terça-feira, 5 de julho de 2016

Lumpencoxinha: a miséria intelectual extrema

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Não curto a expressão “coxinha”. Além de ser um clichê – e os clichês são para evitar – não parece ter uma relação lógica com o salgadinho. Mas a palavra entrou para a fraseologia do dia a dia e o uso é inevitável para ser compreendido. Muita gente define coxinha como um “inimigo da presidente Dilma”, do seu partido e também das esquerdas, o que não deixa de ser verdade, mas é uma visão limitada.

É preciso analisar o inconsciente social do coxinhismo. O coxinha médio é o pequeno burguês (no sentido barthesiano) e é produto de uma amálgama de fatores reativos: rejeição do pensamento, privação da história, medo do novo, preconceito, ódio de classe, incapacidade de reconhecer as alteridades. E, claro, um discurso fundado em clichês. É ruim, mas pode ser pior...

O caso mais dramático é o do coxinha limítrofe. Quem? É um coxinha igual aos outros, mas com a condição agravada: os caras fazem da estupidez voluntária (parafraseando La Boétie) uma marca de personalidade. É o que podemos chamar  lumpencoxinhismo, uma vez que vivem em miséria intelectual extrema. Mas como diria o saudoso filósofo Odorico Paraguaçu, deixemos os entretantos e vamos aos finalmentes.

O lumpencoxinha é um cara que rejeita tudo o que não se encaixe no seu quadro mental. Porque quando está a pensar, não pensa... apenas reorganiza os clichês. Tudo o que represente a diferença, o alternativo ou o novo é logo recusado. E vamos a um caso prático. Ainda ontem um co-blogger reclamava estar a ser cobrado por uma leitora que exigia imparcialidade. É justo. O problema é que as queixas eram fundadas no absurdo.

Uma das queixas era não falar do feijão doado a Cuba que, acredita ela, é responsável pela alta dos preços do produto no Brasil. Outra questão era o silêncio sobre os R$ 700 milhões que Dilma teria numa conta na Suíça. O que dizer numa situação como essa? É impossível um diálogo. E é neste ponto que os lumpencoxinhas são um perigo para a sociedade. Porque aniquilam qualquer possibilidade de debate e evolução das ideias.

É o caso do golpe. Os lumpencoxinhas acreditaram que tudo se resumia a derrubar a presidente Dilma Rousseff e, com outra pessoa no lugar, pôr a economia do país a andar. Não quiseram saber se o golpe possa tinha uma agenda secreta – já nem tão secreta assim – que passa por entregar os interesses do país nas mãos de estrangeiros. E hoje, sabendo das tramoias, mantêm a fé nos golpistas. Mesmo sabendo que é mentira, continuam a acreditar.

Podia não ter importância. Mas tem. E muita. Porque o lumpencoxinha é o tipo de pessoa que – por omissão, estupidez ou corrupção – ajuda a transformar o Brasil numa terra que está sempre a adiar o seu futuro.

É a dança da chuva.

P.S.: O filme abaixo traz um depoimento de Marilena Chauí sobre o juiz Sérgio Moro e o ministro golpista José Serra. Mais que uma defesa de tese - e a tese da filósofa faz sentido - é uma provocação aos lumpencoxinhas.



segunda-feira, 4 de julho de 2016

Era uma vez...


500 mil habitantes + 375 mil carros + incompetência = cidade imobilizada


POR JORDI CASTAN

Não há como não falar de trânsito e mobilidade numa cidade que tem pouco mais de 500 mil habitantes e 375 mil veículos licenciados. Quem a cada dia leva mais de uma hora para percorrer o trecho entre a Rua Dona Francisca e o Terminal Urbano do Iririú para voltar para casa sabe do que estou a falar. Também sabe do que falo quem enfrenta as filas gigantescas na avenida Marques de Olinda. E são apenas dois locais pontuais.

Vou fazer dois comentários e espero seus contrapontos.

PRIMEIRO PONTO - É sobre essa proposta estapafúrdia que são as Faixas Viárias, aquelas que o Vereador Mauricio Peixer denomina a “Espinha dorsal da Lei de Ordenamento Territorial”. E que considera indiscutíveis, o cerne da própria LOT.

Quem imaginar que estejam vinculadas à mobilidade vai descobrir, tarde demais, que, apesar do nome, não tem nada a ver com mobilidade e sim com especulação imobiliária. É importante que se saiba: as Faixas Viárias não são uma proposta viária ou que tenha objetivo de aumentar nem a mobilidade nem a segurança no trânsito. É unicamente uma proposta de ampliação de índices urbanísticos, permitindo construir prédios mais altos, mais usos, mais ocupações e, ainda, a legalização de atividades já instaladas sem nenhuma contrapartida, para mitigação ou compensação dos impactos que causam ou possam vir a causar. 


As FVs são uma aberração urbanística, uma ferramenta de maldades contra uma cidade sustentável. Portanto, quando estiver preso no trânsito a caminho do trabalho ou de volta a casa, lembre no futuro - e graças às Faixas Viárias - o trânsito fluirá menos. Sobre a teimosa insistência do IPPUJ em apoiar um sistema de transporte coletivo caro e ineficiente, que perde mais passageiros a cada ano, a melhor resposta é a que o joinvilense esta dando: 375 mil veículos registrados. Sem comentários. 

