sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A visita da velha senhora

POR CLÓVIS GRUNER

Em novembro de 1831, logo após a renúncia do imperador Pedro I, o senado brasileiro votou e aprovou lei que proibia o tráfico negreiro no Brasil. Ela determinava principalmente duas coisas: que a partir daquela data todos os negros que entrassem no país, trazidos da África para serem vendidos como escravos seriam livres. Além disso, estabelecia ainda penas severas para quem participasse do contrabando. Seu efeito foi tão ridiculamente inócuo, que em setembro de 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, que legislava sobre basicamente a mesma coisa.

No espaço de quase duas décadas entre ambas, o tráfico vicejou: há vários estudos a mostrar que o número de negros ingressos ilegalmente no Brasil nos anos posteriores à primeira legislação, aumentou sensivelmente – estima-se que algo em torno de 700 mil. Não é demais dizer o óbvio: os agentes do mercado negreiro só continuaram a operar impunemente durante anos, porque contavam com a frouxidão da lei, ou seja, com a conivência do Estado, que deliberadamente tolerou práticas que o próprio Estado apontava como ilegais e, portanto, criminosas. Não se sabe exatamente qual a extensão, mas é certo que os lucros foram amplos e gerais, embora certamente não irrestritos.

Recorro a este episódio para dizer o que também deveria ser óbvio, mas não é: diferente do que se lê naqueles depoimentos eivados de uma indignação muitíssimo seletiva, a corrupção é um mal que atravessa nossa história. E não apenas a mais recente: não faltam estudos a mostrar que o trato suspeito com a coisa pública remonta ao período colonial. Por caminhos interpretativos distintos, dois de nossos maiores historiadores, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, ofereceram sobre o tema conclusões bastante próximas. A corrupção, afirmaram, é uma das heranças de nossa colonização ibérica, fruto de uma relação patrimonialista entre Estado e sociedade ou, nos termos de Sérgio Buarque, de nossa incapacidade de separarmos as esferas e os interesses públicos e privados, tendendo a tratar os primeiros como extensão dos segundos.

UMA HERANÇA COM MUITOS HERDEIROS – Histórica, a corrupção contaminou Império e República, desde a Primeira, e não poupou os 20 anos de ditadura, apesar da pataquada sobre o tal fusquinha que um dos marechais mandou o irmão devolver. Para os corruptos, aliás, aqueles foram anos de bonança: com os meios de comunicação silenciados pela conivência ou censura, pode-se prender, torturar, matar e fazer desaparecer sem contestação. E superfaturar ou desviar verbas milionárias em obras como a ponte Rio–Niterói, que custou 11 vezes o orçamento original, e a Rodovia Transamazônica, construídas pelos empreiteiros e empreiteiras que frequentam agora as páginas policiais. Em uma das edições de 1981, a revista “Times” informava que empresas europeias deram, às autoridades brasileiras, 140 milhões de dólares em propinas e suborno para garantirem sua participação nas obras da usina de Itaipu. A confortar corruptos de todas as espécies e em todas as épocas, a certeza da impunidade.

No dia seguinte ao segundo turno, meu colega de blog, Jordi Castan, publicou um texto fazendo um balanço, entre analítico e apaixonado, da reeleição de Dilma. Sem esconder sua decepção, ele dizia em uma passagem: “Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos”. E concluía: “Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância – ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética – é muito menos estrito.”

Ele estava a ser irônico, suponho. O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor não foi “impichado” por ser corrupto (e ele era), mas porque já havia exercido o papel que lhe cabia naquele contexto, impedir a eleição de Lula, e por isso podia ser dispensado. Os milhares que pediram o impeachment, eu entre eles, deram um lastro de legitimidade social a uma movimentação política cujo roteiro seria o mesmo sem ou apesar das ruas, mas que certamente foi bem melhor ter sido escrito com elas. O mais importante, no entanto: se o nível de conivência ou tolerância com a corrupção hoje é outro, e eu acredito que sim, não é porque somos mais, mas certamente porque somos menos tolerantes e coniventes com ela.

CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA – Neste sentido, o “evento Petrobras” é emblemático. Primeiro porque, diferente do chamado Mensalão, não será possível tecer sobre ele uma narrativa monofônica já que as tentativas esbarram em evidências históricas que as contradizem: em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um Prêmio Esso por denunciar os esquemas de corrupção na empresa. Em 1997, Paulo Francis fez o mesmo no Manhattan Connection. Nada foi investigado por nenhum dos governos da época. Responsáveis pela Operação Lava Jato afirmam que o esquema só agora desbaratado funcionava há pelo menos 15 anos; e as informações criminosamente vazadas para servir a interesses eleitorais durante a campanha, começam a respingar fora do governo: entre outras coisas, à medida que as investigações avançam, surgem dados comprometedores sobre as relações algo promíscuas entre empreiteiras e políticos da oposição.

Tudo isso é lamentável? Certamente sim. Por outro lado, também é parte e resultado de nosso amadurecimento democrático, e é fundamental não perdermos isso de vista. Não, não estamos mais tolerantes com a corrupção; nem tampouco vivemos hoje um estado de coisas inédito nem pior do que há anos ou mesmo décadas atrás. Pode parecer contraditório, mas a crise que atravessamos talvez nos traga, ao final, benefícios: é possível – mas não é certo – que saíamos dela melhores, mais críticos e exigentes, menos e não mais coniventes com a corrupção. É possível – mas não é certo – que ao final da crise sejamos uma sociedade mais madura e mais democrática.

Mas a condição para que isso ocorra é, justamente, reconhecer a importância da trajetória construída ao longo das últimas três décadas, desde o fim da ditadura. Renunciar a este percurso é retroceder ao autoritarismo, este sim, conivente com a corrupção, disposto a premiar corruptos com a impunidade, quando não com vantajosas promoções hierárquicas. Mas a democracia é imperfeita e precária, retrucarão alguns. E não podia ser diferente: é da natureza das democracias que elas sejam precárias, porque esta é a condição para evitarmos sua estagnação e a fazermos avançar, para melhorá-la e aprofundá-la. Indignar-se com a corrupção e exigir um Estado e governos honestos, reivindicar uma política ética e que respeite a coisa pública: tudo isso é necessário e fundamental. Mas isso só se faz nos limites da democracia. E sempre para ampliá-los.  

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Sobre consciência

POR CAROLINA PETERS

Quando eu cursava a pré-escola em uma escola pedagogicamente progressista em Joinville - das poucas, talvez a única naquela época - montamos uma peça sobre a escravatura. A professora montou. Nós encenamos.

Tínhamos por volta dos cinco ou seis anos. Lembro que houve sorteio para os papéis mais disputados: a saber, duas crianças para simular apanhar no tronco. Em uma peça sem falas, eram o papel que permitia maior expressão. A mãe de um amigo, dona de uma farmácia de manipulação, forneceu tinta hipoalergênica para que nos tornássemos todos pretos por uma noite. Quase todos. 

Não houve concorrência para interpretar o casal de sinhôs, mas lembro da insistência dos pretendentes ao cargo. Apesar da pouca idade e discernimento, esse episódio me marcou porque foi uma pessoa muito próxima a mais insistente. Me entristeceu. 

De forma geral a turma se empolgou com a perspectiva de representar numa pele de outro. Não havia nenhuma criança negra em nossa turma, de cerca de 20 alunos. Pareceu para alguém - para as coordenadoras pedagógicas, professoras, possivelmente para os pais - uma ótima ideia. Hoje a cena me parece simplesmente absurda e as fotos em alguma medida me constrangem.

Será que ao invés da cenografia e caracterização, não seria interessante uma experiência, um contato com a história de privação de liberdade a que submetemos humanos como nós, em que fossemos nós mesmos, e não um outro, tão distante? A escravidão parece um evento distante na linha do tempo pra quem chegou à liberdade 300 anos antes. Mas pra quem viveu, foi só outro dia.

Eu concordo com o raciocínio de Chico Buarque acerca da população brasileira altamente miscigenada, mas discordo de sua conclusão. O racismo independe da genética. É construído histórica e socialmente. O segurança do shopping e a polícia sabem bem distinguir quem é branco e quem se enquadra na "cor: padrão" do procedimento policial de reconhecimento de suspeitos.

Por que cotas? Por que feriado? Por que ações afirmativas estão muito longe do racismo?

A "consciência branca" não é necessariamente um movimento fascista organizado. É a tranquilidade que alguns de nós, por termos nascido com determinado fenótipo, temos de que podemos chegar em quase qualquer lugar que quisermos. De que, apesar da reserva de vagas, nosso acesso aos melhores cursos das melhores universidades; e posteriormente aos melhores postos de trabalho, é provável. É termos sido crianças de seis anos que, apesar de representar escravos, nunca podaram seus sonhos de "quando crescer", ainda que a vida tenha sido bem diferente das aspirações.

