quinta-feira, 3 de março de 2016

É ano de eleição...



POR VANDERSON SOARES

Neste ano teremos as eleições municipais. Prefeito e Vereadores serão eleitos ou reeleitos e a roda gira mais uma vez. 

Candidatar-se a um cargo público é tarefa ingrata, por diversos motivos, mas deveria ser uma oportunidade para todos os cidadãos. Ingrata porque a corrida já começa em pé de desigualdade, pois os 19 que lá estão hoje não precisam renunciar a seus cargos para se candidatarem novamente. Já começa que eles tem 7 assessores pagos pelo nosso dinheiro, carro da Câmara e o próprio salário. 

Vejo a Câmara de Vereadores de Joinville como um grande circo nos dias de plenário e uma grande roda de barganha nos dias de comissão. Sem fazer juízo de valor sobre ninguém, você consegue se lembrar de uma lei proposta pelos atuais vereadores que tenha sido útil à Joinville? Não vale contar aquelas leis “Dia Municipal disso ou daquilo” e nem aquelas enviadas pelo Executivo. 

Sabe por que não existem leis arrojadas e úteis à Joinville? É simples. Das duas uma, ou não se tem capacidade ou não se tem interesse de fazê-las. O projeto de poder que move os vereadores é assustador. 

Trabalhei durante alguns meses na Câmara e antes de iniciar os trabalhos lá comentei com um amigo e ele me disse: “Prepare-se, pois as Câmaras Municipais são os locais públicos onde a mesquinharia ganha proporções astronômicas”. 
Não sei das experiências que ele teve para fazer tal afirmação, mas é fato que a gente se assusta. 


Você lembra pra quem votou em vereador 4 anos atrás? Por que votou nele? As expectativas e propostas de campanha foram trabalhadas no mandato? Lembre-se: Não elegemos vereadores pra ficarem passeando com diárias e pensando na reeleição.

terça-feira, 1 de março de 2016

A culpa do outro (ou a terceirização do fracasso)

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Anderson Silva perde uma luta lá nas terras de Sua Majestade e desata a espinafrar: “é como no Brasil, corrupção total”. Lobão tem um show cancelado por falta de público - os ingressos custavam apenas 30 reais -  e diz que a culpa é do PT. Estes são apenas dois fatos mais recentes que comprovam uma certa marca no inconsciente coletivo brasileiro: a culpa é sempre dos outros.

Mas vamos ficar num plano específico: há um movimento de terceirização do fracasso no Brasil. Muitos não aceitam a perda de qualidades e procuram atribuir as responsabilidades a um inimigo externo. Neste caso, uma entidade ectoplásmica chamada que chamam “esquerda”, formada por gente que é definida por bolivarianos, petralhas, comunistas etc. Os culpados de tudo.

O grupo é grande e podemos juntar nomes como Fábio Jr., Roger, Alexandre Frota ou Marcelo Madureira, entre tantos outros. Em resumo, são pessoas que já tiveram alguma projeção midiática, mas hoje são arremedos delas próprias. E nem é preciso ser psicanalista para perceber o mal que o ostracismo pode provocar em pessoas com problemas de ego.

Um cantor que constrói a carreira no papel de galã envelhece, engorda e perde admiradoras. Um músico de segunda linha que, pelos limite do talento, nunca consegue sair desse patamar. Um “ator” que não sabe gerir a carreira e acaba em filmes pornô ou numa pose ridícula num vestido de noiva. Um humorista que perde a piada e que não consegue mais fazer rir (neste caso, só provoca pena).

Onde essa gente se encontra? No ódio. Em ir contra “tudo isso que está aí” (seja lá o que for). Pode até ser uma decisão ideológica, mas todos sabemos que também é uma opção de mercado: o Brasil é um país de muitos consumidores ainda dispostos a consumir esse tipo de produto que vem embrulhado num discurso reacionário.

