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terça-feira, 1 de março de 2016

A culpa do outro (ou a terceirização do fracasso)

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Anderson Silva perde uma luta lá nas terras de Sua Majestade e desata a espinafrar: “é como no Brasil, corrupção total”. Lobão tem um show cancelado por falta de público - os ingressos custavam apenas 30 reais -  e diz que a culpa é do PT. Estes são apenas dois fatos mais recentes que comprovam uma certa marca no inconsciente coletivo brasileiro: a culpa é sempre dos outros.

Mas vamos ficar num plano específico: há um movimento de terceirização do fracasso no Brasil. Muitos não aceitam a perda de qualidades e procuram atribuir as responsabilidades a um inimigo externo. Neste caso, uma entidade ectoplásmica chamada que chamam “esquerda”, formada por gente que é definida por bolivarianos, petralhas, comunistas etc. Os culpados de tudo.

O grupo é grande e podemos juntar nomes como Fábio Jr., Roger, Alexandre Frota ou Marcelo Madureira, entre tantos outros. Em resumo, são pessoas que já tiveram alguma projeção midiática, mas hoje são arremedos delas próprias. E nem é preciso ser psicanalista para perceber o mal que o ostracismo pode provocar em pessoas com problemas de ego.

Um cantor que constrói a carreira no papel de galã envelhece, engorda e perde admiradoras. Um músico de segunda linha que, pelos limite do talento, nunca consegue sair desse patamar. Um “ator” que não sabe gerir a carreira e acaba em filmes pornô ou numa pose ridícula num vestido de noiva. Um humorista que perde a piada e que não consegue mais fazer rir (neste caso, só provoca pena).

Onde essa gente se encontra? No ódio. Em ir contra “tudo isso que está aí” (seja lá o que for). Pode até ser uma decisão ideológica, mas todos sabemos que também é uma opção de mercado: o Brasil é um país de muitos consumidores ainda dispostos a consumir esse tipo de produto que vem embrulhado num discurso reacionário.

A lógica é simples. Eu não gosto da música de Lobão, mas se ele fala mal do PT, então é meu "ídolo". Desde que eu não tenha que pagar 30 mangos para ir ver um show dele, claro. E sei que Anderson Silva foi condenado por doping é não tem tem exatamente autoridade moral para falar no assunto. Mas se ele critica o governo atual, então já estou com ele. E assim caminha a humanidade.

Enfim, a terceirização do fracasso pode ser resultado de mentes estreitas ou uma simples estratégia de marketing para ganhar sobrevida no mercado. O problema é que muitas vezes a estratégia não funciona. E aí, como dizia Raul Seixas, “é sempre mais fácil achar que a culpa do outro”…

É a dança da chuva.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A história do trabalho e a terceirização



POR VANDERSON SOARES

É engraçada essa coisa de trabalho. Já parou pra pensar em como chegamos nesse modelo de trabalho? O mundo ocidental foi moldado à imagem do mundo greco-romano.  E sua exuberância, com grandes monumentos e obras faraônicas forjadas pelo trabalho escravo. 

Nos idos de II a.C até o século V, a herança greco-romana sobre o trabalho era relacionada à escravidão, considerando o trabalho como algo menor, indecente ou de gente que está sendo punida.

Nosso mundo passa desta fase e chega, pomposo, à Idade Medieval em que a relação se modifica um pouco. Não é mais escravo, mas servo. A relação ainda é de dependência, onde o servo trabalha um pouco para si e o restante para o seu senhor. Mas se o sistema escravocrata estava tão bem, por que mudar? Sentiu-se a necessidade de vender e comercializar a mais pessoas, neste caso, para os escravos, que agora eram “livres”. Esse retrato europeu do trabalho foi importado e a relação de exploração do outro moldou a forma de trabalho ocidental. No Brasil e EUA, por exemplo, o sistema de trabalho foi todo edificado sob essa ótica.

Karl Marx fazia uma relação interessante sobre isso, explicando questões como preço e valor e a famosa “mais-valia” que seria a diferença entre o valor pago ao trabalhador para produzir determinado bem e o real custo para produzi-lo.

Para incrementar a história, faltava a religião entrar no jogo e dar sua contribuição relacionando o trabalho com castigo. E foi isso que se sucedeu. O judaísmo contribuiu doutrinando que o trabalho era um castigo devido à desobediência de Adão e Eva, ainda quando estavam dentro dos “portões” do Éden.  Aqui parafraseio o livro de Gênese quando Deus diz “Tirarás dela (da terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida...Comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (Gen, 3, 17-19).

Essa ideia de trabalho ser castigo se passou para o ocidente e permeia muitos até hoje, quando a igreja católica, herdando as concepções semitas, relaciona pobreza à salvação, riqueza à condenação e trabalho a algo penoso  aludido à castigo.

Continuando a viagem, nos idos dos séculos XVI o protestantismo vai trazer uma inflexão no tema, aludindo o trabalho, que nasce junto com o capitalismo, como continuação da obra divina onde o acumular e guardar será valorizado. Ainda hoje, em condições visuais de observação, é comum observar um protestante numa posição social mais privilegiada do que um católico (observação pessoal do autor). Esta relação do protestantismo com a evolução do trabalho e do capitalismo é muito bem expressada na obra de Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, obra do século XIX, mas de uma atualidade brutal.

No Brasil, quem começou a discutir e implementar os direitos trabalhistas foi o presidente Getúlio Vargas. Hoje se comenta da legalização da terceirização, o que eu vejo como algo extremamente pernicioso para nossa sociedade. A herança escravagista e exploratória, mesmo com os direitos trabalhistas, é muito presente em muitas regiões do Brasil. Legalizando a terceirização estaremos retroagindo neste ponto. Analogamente, é mais ou menos como se estivéssemos cancelando os direitos trabalhistas, mudando os nomes e vínculos, mas não mexendo nas condições de trabalho.

É claro que causa revolta quando um trabalhador “encostado” trabalha na reforma de sua casa ou de maneira informal para fazer renda extra  ou pedindo atestados médicos por motivos inexistentes. Há de se observar também o lado das pessoas que não levam a sério suas obrigações profissionais e abusam da fragilidade do nosso sistema, mas ainda assim, concordado com o protestantismo defendo que o trabalho é a continuação da obra divina de cada um, onde a contribuição pessoal para o desenvolvimento do mundo é feita de maneira prazerosa. O que não é possível ocorrer se o trabalhador não se sentir protegido, por meio oficializado, ou seja, pela Lei.