SEGUNDO PONTO -  É sobre a instalação dos novos radares e lombadas eletrônicas. Esclareço de saída que sou totalmente favorável à sua instalação como instrumentos para melhorar a segurança no trânsito, mas que não comparto que sejam instalados com o objetivo exclusivo de multar para arrecadar. É bom que se lembre que hoje há no orçamento do trânsito a dependência perniciosa da arrecadação e que é preciso multar para pagar folha e despesas. 

Faço esta afirmação desde o conhecimento de quem foi a primeira autoridade municipal do setor, quando o município assumiu a gestão do trânsito. Com a equipe técnica da Conurb foi feita a primeira licitação para a instalação destes equipamentos. Os critérios foram, naquele 

momento, evitar o “furar” o sinal vermelho, uma das maiores causas de acidentes com mortes ou feridos graves. Depois de identificar os pontos de maior incidência de acidentes, instalar “pardais” nesses pontos, reconhecidamente de risco. É verdade que as lombadas eletrônicas não impedem que o motorista - o que reduz a 40 ou 60 km/h ao passar por uma lombada eletrônica - possa acelerar a ultrapassar a velocidade permitida, uns metros mais à frente.

É evidente que a maioria dos novos pontos não foi escolhida por critérios de risco potencial ou por incidência elevada de acidentes e sim buscando uma maior arrecadação. É justamente este o ponto que deve ser questionado. Onde está o mapa dos pontos críticos do trnsito em Joinville? Quais os cruzamentos e quais as ruas com maior numero de acidentes fatais? Qual a relação entre estes pontos e a localização dos novos equipamentos? Com a palavra o Detrans.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Sem casa, sem vida















POR SALVADOR NETO


Está nos jornais diários da cidade, já foi notícia nos noticiários televisivos e também nas rádios: Prefeitura de Joinville derruba casas em área invadida na zona sul, Moradores do Loteamento Juquiá protestam contra desmanche de casas. Medida autorizada pelo Judiciário, sempre frio e distante, e cumprida com boa dose de violência e autoritarismo pela Polícia Militar. Há quatro anos o atual prefeito do PMDB andou na mesma região dizendo que governaria dos bairros para o centro, com pavimentação, melhorias. 


Creio que não é preciso ser Ph.D. para compreender que uma família sem casa é uma indignidade. Também acredito não ser um desejo indomável ter de construir um barraquinho em meio ao mangue, ou qualquer área degradada, para dar à sua família um teto. Basta se colocar no lugar do outro para compreender, mesmo de longe, que ao estar em local como os das famílias cujas casas foram demolidas o pai ou a mãe de família quer proteger seus filhos e filhas, netos e netas. E logicamente que o governo não cumpre o que manda a Constituição Federal, tanto aqui quanto em várias cidades.

O direito à moradia digna foi reconhecido e implantado como pressuposto para a dignidade da pessoa humana, desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, foi recepcionado e propagado na Constituição Federal de 1988, por Emenda Constitucional nº 26/00, em seu artigo 6º, caput. Leia-se: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A busca de um “teto” é desde os primórdios uma necessidade fundamental dos seres humanos. Em nosso país, o problema da falta de moradia para inúmeros cidadãos está intimamente ligado num longo passado histórico, fruto de uma política que sempre esteve voltada aos interesses particulares das classes dominantes. Os sem teto sempre foram colocados à margem, literalmente, de rios, manguezais, ou em morros. Em razão disso é que encontramos bairros luxuosos e miseráveis, ambos com uma única semelhança: são habitados por seres humanos.

Joinville, em pleno século 21, mostra com mais uma atitude deste nível contra pessoas que quase nada tem, que não evoluiu como cidade de primeiro mundo como se tenta propagar a décadas. Ainda não conseguimos que a máquina pública definitivamente trabalhe em direção a resolver essa questão habitacional. Temos Secretaria de Assistência Social, de Habitação, mas nos falta sensibilidade, humanidade, e muita ação efetiva para que essas pessoas não precisem assentar suas famílias sobre mangues, invadindo áreas por pura necessidade de ter um local para dar um teto e um mínimo de dignidade à sua família.

E por favor, nada de papo da meritocracia. Esse discurso está falido, inclusive no berço dele na América do Norte, e em boa parte da Europa, onde o desemprego, a falta de perspectivas grassa e forma movimentos contrários à globalização, ao capitalismo selvagem. A onda do individualismo cresce e cega os olhos da sociedade para os seus semelhantes. Ao perder seu emprego, sua renda, sua moradia, e só assim, muitos voltam a enxergar a realidade que não muda: quem tem mais só quer mais, e quem tem menos é o primeiro a pagar o preço. Meritocracia só existe na linguagem dos ricos.

