sexta-feira, 13 de junho de 2014

#copa2014: torcer até vai; festejar não

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Quando o Brasil entrou em campo na abertura do mundial de futebol, na tarde de ontem, lembrei-me de quando era criança e gostava de acompanhar todos os jogos da Copa. Além de colecionar figurinhas, ou estudar as tabelas, o futebol por si só era o objeto principal daquele sonho infantil. Ao retornar a consciência para a realidade, em 2014, estava eu, em frente ao televisor, torcendo para a seleção brasileira.

Poderia ser como sempre foi. Mas não foi.

Sempre defendi aqui no blog, na sala de aula e em outros espaços nos quais convivo de que a FIFA, juntamente com o governo federal e os gestores estaduais e municipais de todas as 12 sedes, promoveram um atentado aos direitos básicos garantidos na Constituição Brasileira de 1988. É notório e sabido para a maioria que a Copa foi uma coisa inventada que se sobrepõe ao planejamento das cidades, porque em nome dos megaeventos vale tudo: remoções de famílias (estima-se que aproximadamente meio milhão de pessoas foram afetadas direta ou indiretamente) para construir estádios no lugar, operários morreram devido a obras de estádios feitas às pressas, em dispensas de licitações e outras situações já cantadas há muito tempo, ao contrário dos aproveitadores de uma situação eleitoral.

Aproveitadores estes que se situam dentro de grupos políticos (ou possuem simpatia com estas organizações) sobretudo pelas eleições que se aproximam. O problema da Copa é generalizado, pois foi construído pelos gestores dos 12 governos estaduais e mais os 12 governos municipais de cada sede, compostos por representantes dos mais diversos partidos políticos, da esquerda à direita. As remoções e violações do Direito à Cidade foram operacionalizadas por todos, sem exceções, e não somente pelo Palácio do Planalto. Longe de não reconhecer a culpa de quem está lá, xingar a presidenta faz parte de um desconhecimento sobre tudo o que vem acontecendo com a política urbana dos megaeventos desde que foram anunciados em meados dos anos 2000. É desconhecer a profundeza das questões que levam milhares às ruas há muitos anos (muito antes das "Jornadas de Junho"), lutando pela função social do espaço urbano.


Os pobres ficaram longe dos estádios. A miscigenação tão característica de nosso país não era a realidade da Arena Corinthians Itaquera São Paulo Isentão, pois eu só via brancos em grande maioria no estádio. Sinal de alguma coisa errada. Sinal de que a Copa, desde o começo, não foi para todos. Não foi para quem mais sofre com os problemas diários de nossa nação. Nem de longe.

Sendo assim, não consegui festejar e nem ao menos gritar "gol", como fizera em outros momentos de minha vida. Fiquei torcendo pela seleção, mas longe do clima de "festa" e "oba-oba". E muito menos entrarei na onda de uma massa que vaia sem dar os créditos aos verdadeiros protestos, mirando em uma parte dos responsáveis por tudo o que vemos aí.

O jogo acabou, a Copa acabará mês que vem. A atual questão urbana brasileira, por sua vez, parece não ter fim.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Começou!


POR CLÓVIS GRUNER

Quando a seleção brasileira entrar no Estádio do Itaquerão hoje à tarde, disputando contra a Croácia a partida de abertura da Copa do Mundo 2014, estará em jogo muito mais que o hexacampeonato. Desde o início das mobilizações de rua contra o torneio da FIFA, e apesar do slogan, todo mundo sabia que teria Copa e, penso, nunca foi a intenção inviabilizá-la. Parece-me que se buscou a possibilidade de tecer sobre ela uma outra narrativa, mais aberta e plural e capaz de levar em conta, de atribuir sentido e visibilidade às contradições decorrentes de sua organização.

Uma narrativa que não encobrisse, sob as camadas do ufanismo governamental e publicitário, as muitas formas de violência que compuseram também o roteiro da Copa do Mundo, e sobre as quais, não fossem as mobilizações, restaria um pacto de silêncio e o consequente esquecimento. Como disse em texto publicado há poucas semanas aqui no Chuva, a estimular as manifestações, e descontados os muitos oportunismos e oportunistas de plantão, há um conjunto de demandas legítimas e uma porção mais que justa de indignação pela maneira enviesada como muitas das decisões foram tomadas e executadas.