Consciência negra, porque a vida de um jovem negro vale tanto quanto a minha. Porque uma mulher negra ganha em média 40% do que ganha um homem branco no desempenho da mesma função, segundo estudo do IBGE. Porque uma criança negra também pode sonhar ser o que quiser.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Uma nota sobre direita e esquerda

POR FELIPE SILVEIRA 

Nas timelines da vida, debatia eu sobre direita e esquerda. Um dos colegas argumentava que as definições variavam de acordo com o campo – econômico, cultural, político ou outro. Por exemplo, alguém poderia ser de esquerda nos costumes e de direita na economia.

Por outro lado, eu dizia que era necessário buscar um denominador comum, justamente porque as definições eram variáveis. Assim, torna-se preciso buscar um determinante mais fixo, para o qual eu proponho: se a pessoa é contra a exploração do homem pelo homem, ela é de esquerda. Se ela topa a exploração do homem pelo homem, ela é de direita.

Ao passo que o colega aponta: Ok, mas ninguém vai assumir que é a favor.

De fato, não assumem tão facilmente. Não de propósito. No próprio post da discussão um dos liberais presentes falou: “Não é a exploração. É troca!”

Meu argumento, então, é que não precisamos que eles assumam. Os trabalhadores e explorados de modo geral é que precisam saber. E aí entram uma série de reflexões sobre essa consciência.

Atravessados pela ideologia, nós trabalhadores temos a sensação de sermos explorados ou apenas realizamos uma justa troca da nossa força de trabalho com o patrão? Tenho a sensação de que a maioria de nós acha que a troca é justa.

Ao mesmo tempo, não vê a hora de o expediente acabar, fica contando os dias pro fim de semana, fica implorando para chegar o fim do mês para ter dinheiro para pagar as contas, implora pela chegada das férias (que acaba vendendo pra entrar um extra). Ao mesmo tempo que se entope de remédio pra ansiedade e depressão (não estou diminuindo a grave doença que é a depressão), que busca na cachaça um remédio pra angústia, que busca no consumo um pequeno prazer, aumentando as dívidas.

Os trabalhadores sentem no lombo a opressão do capital. Alguém nega? O que você tem para vender além da sua força de trabalho?

Enquanto isso o patrão segue engordando as contas, comprando jatinho, helicóptero, cocaína, ferrari, mansão, diamantes (que um monte de gente morre pra tirar da terra)...

Mas, claro, para a direita não passa de uma troca.

E você, o que acha? Troca ou exploração?
E qual é a sua definição para os conceitos de esquerda e direita?

P.S.: Não abordei a questão da exploração animal, que é importantíssima. Mas é um debate que pode ser feito.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O racismo inverso existe e precisa ser combatido

POR FELIPE CARDOSO 

Mais uma vez falando sobre racismo, mas dessa vez é um racismo que vem acontecendo com muita frequência, inclusive sou alertado sobre esse perigoso fato quase que diariamente por amigos que conhecem a minha militância. Sim meus caros, falarei sobre o RACISMO INVERSO, essa discriminação dos negros contra os brancos, esse racismo perverso que sempre existiu e que vem crescendo ultimamente, não só no nosso país, mas em todo o mundo.

Para começo de conversa, devemos esclarecer: preconceito é aquela ideia de algo ou alguém que temos (em nossa mente e em nossos corações) sem ao menos conhecer o algo ou o alguém. Discriminação é o ato de expor, colocar para fora, divulgar todo essa nossa ideia (pré-conceito), com doses absurdas de ódio e ignorância, que nos fazem elaborar discursos com fundamentos rasos, mas cheio de ofensas a algo ou a alguém. Já o racismo, bom, o racismo é algo que precisamos recorrer à história para podermos explicar, mas devo informar que, segundo os meus amigos, só existe o racismo de negros contra brancos.