A lógica é simples. Eu não gosto da música de Lobão, mas se ele fala mal do PT, então é meu "ídolo". Desde que eu não tenha que pagar 30 mangos para ir ver um show dele, claro. E sei que Anderson Silva foi condenado por doping é não tem tem exatamente autoridade moral para falar no assunto. Mas se ele critica o governo atual, então já estou com ele. E assim caminha a humanidade.

Enfim, a terceirização do fracasso pode ser resultado de mentes estreitas ou uma simples estratégia de marketing para ganhar sobrevida no mercado. O problema é que muitas vezes a estratégia não funciona. E aí, como dizia Raul Seixas, “é sempre mais fácil achar que a culpa do outro”…

É a dança da chuva.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Eleição é confusão: a campanha chega à alcova


POR JORDI CASTAN



Como vai ser o comportamento do eleitor nas próximas eleições municipais? Como as famílias vão votar? As opiniões vão se dividir? Hoje proponho um exercício de imaginação e recorro a três casais fictícios (mas que certamente existem na realidade do nosso cotidiano): Hans e Norma, Mário e Marina e, finalmente, Laila e Karina. 

HANS E NORMA - Quem poderia imaginar que depois de 15 anos felizmente casados, a relação poderia estar ameaçada pela politica? O caso de Hans e Norma Schmidt não é um caso isolado. Soma-se ao de muitos outros casais que depois de anos de relação descobrem que convivem com um estranho. O caso do casal Schmidt é emblemático. Na eleição passada ambos votaram em Udo Dohler, convencidos pelo discurso em prol da saúde, a imagem de gestor bem sucedido e a sua ascendência germânica.

Os dois chegaram inclusive a fazer campanha. Hans colocou um adesivo com o número 15 no carro, Norma levou o tema ao seu krentze. Hoje o nome do Udo é motivo de discórdia entre o casal. Se o prefeito aparece na televisão, Hans lança uma série de impropérios. Se o carro da família cai num buraco os palavrões logo aparecem.

Norma está decepcionada e acha que foi iludida. Não fará campanha de novo, prefere calar, em parte por vergonha, em parte por falta de argumentos para defender a gestão do seu candidato. Acredita que os outros candidatos não são melhores e que Hans está exagerando nas críticas. A decepção é tão grande que o casal elaborou um decálogo para que o seu matrimônio passe sem crises pela próxima campanha. A política está proibida no quarto do casal. O nome Udo Dohler está vetado no domicilio (são aceitáveis o apelidos “Alencar” ou “onkel”).

MÁRIO E MARINA - O casal Mário e Marina da Silva vive uma situação semelhante. Enquanto ele é tucano e votou no PSDB na última eleição, Marina votou em Udo. Agora a mulher acredita que Darci possa ser a melhor solução para Joinville. Só a citação do nome do deputado estadual faz Mário ter crises de taquicardia e subidas de pressão. 


Mário não consegue acreditar que, depois de 24 anos de feliz casamento, descubra que sua mulher possa votar no Darci.  Se sente casado com uma estranha. E sempre lembra que aceitou o voto dela em Udo na eleição passada. Aliás, no quadro do segundo turno, ele próprio acreditou que era a melhor alternativa e até usou a expressão “mal menor”. Hoje acha que esta expressão hoje teria uma carga irônica perversa.

Mário da Silva tem tentado, sem êxito, demover a Marina da intenção de votar em Darci e busca com afinco argumentos para convencê-la a votar de novo em Udo. Algo que ela se resiste a fazer. Alega que é de néscios permanecer no erro. A preocupação do casal é que, na medida em que se aproximem as eleições, o clima seja mais tenso na relação. Mais tensão é menos sexo, pensam.

LAILA E KARINA - Uma situação curiosa é a do casal Laila e Karina. Na eleição passada votaram no candidato do PSOL no primeiro turno. No segundo, preocupadas pelo discurso teocrático, decidiram votar no candidato do PMDB, acreditando nas promessas de campanha e no discurso da sua capacidade administrativa. Hoje não sabem em quem votar.