Há um desafio a quem vir governar a cidade a partir de 2017: retomar o carinho por sua gente, seus moradores, tanto os que têm muito e já muito bem instalados, e muito mais por quem tem menos, e nem teto para morar. Uma cidade moderna, sustentável como se deseja não pode conviver ainda hoje com famílias sendo desalojadas do seu mais básico direito à dignidade, que é a casa, a sua moradia. A frieza empresarial não cabe na gestão pública. É preciso gostar de gente, e ter vontade de fazer a mudança. Sem casa, sem vida. Pensemos nisso.
É assim nas teias do poder...
Foto: Jornal A Notícia



quinta-feira, 30 de junho de 2016

A colonização continua pela televisão

POR FELIPE CARDOSO

Não é de hoje que os veículos de comunicação de massa recebem críticas pela desinformação da população, principalmente em relação a questão racial. Hoje, gostaria de me ater a programas mais recentes que tivemos e temos contato por meio da televisão.

Recentemente, a rede de televisão Record, comandada pela Igreja Universal, presidida por Edir Macedo, decidiu investir em novelas. Voltadas, em sua maioria, a passagens bíblicas, tentaram representar na telinha os acontecimentos de séculos passados. Os esforços foram grandiosos e os investimentos foram altos (cenários, vestimentas, artefatos e outras coisas necessárias para a representação). Só que o que pareceu não ter tanto esforço foi a procura por atores negros e negras para representarem os personagens de reis e rainhas, uma vez que os períodos e locais retratados pelos autores eram, em sua grande maioria, no continente africano.

Ao analisar as imagens e alguns dos muitos registros coletados por historiadores e arqueólogos sobre o Egito Antigo, por exemplo, podemos notar que há uma presença significativa de pessoas negras habitando o local naquele mesmo período que nos é apresentado hoje pela emissora de televisão, só que de maneira completamente diferente.

E isso esconde uma grande ideologia que predomina e mantém os privilégios da branquitude no mundo inteiro.

Não querem que a população negra tenha um conhecimento profundo sobre a sua história. Não desejam que saibamos que nossas civilizações eram organizadas, ricas e poderosas. Criam falácias e tentam destruir pouco a pouco a memória de um povo inteligente, diversificado e muito bem organizado. Não querem que negros sejam vistos como algo bom, ou que já produziram diversas coisas e que contribuíram para o avanço da humanidade. Por isso, é importante que apenas personagens brancos interpretem esse papel, pois nós, negros e negras, seríamos incapazes de fazer tantas grandiosidades.

E essa tentativa de colonização fica ainda mais evidente quando a mesma emissora lança a uma novela intitulada de “Escrava Mãe”, em que, daí sim, conta com a presença de pessoas negras interpretando escravos, obedientes as ordens dos senhores brancos.

Percebam, mais uma vez, a branquitude tentando mostrar onde nos querem e como querem que nos vejamos. Na senzala, escravizados, obedientes, sem voz, sem alma, sem pensamento próprio.

Engraçado que para a novela de escravos encontraram com facilidade atores e atrizes negras para representar. Será que não encontraram a mesma facilidade para encontrar negros e negra para os papéis de reis e rainhas, ou simplesmente fizeram isso intencionalmente?

A tentativa é acabar com a nossa memória e a nossa imagem positiva, de nação rica, desenvolvida, diversificada e forte, cultural, social, econômica e politicamente. A ideia é de voltar a nos reduzir a nada.

A mesma coisa acontece com as religiões de matrizes africanas, que cultuam seus orixás, negros e negras. São demonizados e perseguidos por isso. Enquanto a mitologia grega é ensinada nas escolas e o deus e nórdico Thor é divulgado nas telas de cinema e comercializado em shoppings.

 
Tudo isso faz parte da mesma ideologia, do mesmo plano de dominação, de colonização que querem com que a população negra acredite, aceite e reproduza tal pensamento. Destruindo assim a sua autoestima, acabando com a imagem positiva da sua história e da sua identidade. Colonizando fica mais fácil de dominar.

Por isso, é necessário nos enriquecermos de conhecimento e informações, que resgatemos e propaguemos diariamente a nossa história e imagem rica, positiva, com reis e rainhas, inteligente, desenvolvida, resistente, de luta. A subalternidade nunca foi nosso lugar, não tomemos mais desse veneno.

Não adianta, por exemplo, colocar Taís Araújo para ser protagonista em uma novela recheada de estereótipos e hipersexualização a começar pelo nome “Da cor do pecado”. Bem como não adianta colocar uma mulher negra como protagonista interpretando uma escrava. Isso não é revolucionário. Isso é apenas mais do mesmo, é o que vemos desde o surgimento das telenovelas e filmes.

Não adianta tentar esconder ou alterar a nossa história, ou investir em novelas de época para mostrar que nosso papel é pertencente a coadjuvante e servil. Lá no fundo, nós sabemos que somos descendentes de protagonistas, reis e rainhas, que por ganância e ignorância da branquitude, foi escravizada e violentada.

O nosso dever é resgatar a nossa verdadeira história e contarmos nós mesmos, com a nossa ótica negra, o que a burguesia branca e colonizadora tenta esconder.