Pois é, vamos voltar um pouco no tempo e ver como tudo isso começou para, assim, conseguirmos analisar com calma as consequências desse passado trágico que insiste em nos prejudicar atualmente. Espero que não se assustem com essa história de opressão vivida pelo povo caucasiano:

“Foram os povos do continente Africano que se lançaram em uma jornada imperialista em busca de novas terras e mais poder. A primeira parada foi no continente Europeu. Sim, imaginem só. Ao se depararem com uma cultura totalmente diferente, os africanos se reuniram e arrumaram um jeito de fazer com que o povo europeu acreditasse que eram uma raça inferior, que eram amaldiçoados, que não tinham alma e que precisariam trabalhar muito para se redimirem, mas mesmo 'dando duro', ainda não conseguiriam se livrar da maldição.

Depois de convencerem os europeus, os africanos roubaram suas terras, seus recursos naturais, escravizaram seu povo, separaram suas famílias, lucraram com o trabalho escravo e não lhes pagaram um vintém.

Durante séculos utilizaram suas terras, exportaram sua mão de obra para outros continentes também conquistados por líderes africanos. Forçaram os europeus a saírem de suas terras e viajarem, durante dias, dentro de um compartimento de navio sem ventilação, dividindo espaço com ratos e outros escravos mortos, que não sobreviveram à tamanha perversidade.

Estupraram as mulheres e as obrigaram a trabalhar grávidas. Mataram, escravizaram e venderam seus filhos. Imaginem só, que povo sem coração. E que tal deixá-los sem direito a saúde e educação por mais de cinco séculos? Deixar toda a população europeia desnorteada, forçando-os, futuramente, a abandonarem suas terras em busca de uma vida melhor no continente Africano, já pensou?

Pois bem, resumindo um pouco essa terrível história e trazendo para os dias de hoje, podemos perceber que a opressão continua mesmo após o fim da escravidão. A maioria dos caucasianos vive nas periferias das cidades. Frequentam escolas públicas (quando frequentam). Jovens brancos são mortos diariamente pela polícia. Pessoas brancas são vigiadas e seguidas por seguranças ao entrarem em estabelecimentos. Não vemos políticos brancos. Na televisão, nas propagandas, na moda, não há nenhuma representatividade branca, ganham destaque somente através dos esportes, mas, mesmo assim, ainda sofrem preconceito. Mas são defendidos por alguns negros que lançam campanhas do tipo #somostodosursopolar.

E se ainda não bastasse, os brancos tem que aturar os humoristas negros que usam e abusam dos estereótipos para caçoar deles. “Eles não sabem dançar”, diz Babalu Gentiki. “Eles ficam vermelhos quando estão envergonhados”, afirma, aos risos, o comediante Ko Joases.

Ah, e o padrão de beleza? Já ia me esquecendo dele. Durante anos os negros humilharam e riram dos brancos, o que fez com que eles passassem a odiar sua fisionomia, seus traços, sua cor. Na ditadura da beleza as mulheres brancas encrespam seus cabelos, alargam seus narizes e usam várias técnicas para deixar seus lábios com uma aparência mais avantajada. Já os homens usam os cabelos raspados, pois desistiram de tentar cacheá-los.

Mas existe um grupo de caucasianos que diz lutar por justiça, mas na verdade só querem garantir privilégios a esse povo que não gosta de trabalhar. Eles pedem por cotas raciais nas universidades, por mais representatividade, igualdade e respeito. Algo relacionado a Ações Afirmativas, Estatuto da Igualdade… Mas ninguém liga para eles.”

Sabemos que isso de fato aconteceu e ainda acontece, só que os personagens estão invertidos. Se isso realmente tivesse acontecido com os caucasianos, poderíamos acreditar que o RACISMO INVERSO realmente existe. Mas sinto desapontá-los e dizer que o título é uma falácia. Existe no Brasil uma tentativa de transformar o oprimido em opressor constantemente.

Para encerrar e evitar alguma confusão na interpretação do texto utilizo a citação da Fran Vasconcelos que acredito ter uma função muito importante para o entendimento do que é racismo e como ele se insere na sociedade:

“O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma ‘raça’ se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários”.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Já é Natal...

POR JORDI CASTAN


A Joinville ecumênica não se contenta com o bom velhinho e ele vem acompanhado na sua magnanimidade com o dinheiro alheio.

Papai Noel vai chegar mais cedo em Joinville carregando dentro de seu trenó generosos presentes para os devedores de impostos e multas e gaveteiros, o projeto adimplir do Prefeito Udo, um  verdadeiro deboche para aquele contribuinte que paga seus tributos em dia.