No primeiro turno o voto será, de novo, no PSOL, um voto ideológico e de afirmação, mesmo sabendo que o seu candidato não estará no segundo turno. A preocupação é o voto do segundo turno. Sabem que nenhum dos pré-candidatos tem propostas concretas para valorizar a diversidade. Karina até ensaiou defender o voto no atual prefeito, a sua iniciativa não durou meia hora, o tempo que precisou a Laila para relacionar a lista de promessas não cumpridas pelo gestor municipal. Ela tinha fôlego e argumentos para muito mais tempo, mas não precisou. A tacada final foi quando ficou sabendo que nenhuma associação que defende a diversidade recebeu alguma parcela do salário do prefeito.

Enfim, a atual gestão está perdendo os votos dos eleitores que votaram na eleição passada, não está ganhando votos novos e ainda lança dúvidas nas relações de muitas famílias joinvilenses. A política chegou à alcova e o resultado não é nada bom.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Branco, não queira sofrer com o racismo


POR FELIPE CARDOSO

De tão debatido, atualmente, alguns pontos das lutas contra as opressões têm sido deturpadas. Na questão racial, um dos assuntos que continua predominando, como forma de autodefesa da população branca, que se nega a falar seriamente sobre racismo, é o tal do “racismo reverso”.

Já falei aqui a minha opinião sobre o tema, mas parece que quanto mais se debate, menos nos fazemos entender. Por ser analisado superficialmente por algumas pessoas, o racismo até parece soar como algo positivo, simples e normal. E não é.

O racismo tortura, encarcera e mata física e psicologicamente. A invisibilidade, o escárnio, a omissão e o esquecimento criam sentimentos horríveis que podem levar uma vida inteira para ser tratado e curado. Sentimentos como a incapacidade e inferioridade geram traumas, depressão, falta de perspectiva e mais um monte de malefícios que já foram estudados e divulgados.

O Brasil, sendo a última nação da América a abolir oficialmente a escravidão, demonstra um cenário onde a população negra, mesmo representando a maioria da população, vive situações históricas de miséria e violência. Deixando evidente que as questões sociais estão interligadas a questões raciais, em que a sua cor também acaba por definir a sua classe.

O racismo institucional e estrutural mostra toda a sua perversidade nos gráficos e nas pesquisas sobre a população brasileira. Os negros e negras estão entre as maiores taxas de desnutrição, analfabetismo, sistema prisional, internações psiquiátricas manicomiais, unidades socioeducativas e nos homicídios. Ao mesmo tempo, negros e negras são minorias nos grandes cargos de empresas, nas universidades, na política, nas novelas, na publicidade.

Assunto debatido sempre aqui. Inclusive com dados e referências. Mas quem se importa?

Quem se importa que a saúde da população negra é negligenciada? Quem se importa com o fato de uma mulher negra grávida ter que esperar mais tempo para ter o filho (em muitos casos sem anestesia) do que uma mulher branca, por conta do estereótipo da força física negra?

Quem se importa que negros e negras recebam menores salários? Que a violência atinja, com maior intensidade os jovens, as mulheres e LGBTs negros?

Quem gostaria de ter a sua voz silenciada, ser sempre acusado de vitimista, preguiçoso, cotista? Quem gostaria de ter sua crença demonizada? Quem gostaria de ter seus traços, corpo e cabelo ridicularizados?

Por que alguém em sã consciência gostaria de passar por tudo isso? Você realmente acha que isso aqui relatado é legal?

O Brasil não vai conseguir resolver os seus problemas sem antes resolver os problemas raciais. Negar isso, sendo de esquerda ou de direita, é apenas tentar esconder a sujeira debaixo do tapete.

A questão aqui não é uma disputa de quem sofre mais. A questão principal é acabar com o sofrimento.

A nossa luta não se enquadra contra pessoas, mas sim contra uma ideologia. A nossa luta não é contra brancos, a nossa luta é antirracista e anticolonialista, contra todo o processo de dominação, abuso, silenciamento e violência.

Se você quer fazer algo de útil para o mundo, contribua com a luta para acabar com o racismo e não tentando sofrer com algo tão perverso e prejudicial.

Na moral, branco, não queira sofrer de racismo. Isso não é nem um pouco legal.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Socorro!