Além disso, como bem observou Vladimir Safatle em texto publicado na Folha de São Paulo de terça-feira, as manifestações sinalizaram para um incômodo descompasso entre os estrategistas de marketing – e não só os do governo – e parte da população brasileira. E embora não concorde com parte da abordagem do filósofo, que parece ecoar a ideia de que “o gigante acordou”, porque penso que ele nunca esteve adormecido, estou de acordo quando afirma que o roteiro sempre previamente traçado desde cima para o “povo” – basicamente “celebrar a aclamar” – dessa vez não funcionou: os atores não aderiram ao espetáculo que lhes foi designado e criaram seu próprio cenário. Houveram equívocos e alguns excessos, por certo, mas no âmbito geral o mise-en-scène das ruas foi o necessário e criativo contraponto ao discurso oficial.

FUTEBOL E POLÍTICA – Claro que as implicações políticas disso não podem ainda ser medidas em toda a sua extensão. E elas tampouco são novidade. Os usos políticos do futebol vem de longa data: em 1958, Juscelino Kubitschek, o “presidente bossa nova”, não se furtou a usar a conquista da Jules Rimet para inflar o espírito nacionalista e a adesão da sociedade ao seu projeto desenvolvimentista, os tais “50 anos em 5”. Pouco mais de uma década depois, o general Médici, o presidente assassino, fez do tricampeonato conquistado no México uma de suas cortinas de fumaça a encobrir os muitos crimes praticados pela ditadura – além da corrupção, a censura, as prisões arbitrárias, a tortura e o extermínio de dissidentes. E não se pode negar que, sob certo aspecto, em ambos os casos a estratégia deu certo.

Obviamente os contextos eram diversos de agora. Entre outras coisas, o futebol e a Copa do Mundo não eram ainda essa máquina que movimenta bilhões de dólares mundo afora; tampouco a FIFA era a entidade poderosa que é hoje. Mas talvez justamente o triplo agigantamento ajude a entender porque dois ex-presidentes, FHC e Lula, insistiram tanto em trazer para cá a Copa do Mundo. Lula conseguiu, e certamente quando recebeu a confirmação, em 2007, de que o Brasil seria o país sede do torneio, ele esperava outra coisa que não as ruas tomadas de manifestantes indignados e tanques do exército dispostos a “assegurar a ordem” contra toda eventual desordem.

Vai ter Copa e, particularmente, penso que o prejuízo, tanto econômico como político, será menor do que teme meu colega de blog José António Baço. Não será a “Copa das Copas”, como quer a presidente Dilma Rousseff? Bastante provável. Mas talvez não seja igualmente o desastre desejado pela oposição que, carente de tudo – principalmente carente de um projeto para o país – torce para que tudo dê errado e que as imagens de uma hecatombe possam ilustrar a campanha eleitoral e disfarçar a ausência de ideias. De minha parte, continuo a pensar que o principal legado da Copa é o sempre necessário e bem vindo amadurecimento democrático, com todas as contradições que ele comporta. E se junto vier o hexa, tanto melhor.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

O capital político de Carlito Merss


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quem imaginaria, há pouco menos de dois anos, que a gente ainda toparia com essa frase aí pelas redes sociais: “volta, Carlito”.  O fato é que todos a temos visto repetidas vezes nas últimas semanas. É a prova de que em política os anúncios de fins de carreira são sempre exagerados.

Não há dúvidas de que o slogan está a ser repetido pelos seguidores do ex-prefeito – o Partido dos Trabalhadores ainda mantém militantes mais fieis às ideias do que aos empregos – mas é possível notar-se também uma mudança na percepção da população joinvilense mais atenta à política local.

Carlito Merss tem vento favorável para resgatar de vez a imagem que construiu ao longo da sua carreira e que viu ameaçada pela cassação dos seus direitos políticos – já restituídos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral – e pela sua passagem pouco feliz à frente da Prefeitura de Joinville.

Os jogos políticos são sempre cheios de fluxos e refluxos, de alianças e rompimentos, de acordos e desacordos. Mas em Joinville a coisa é levada ao extremo: os interesses pessoais eliminam quase por completo a defesa de qualquer ideário. Os aliados de hoje podem ser a faca nas costas de amanhã. É preciso estar sempre vigilante.

O ambiente é de tal forma infausto que ganha quem estiver do lado de fora. É o caso de Carlito Merss que, por estar longe dos holofotes, fica fora do alcance da mira dos seus adversários e críticos. E agora tem apenas que escolher a estratégia certa para restabelecer a sua imagem junto ao eleitorado.

Há alguns fatores capazes de beneficiar ex-prefeito na reconquista do seu espaço. Um deles é não ter que, neste momento, conviver com uma criptomídia ou paramídia que nunca disfarçou a sua hostilidade e que não lhe deu um dia de sossego enquanto esteve à frente da Prefeitura de Joinville.

O segundo é a ajudazinha que a atual administração está a dar. O fato de ainda estar em marcha lenta e de deixar  muitos eleitores preocupados mostrou que governar uma cidade como Joinville não é assim tão fácil. Nem mesmo com tudo a favor, como é o caso. Aliás, parece ser o principal motivo para um revanchista "volta, Carlito".

