fé do secretário explicam a “confusão”. Mas, como falei, esse é dos equívocos, o menor. Desde que foi criado, em 2003, o BF foi responsável pela diminuição no número de brasileiros vivendo em situação de pobreza extrema, que caiu de 12 para aproximadamente 4,5% na primeira década do programa. Diminuíram igualmente as taxas de analfabetismo e mortalidade infantil. O resultado é altamente positivo se levarmos em conta o volume total de investimentos públicos, algo em torno de 0,5% do PIB nacional, para atender cerca de 14 milhões de famílias. Mesmo as recentes irregularidades encontradas em auditoria do TCU, que identificou cerca de 160 mil famílias cadastradas com indícios de erro ou fraude, não invalidam nem comprometem a pertinência do programa.

Acesso à renda e exercício da cidadania – Primeiro, porque é mais fácil corrigir as distorções encontradas do que, por exemplo, cassar o mandato de Eduardo Cunha, réu no STF e até esta manhã, presidente da Câmara. Além disso, o prejuízo aos cofres públicos, R$ 195 milhões, se significativo, ainda assim é muitíssimo menor do que, por exemplo, o R$ 1 trilhão em dívidas de empresas públicas e privadas perdoadas pelo Estado; os quase R$ 600 milhões pagos em juros aos bancos só em 2015; ou os R$ 19 bilhões sonegados por grandes corporações empresariais, como a Rede Globo e a RBS, investigados pela convenientemente esquecida “Operação Zelotes”.

Mas os aspectos positivos não são apenas estatísticos. O desenho do programa, ao substituir as tradicionais “cestas básicas” por um complemento de renda depositado diretamente na conta bancária dos beneficiados, desenvolveu um senso de autonomia praticamente inexistente em famílias e comunidades que viviam em situação de carência extrema. A associação entre dinheiro e liberdade de escolha propiciou aquilo que o economista Amartya Sen chama de “capability”, grosso modo, a oportunidae de se desenvolver novas capacidades em condições socialmente favoráveis. De acordo com Sen, indivíduos são mais livres à medida que tem à sua disposição mais e melhores opções de escolhas, mas também possibilidades concretas de exercê-las.

Um bom desempenho escolar, por exemplo, depende certamente de um conjunto de habilidades e esforços individuais, mas é preciso igualmente condições objetivas para tanto, entre elas uma boa nutrição, escolas com infraestrutura e professores capacitados e bem pagos. A conclusão é obvia: se a liberdade de escolha é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática, o acesso à renda é uma das condições imprescindíveis a um exercício mais pleno da cidadania. Além disso, para Amartya Sen, há uma relação direta entre dinheiro e desenvolvimento e liberdade individuais: além do empoderamento, o acesso à renda contribui para novas atitudes mentais, produzindo sujeitos menos dependentes e mais responsáveis.

No primeiro turno das últimas eleições presidenciais, os três candidatos com chances efetivas de vitória se comprometeram a não apenas manter o BF, mas a ampliá-lo. Mesmo Aécio Neves, de todos certamente o mais elitista dos presidenciáveis – as outras eram Dilma Rousseff e Marina Silva – tratou de desmentir os boatos que tentaram apresentá-lo e sua candidatura como inimigos do benefício, a colocar em risco sua continuidade. A seu favor, o senador mineiro reivindicava projeto de sua autoria que visava, justamente, transformar o Bolsa Família em programa de Estado, e não de governo, teoricamente fortalecendo-o e assegurando sua continuidade independente do partido ou mandatário de plantão.

Essas informações estão, todas, disponíveis e acessíveis. Porque, a consulta-las, o secretário de Integração e Desenvolvimento Econômico preferiu repetir preconceitos, apequenando-se e também ao município do qual é um dos administradores – e onde, aliás, cerca de sete mil famílias são beneficiárias do Bolsa Família – só se explica pelo preconceito, a ignorância (nesse caso, voluntária) e a má fé pura e simples. Tivesse uma boa assessoria, e Danilo Conti seria orientado a, publicamente, pedir desculpas pelo comentário. Na verdade, se tivesse uma boa assessoria, Conti talvez nem o fizesse. Uma pena. Porque a mim, pessoalmente, não deixa de ser interessante saber o que vai pela cabeça de quem administra a cidade e é em parte responsável pela qualidade de vida dos cidadãos que nela vivem.