Sobre as fantasias carnavalescas e a realidade que nos cerca

POR PATRICIA STAHL GAGLIOTI 

O Carnaval não é recente, nem sequer é festa surgida em terras brasileiras, tampouco é nossa contemporânea de nascimento. Algumas histórias dizem que a festa começou lá por volta de 500 a.C., na Grécia, como homenagem a Dionísio (deus da cultura grega, característico por ser brincalhão, debochado e irreverente).

A única intenção da festa era se divertir, comemorar a chegada da primavera e do tempo de fertilidade da terra, naquela sociedade agrária. Já era característico, naquela época, a teatralização do evento. Mulheres e homens se pintavam e usavam roupas que não eram as mesmas de seus cotidianos.

Em uma espécie de fuga dos papeis sociais que desempenhavam, homens pobres, por exemplo, se caracterizavam como reis e mulheres posavam como damas. Era um momento em que aproveitavam para fazer críticas à classe dominante, ao poder, valendo-se dos rostos encobertos e das fantasias.

Das mudanças que a festividade já sofreu, dependendo do local e época em que é realizada, a fantasia foi característica que não se perdeu. Pode ser na rua, em salões, em festas privativas, seja apenas com máscaras, pequenos adereços, fantasias completas, luxuosas ou simples, transformar-se é típico do Carnaval.

Mas, com que tipo de fantasia você foi? Quem você quis ser neste carnaval que passou? O homem que se transformou na mulher de seios fartos e bunda grande, num vestido justo; a “mulata” com cabelo black power; o desdentado; a faxineira nordestina que conjuga errado seus verbos; o homossexual performático?

A máxima de “vale tudo” é ideia que deve permanecer na música de Tim Maia, porque definitivamente não, não vale tudo. Tudo pode parecer inocente e sem intenções pejorativas quando visto como parte desse momento de festividade, em que as pessoas estão “brincando” o Carnaval. No entanto, a festa não está deslocada da realidade em que vivemos, um cenário repleto de machismo, racismo e LGBTfobia, que permanece e se reforça nas “brincadeiras” destes dias de festa.

O Carnaval traz consigo a noção de liberdade, de transformação, de ridicularização de si mesmo, em que todos os outros dias do ano não lhe permitem ser. A ideia é ser caricato e rir das fantasias e diferentes formas de representação adotadas. Então, o que se conclui é que se travestir é ridículo (não que ser uma travesti se restrinja a vestir uma vestimenta feminina, muito longe disso, mas homens vestirem-se como mulheres é a expressão debochada dessa identidade). Ter a pele preta e o cabelo avolumado é ridículo. Não ter dentes na boca é ridículo. Ser gay, igualmente ridículo.

Durante esse momentos, caro folião(ã), você não está se propondo apenas ser diferente, você está sugerindo que aquilo que veste é estranho, é anormal, é ridículo. Porque afinal, essa é a ideia de se fantasiar no Carnaval.

O problema é que a permissividade que é dada a você para ser a mulher negra, o desdentado, a nordestina, a travesti na semana de folia não se traduz em brincadeira nos outros dias do ano a quem realmente é.

A mulher que você brinca de ser no Carnaval vive numa realidade nada promissora a ela. Apenas nos dez primeiros meses de 2015, o 180 recebeu 63.090 relatos de violência, dos quais 49,82% correspondiam à violência física; 30,40% à violência psicológica; 7,33% à violência moral; 4,87% à cárcere privado; 4,86% à violência sexual; 2,19% à violência patrimonial e 0,53% a tráfico de pessoas. Os dados são do relatório de 10 anos da Central de Atendimento à Mulher (180) e correspondem apenas às denúncias feitas. Imagine você quantos inúmeros outros casos não acontecem à escura, folião.

Sabe a “mulata” black power divertida? A situação para ela é muito pior que para a mulher branca. Dos 63.090 relatos de violência, 58,55% foram cometidos contra mulheres negras. Segundo o Mapa da Violência Contra a Mulher, divulgado no ano passado, tendo como base dados de 2013, revelam que o homicídio de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576 em 2013. Uma diminuição de 9,8%. O homicídio de mulheres negras, por sua vez, passou de 1.864 para 2.875, no mesmo período. 54,2% de aumento, folião. Não parece engraçado ser negra no Brasil, não é mesmo?