Para poder cumprir suas obrigações a Prefeitura recorreu a malarabarismos duvidosos e expedientes políticos não republicanos que flertam com eventual imoralidade qualificada, digna de apreciação pelo Ministerio Publico.

É a marca registrada da incompetência que caracteriza a atual administração, que durante a campanha se apresentava como um modelo de gestão eficiente e no final do seu segundo ano sequer tem recursos para pagar o 13 salario dos mais 10.000 servidores municipais em dia.

Assim, a  divida tributária e não tributária da Fazenda Pública em atuais 337 milhões será tungada sem maiores explicações ou divulgação dos números exatos porque Prefeito necessita com urgência de R$ 17 milhoes para vestir um santo, o do décimo terceiro salário,  nem que para isso precise descamisar outro.

Mas o prefeito Udo Dohler conta com o apoio incondicional da maioria dos vereadores e não teve maiores dificuldades em mobiliza-la para aprovar o saco vermelho de bondades que anistiam multas e juros dos contribuintes que não pagaram seus impostos em dia nos últimos 5 anos, concedendo descontos que variam entre 95% a 100%

A cultura popular cunhou a frase que "Alemão não é teimoso, teimoso é quem teima com ele".

Mas o nosso guia não compreende a imprudência em  aprovar leis apressadamente, que patrolar o legislativo não é uma atitude republicana e que a maioria das vezes em que tenta impor a sua vontade, por cima do rito, do regulamento e da boa pratica tem saído trasquilado.

Contudo, a excelência do trato com a coisa pública vai alem: Depois de premiar aqueles que não pagaram em dia seus impostos nos últimos 5 anos, o Prefeito resolveu atender ao pedido inusitado de um dos Reis Magos-Melquior Peixer - permitindo que gaveteiros legalizem seus imóveis pagando o imposto devido com um polpudo desconto de 50% e cujos índices de atualização parecem um negócio de pai para filho.

Nem Madre Tereza de Calcutá seria agraciada com tamanha bondade.

Conhecido por fazer o diabo para ser o próximo Presidente do Legislativo Municipal, o Rei Mago Melquior Peixer conseguiu durante a tramitação do ADIMPLIR, pousar do bom samaritano que faz caridade com o dinheiro alheio

A emenda Melquior Peixer terá como consequência impedir o trabalho da Comissão de Valores da Prefeitura na análise do ITBI nos contratos de gaveta até o dia 28 de Novembro, quando o desconto termina. Esta comissão é a que tem a  responsabilidade de atualizar imóveis a preço de mercado e, graças a Melquior, deixará de analisar o imposto realmente devido sobre os contratos de gaveta em valores de negócio. Sem passar por esta comissão o imposto devido será calculado pelo valor histórico, seguindo de singela atualização monetária.


O discurso para a aprovação a jato da Adimplir é que o objetivo é beneficiar as pessoas carentes que estão em divida com a prefeitura e para isso o Executivo e os vereadores da sua base de apoio acreditam que pessoas carentes poderão desembolsar em menos de 20 dias um décimo do valor realmente devido pelo imposto devido nos contratos de gaveta, tudo isto antes do mês de dezembro iniciar e o prazo de pagamento da  segunda parcela do décimo terceiro expirar

A Joinville de "mãos limpas" concede este presente fantástico para quem tem um contrato de gaveta antigo de R$ 50.000,00 mesmo que seu imóvel hoje tenha um valor real de R$ 1 milhao pelo mercado.

Ao invés de pagar 2,5% de imposto sobre o valor real, como fizeram os contribuintes que pagaram no prazo e cumpriram a lei, o beneficiado vai pagar uma verdadeira merreca, uma pechincha que, se evitada, poderia potencializar a arrecadação e ser revertida em asfalto, calçadas, obras públicas, melhorias na saúde.


É bom lembrar que um dos contribuintes que poderá se beneficiar das benesses da Adimplir será uma grande empresa têxtil localizada no Bairro Santo Antônio, responsável por deixar o Rio Cachoeira Vermelho, autuada pelos órgãos ambientais em R$ 400.000,00 em 2012 pelo vazamento de efluentes da sua estação de tratamento. Tem quem pode achar que o prefeito além de bondoso e generoso com o dinheiro alheio está praticando um ato em conflito de interesses. Se a empresa pagar integralmente os juros e a multa sem se recorrer aos benefícios do Adimplir, daria um exemplo de ética, cidadania e ajudaria a melhorar o combalido caixa da prefeitura municipal.