Além dessas estatísticas, outros números se somam à triste realidade, nada festiva, do país. O Brasil é o pais que mais mata travestis e transexuais no mundo. Segundo pesquisa da ONG Transgender Europe (TGEU), uma rede europeia de organizações que apoiam direitos da população transgênero, de janeiro de 2008 a março de 2014, foram registradas 604 mortes de transgêneros no país.

Dados do relatório sobre violência homofóbica no Brasil, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos, em 2012, apontou 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) pelo Disque 100. O que isso significa? Por dia, eram denunciadas 27,34 violações de caráter homofóbico.
Há quem ache que o mundo está “politicamente correto” demais, exagerado demais. Há quem ache que tudo virou preconceito e que não se pode nem mais rir da “bichosa” de sunga dourada desfilando pela avenida. Não virou preconceito, sempre foi. Há muitos que pensam que mulheres, gays, transexuais se vitimizam. Eles não se vitimizam, são vítimas.

Ser vítima não é apenas sofrer agressão física ou ser morto(a). Ser vítima é ser olhado(a) como o ser estranho, anormal, inferior dentro do conjunto de pessoas do qual você faz parte. É ser questionado(a) pelo seu modo de ser, como outros não são. É ter que policiar a fala, a maneira como anda, a roupa que veste, os gestos públicos (principalmente os de afeto) para que não seja insultado(a).

De acordo com o relatório sobre violência homofóbica, mencionado acima, as violências psicológicas foram as mais reportadas, representando 83,2% do total de denúncias em 2012, seguidas de discriminação (74,01%) e violências físicas (32,68%).

CARNAVAL DE JOINVILLE - Deixemos os números um pouco de lado e falemos de experiências. Neste ano, mais uma vez desfilei no carnaval de Joinville. Atrás da ala das baianas, na qual estava, desfilava um dos destaques da escola. Um jovem de pouco mais de 20 anos, vestido numa sunga dourada e com um adereço nas costas. No percurso pela rua até o ponto de concentração e durante o tempo em que esperávamos para entrarmos oficialmente na avenida, pude ouvir algumas “brincadeirinhas” (era carnaval, afinal) com relação ao moço.

A questão é que não são brincadeirinhas, são constrangimentos, ofensas, são violações. Há quem adore as “bichas”, pois são divertidíssimas, ótimas para se dar risada, durante o carnaval apenas, é claro.

Neste carnaval, um amigo meu foi para a rua vestido de mulher, segundo ele por pressão das pessoas que o acompanhavam, pois em sua concepção considerava a “brincadeira” desrespeitosa, machista, transfóbica, como de fato é. A questão é que ele foi. E se arrependeu. Menos mal.

Segundo seu próprio relato, estar vestido como uma mulher, apenas por algumas horas de festa, parece ter dado direito aos outros de lhe passarem a mão na bunda, de lhe encoxarem, de buzinarem para ele. “Ah! Mas isso era para zoar, para entrar no clima da festa”. Não, não é não. Quem vos escreve é uma mulher. E mulher passa por isso sempre, até quando o clima é de velório. Pessoas trans passam por isso sempre.

Há dois anos, passava o carnaval em São Francisco do Sul, com uma amiga. Estávamos sozinhas, à noite, sentadas num banco em frente ao mar, um pouco antes do local em que havia a grande concentração de pessoas com os sons dos carros ligados, dançando. Um carro parou atrás de nós, desceram alguns sujeitos com suas bebidas, dando risada, até que um falou para o outro: “Olha só, cara, tem mulher ali!”. Tem mulher ali é o mesmo que dizer: Há um banheiro ali. Há uma boneca inflável ali. Há um depósito dos meus desejos sexuais ali. Foi como me senti.

Outro dia, em turma, outro carro passou e uma cabeça colocada para fora do carro questionou bradando: “Vocês transam?”. Não me lembro se fiz algum tipo de gesto, mas minha vontade foi de gritar: “Não com animais”. Isso era carnaval. Mas teve aquele dia que ia trabalhar e fui encarada, aquele outro em que o carro buzinou, a outra ocasião em berraram sobre meu corpo, a outra, a outra e a outra.

O feminino parece ser sinônimo de ser público, um corpo público. A carne à mostra ou o corpo transformado (todo o corpo é, mas me refiro especialmente ao corpo transexual) parece serem pratos do jantar. Querem ainda me fazer pensar que é normal? Querem me fazer crer que é brincadeira certas fantasias de carnaval ou alguma espécie de elogio tirar foto da bunda de uma mulher e dizer que esse era o motivo de as pessoas terem demorado para sair de um espaço de lazer na cidade?

Ora, ora, caro folião, o carnaval é festa, mas a vida é séria demais para seus modos e suas fantasias trouxas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O escândalo FHC? Não vem ao caso...
















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As declarações da jornalista Mirian Dutra, que teve um romance com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foram o tema quente da semana passada. Mas apesar de aparecer aqui e acolá, o assunto esteve longe de ser manchete na velha mídia. A Globo, que estava diretamente implicada, não podia silenciar e abordou os fatos, claro. Mas sem fazer barulho. O tema passou batido para a maioria das pessoas que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.

Foi diferente nas plataformas digitais, onde o caso Miriam Dutra-FHC ainda está na ordem do dia. Mais do que isso, o episódio levou à divulgação de fatos que estão a pôr FHC numa saia justa. A credibilidade do ex-presidente está  abalada, apesar de não haver grandes revelações: a maioria das denúncias é antiga, mas sem consequências. Será que desta vez vai haver resultados diferentes? É provável que não. Os tucanos estão blindadíssimos pela mídia e pela Justiça, mesmo com todas as evidências.

Não é da vida amorosa do ex-presidente que se pretende falar. As entrevistas de Mirian Dutra trazem uma declaração que exige muita atenção, porque revela a face do jornalismo na velha mídia. “Só olhar para o que aconteceu no segundo governo: as privatizações mais selvagens. Não podia dar errado, a Mirian não podia atrapalhar os grandes negócios. Está na hora de quebrar a blindagem desse pessoal. Mas onde estão os jornalistas, que não investigam?”, disse Mirian Dutra.

Onde estão os jornalistas? Ora, no que se relaciona ao núcleo duro da velha imprensa (os títulos que orientam o brasileiro médio) estão todos ocupados na caça ao ex-presidente Lula, que virou alvo depois da tentativa fracassada (agora reacesa) do impeachment de Dilma Rousseff. Em outro caminho, sobra a mídia alternativa, em especial o pessoal dos blogs nacionais, que, apesar das limitações financeiras, tenta fazer o contraditório. Mas as armas são desiguais. A velha imprensa ainda tem um poder econômico que a mídia alternativa sequer sonha ter.


Silêncios, omissões ou informações contaminadas são o resultado da postura de uma mídia que optou por fazer oposição partidária. E as recentes revelações sobre FHC expõem a relação incestuosa entre o tucanato e a mídia. O tema não vem ao caso. E a guerra midiática é desigual e a mídia tradicional está a vencer. Até quando? Não há certezas. Mas pelo menos uma previsão pode ser feita: o jogo vai virar. Porque apesar de haver muita gente a empurrar o Brasil para trás, a tendência é o digital.

E surgiu um fenômeno curioso. Foi divulgado, na semana passada, que o Partido dos Trabalhadores é o que mais atrai militantes jovens. E dá de goleada na oposição. Uma evidência salta à vista. Os jovens não se educam pela velha mídia e a informação vem pelas redes digitais, onde existe o contraditório. É natural, então, que percebam o massacre midiático dos últimos anos e, talvez por um desejo de equidade, optem por se ligar ao partido que é alvo desse ataque.

É a dança da chuva.




 A opinião de Bob Fernandes, numa visão similar à do texto, mas a falar da Justiça.