Alguém acredita em Papai Noel?

sábado, 15 de novembro de 2014

Mulheres negras - A força esquecida

POR FELIPE CARDOSO

Novembro é o mês da Consciência Negra no Brasil. Um mês importante que tem a função de levantar interessantes debates sobre a população negra e sua inserção na sociedade. Por isso, também é um período que ainda incomoda uma parcela da população. Não entrarei em questões sobre a importância da data, mas falarei sobre a invisibilidade e machismo.

Durante toda essa época surgirão matérias e publicações ressaltando a imagem patriarcal de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares, uma das mais famosas aldeias, símbolo de resistência à escravidão. Não faço nenhuma restrição quanto a exaltação da luta de Zumbi, acho justa a homenagem, mas o questionamento que levanto é: como as mulheres negras se veem representadas nesse e em outros períodos?

A luta contra o racismo não pode e nem deve ser movida junto com outros preconceitos, mas é evidente que há um esquecimento das lideranças femininas no período de resistência a escravidão no território brasileiro que persistem até hoje.

Dandara dos Palmares, por exemplo, foi esposa de Zumbi e, junto com ele, lutou pela libertação total dos negros brasileiros escravizados na época. Plantava, trabalhava na produção de mandioca, também aprendeu a caçar, lutar capoeira e empunhar armas, além de  liderar homens e mulheres na resistência.

Teresa de Benguela, esposa de José Piolho, passou a liderar o Quilombo de Quariterê, no Pantanal, que abrigou negros e índios fugidos da escravidão. Por cerca de 20 anos a comunidade resistiu a escravidão sob sua liderança. Havia uma estrutura política que contava com parlamento e conselho. Os quilombolas transformavam todo o ferro adquirido em material de trabalho. Fabricavam tecido e também plantavam. O que excedia, era vendido ou trocado por armas. Mais um exemplo de organização, luta e resistência.

Mas em quais materiais escolares vemos essas e outras representações da luta feminina? Quais veículos de comunicação dão destaque a elas? A invisibilidade da mulher negra na história escancara o machismo que, juntamente com o racismo, precisa de um fim.

Cabe as mulheres negras  integrar a luta do Movimento Negro com o Movimento Feministas e se posicionarem, resgatarem suas histórias e lutar por um maior reconhecimento junto a luta contra o racismo, machismo e o sexismo. Cabe a todos nós, homens e mulheres, brancos e negros, reconhecermos a importância da militância. A representatividade dá mais força para a luta.

As mulheres nunca foram e nunca serão o sexo frágil. Sobreviver a tanta opressão diariamente não é para qualquer um. Dandara e Teresa ainda vivem!

Para encerrar deixo o som da Yzalú (Mulheres Negras) que contribui com o debate:

Tebaldi e o drible na democracia

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O julgamento do crime cometido pelo atual deputado federal Marco Tebaldi (PSDB) quando este ainda era prefeito demorou muito para acontecer. Não é a toa que nada acontecerá, pois o crime foi prescrito. O tucano driblou a democracia assim como Garrincha fazia com os seus adversários porém, desta vez, a derrota foi coletiva e chancelada por mais de 135 mil eleitores.

As denúncias contra Tebaldi correm a internet há anos. Muitos sabem de suas supostas irregularidades nos mais diversos cargos em que ele ocupou: Secretário Municipal de Habitação, Vice-Prefeito, Prefeito, Secretário Estadual de Educação, Deputado Federal. Mesmo assim, nada o impedia de concorrer e ser eleito ao longo dos anos, mesmo com a recente promulgação da lei da ficha limpa.

O benefício do foro privilegiado e das inúmeras tentativas de recorrer dos resultados em instâncias menores da justiça surtiram efeito. O tempo passou, os casos foram sendo esquecidos, e quando a sentença apareceu, nada vai mudar. Nem a imagem política foi arranhada, graças à tímida cobertura das mídias tradicionais locais. Alguns radialistas, ao invés de fazerem uma crítica à justiça e ao sistema político brasileiro, pré-lançaram o outro tucano Paulo Bauer como candidato a Prefeito de Joinville em 2016. Apagaram uma manchete negativa com outra positiva.

O crime cometido contra o patrimônio público pareceu não ter importância. Parece que o caso Tebaldi só evidencia as injustiças de nossa sociedade representadas naquilo que chamamos de democracia: mídia parcial, justiça que não torna a sociedade justa, sistema político sucateado e cristalizado pelos atuais donos do poder e políticos ficha suja vitoriosos nas eleições e sustentados por empresários e uma "elite" que se beneficia de seus privilégios políticos há anos. Na lista de doadores de sua última campanha, aparecem dirigentes da ACIJ, de outras entidades empresariais da cidade, ex-políticos, imobiliárias e grandes multinacionais da região. O circo montado em torno de um nome é enorme a ponto de o drible não ter sido efetuado sozinho. Ele foi feito por um punhado de correligionários, meia dúzia de poderosos financiadores com efetivo capital social e milhares de eleitores que se deixaram enganar pela astúcia do deputado driblador.

Cabe agora a pressão popular nas urnas ou nas ruas pelo fim da carreira política de Tebadi. Os plutocratas que sustentam vários ramos da sociedade não querem ou fazem o mínimo esforço para tal. A justiça só reforça as desigualdades. E a democracia perdeu de novo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já somos México

POR CLÓVIS GRUNER

“Vivos se los llevaron, vivos los queremos”. Há alguns anos, na Argentina e no Chile principalmente, estas foram as palavras de ordem com que parentes de militantes políticos exigiam o retorno de seus entes desaparecidos. Nos últimos dias, elas voltaram a ecoar, no México, feito um desabafo, antes de serem confirmadas as mortes dos 43 estudantes desaparecidos desde o final de setembro. Além da violência brutal a aproximar estes assassinatos daqueles perpetrados pelas ditaduras corruptas que vicejaram em nosso continente, os gritos de ontem e hoje tem algo mais em comum: no passado e no presente, os que pediram a volta de seus filhos como eles foram levados, vivos, sabiam que isso já não era mais possível. Por paradoxal que pareça, reivindicava-se a vida apesar da certeza da morte.    

O roteiro que culminou com a tragédia é conhecido. No dia 26 de setembro, um grupo de estudantes foi detido pela Polícia Municipal de Iguala. Entregues pelos próprios policiais ao cartel Guerreros Unidos, que controla a cidade, foram conduzidos, depois de espancados, até um lixão na cidade vizinha de Cocula. Lá, foram mortos e seus corpos incinerados em uma imensa fogueira. A ordem de sequestrá-los partiu do chefe da Polícia Municipal, Francisco Salgado Valladares; a de matá-los, do chefão local do crime organizado, conhecido por “El Chuky”. O prefeito, José Luis Abrange, não foi apenas conivente, mas participante ativo do assassinato. Ele e sua mulher estão presos.

A HISTÓRIA DE UM FRACASSO – A morte dos estudantes não é um caso isolado, mas mais um capítulo na narrativa de um fracasso. Em junho deste ano, 22 pessoas foram executadas por soldados do exército em Tlatlaya; em uma tentativa de acobertar a execução, as autoridades estatais divulgaram inicialmente, a informação de que as mortes ocorreram durante o enfrentamento entre as tropas militares e as vítimas, ligadas aos cartéis. Há cerca de dois anos, jornalistas que investigavam crimes ligados ao tráfico foram decapitados; mais ou menos à mesma época, os restos de 18 corpos decapitados e desmembrados foram encontrados em Guadalajara, segunda maior cidade mexicana. Em 2010, em Ciudad Juárez, um comando armado invadiu uma festa e iniciou disparos indiscriminados, matando 15 dos jovens que lá estavam.

A violência, uma constante no país há muitos anos, aumentou significativamente desde que o ex-presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis da droga. Apenas nos últimos quatro anos, cerca de 22 mil pessoas morreram e os resultados restam infrutíferos: o crime organizado continua forte; os cartéis sobrevivem às investidas militares; muitas instituições e agentes públicos foram irremediavelmente corrompidos e mantém ligações estreitas com o narcotráfico – a começar pelas polícias e os policiais. Em suma, o objetivo inicial, vencer a violência com o recurso à violência, conseguiu produzir... mais violência. A recente revolta popular é plenamente justificada: o México deixou de ser, nas palavras de um de seus principais escritores, Juan Pablo Villalobos, “essa coisa exótica de que o estrangeiro tanto gostava”, para tornar-se “um relato triste, sórdido, escuro” de si mesmo.

O MÉXICO É AQUI – Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi reivindica um maior envolvimento do governo federal nas políticas de segurança pública, “antes que sejamos México”. Reitera, assim, a necessidade de uma política de combate à criminalidade – e notadamente do crime organizado e do tráfico de drogas – sustentada principalmente em ações unificadas, repressivas e de cunho militar, mais ou menos o que defenderam, no segundo turno, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Basicamente, a continuidade de uma política que é, justamente, uma das principais responsáveis pelos altos índices de violência criminal de que o Brasil dá hoje testemunho: somente em 2013, foram mais de 50 mil homicídios registrados. Além disso, temos uma das polícias mais letais do mundo, responsável nos últimos cinco anos pela morte de cerca de 11 mil pessoas. Os números também são desfavoráveis se mudamos a perspectiva: no mesmo período, cerca de 500 policiais foram assassinados, a maioria a mando dos chefes do tráfico ou de lideranças ligadas aos comandos criminosos. 

As experiências de militarização da segurança pública, à exemplo das UPPs, aprofundaram e ampliaram um problema já crônico. Elas facilitaram o fortalecimento dos grupos criminosos, hoje mais fortemente armados; forçaram o deslocamento para o interior de parte dos aparatos policial e criminoso antes presentes quase que exclusivamente nas grandes cidades; contribuíram para corromper ainda mais parte da polícia, hoje a serviço do tráfico e do crime organizado; criaram um ambiente de insegurança e violência em comunidades já historicamente carentes; e insuflaram, particularmente entre os setores mais conservadores das camadas médias urbanas, um discurso de justificação da violência institucional. E, claro, produziram cadáveres, muitos, a maioria de jovens pobres e negros. Porque nesta guerra, como em todas as guerras, as vítimas se contam principalmente entre os mais vulneráveis.   

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Vale a pena prescrever de novo!


Os nós do jornal e outros nós da segurança pública

Reprodução da página Anarcomiguxos III
POR FELIPE SILVEIRA

A edição do fim de semana do jornal A Notícia traz uma uma reportagem sobre “os quatro nós da segurança pública” em Joinville. Chamou-me atenção que nenhum deles “bate” com os nós que eu julgo existir. Não quer dizer que eu esteja certo, mas evidencia que o jornal apresenta, senão uma visão ideológica do problema, uma visão limitada.

São os nós do jornal:

- falta de policiais pra atividade ostensiva
- falta de policiais pra investigação
- falta de condições no presídio
- atraso para a chegada das câmeras de vigilância.

Eu gostaria de dizer que se trata de tapar o sol com a peneira ou tratar câncer com aspirina. Mas não é. A defesa de mais repressão é ideológica. Mais PM, mais vigilância, mais repressão, mais defesa da propriedade, que é o que importa numa sociedade burguesa.

Também é curioso notar de onde parte a reclamação da falta de policiais. Na rua onde eu moro, na periferia da cidade, não falta policial na rua. É viatura pra lá e pra cá o dia todo. E acredito que assim seja em toda região periférica de Joinville. Será que falta PM mesmo?

Tenho pra mim que os nós sejam outros. Cito alguns:

- Desmilitarização da polícia militar, por exemplo. Não basta por si só, mas já é um grande passo para a reformulação de uma instituição autoritária e violenta como a PM.
- Inclusão social de jovens da periferia por meio da educação, da cultura, do esporte e do lazer. E quando chegar o momento certo, pelo emprego também.
- Reformulação da cidade que não trate a periferia apenas como um dormitório para os trabalhadores.
- Reformulação do Código Penal e uma nova postura do Judiciário em relação aos presos e presas e aos processos em andamento.
- Legalização da maconha e de outras drogas também como forma de tirar poder do tráfico.
- Caminhada a passos largos rumo à igualdade.
- Educação para o combate à violência, sobretudo contra mulheres e minorias de modo geral.

É característica da sociedade no neoliberalismo tratar as questões de maneira compartimentada. Assim, quando o assunto é segurança pública, discute-se quantidade de policiais e a quantidade de câmeras de vigilância. Porém, na prática uma coisa é ligada com outra. Violência é apenas um sintoma, como uma febre, de um problema maior. Descer o sarrafo não é a solução. Pelo contrário, é dar sal pra quem tá com pressão alta.

A solução é justiça social, busca pela igualdade e uma educação transformadora. Os jornais têm responsabilidade quanto a isso. E, como tudo está ligado, talvez um grande primeiro passo seja a democratização da mídia.