Enfim, o ex-prefeito tem tudo para recuperar o seu capital de imagem. E talvez a travessia do deserto não venha a ser tão longa quanto muitos vaticinaram. Diz o velho ditado que prognósticos só no fim do jogo, mas os que consideraram Carlito Merss uma carta fora do baralho talvez tenham que repensar.

Duvido que ele queira tentar uma volta à Prefeitura. Mas como já disse alguém: em política  só não vi porcos a andar de bicicleta.

terça-feira, 10 de junho de 2014

A história se repete, a cidade enche e o governador "sobrevoa"

Foto tirada na BR 280, próxima à SC 413
Foto cedida por Eduardo Schmitz
POR FELIPE SILVEIRA

Para o governador, uma enchente “rápida e pequena”¹. Para quem rala para pagar a prestação da geladeira, do fogão e do sofá, uma tragédia que afeta todo o planejamento e as pequenas conquistas das famílias. Para cada vida perdida, uma tragédia imensa para todos nós.

Quantas vezes a população de Santa Catarina terá que passar por isso? Quantas vezes o poder público vai lamentar a tragédia após sobrevoar as regiões afetadas de helicóptero, como se isso fosse alguma atitude louvável?

Até quando teremos que ver gente bem-intencionada fazer uma correria para enviar mantimentos e cobertores para as populações atingidas que não tem o que comer nem como se cobrir? Até quando vamos ouvir promessas de planos de prevenção?

E o pior de tudo isso é ter que ler por aí a clássica “Sempre encheu, sempre vai encher” de um monte de gente que não ousa pensar nas verdadeiras responsabilidades.

É importante saber que toda essa região foi construída com base na exploração imobiliária. No caso de Joinville, o queridinho príncipe (virou nome de feira de rua, com direito a bonequinho e tudo) ficou sem dinheiro lá por 1848 e decidiu fazer uma grana com a terrinha que ganhou como dote. Ah, terra que foi roubada pela coroa portuguesa. Aí começou a vender – via Companhia Colonizadora de Hamburgo – para os trabalhadores europeus que sonhavam com uma vida melhor por aqui, já que pela Europa tava bem difícil. Eles chegaram aqui e já foram enfiando o pé na lama, enquanto o príncipe nadava na grana dos pobres.

Pior que há alguns indícios de preocupação por parte do príncipe com os imigrantes nos livros de história. Aí eu penso nisso e me vem à cabeça esses passeios de helicóptero sobre as áreas atingidas...

A história se repete. A especulação imobiliária, pedra fundamental desta cidade, continua com sua função central nas decisões políticas. A LOT está aí para não me deixar mentir, né?

A história se repete e o povo sofre. O rio transborda, a cidade enche, a terra desliza. O povo sofre. Até decidir fazer algo...


¹ Raimundo Colombo pediu desculpas pela declaração, a qual afirmou ser mal-interpretada. Veja a retratação aqui.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A escolinha do Professor RaimUdo

POR JORDI CASTAN

As reuniões matutinas do secretariado municipal foram um dos temas que tomaram a maioria das rodas num recente encontro gastronômico-social. É o tipo de encontro em que a comida é preparada para que seja possível utilizar só o garfo, porque as facas estão todas enfiadas nas costas dos próprios convidados. São eventos promovidos por jornalistas, colunistas sociais e outros transvestidos em profissionais da imprensa com feijoadas, costeladas ou carreteiros. O objetivo encoberto é fazer uns trocados e ter acesso em primeira mão a comentários e boatos lubrificados com cerveja e destilados. 

Um dos vários secretários municipais presentes discorreu sobre o formato e a efetividade das reuniões do colegiado, que em geral se realizam bem cedo pela manhã. O formato lembraria, se for verdadeira a versão apresentada pelo secretário, o de programas de humor que repetem a mesma fórmula: no Brasil um dos mais conhecidos levou o nome de “Escolinha do Professor Raimundo” e era capitaneado pelo saudoso Chico Anysio. Houve outros programas que repetiram o modelo, como a Escola do Golias, mas o formato era em tudo semelhante e conseguia com facilidade o seu objetivo de fazer rir com facilidade, estereotipando alunos e professores, sem outra pretensão que a de provocar o riso.

A reunião começa de madrugada, com a chamada dos presentes. Aqueles que faltem ou cheguem tarde devem justificar e podem receber uma chamada de atenção. É boato que alguns secretários municipais tenham apresentado bilhete assinado pelos pais, para justificar o seu atraso, isso no passa de pura invencionice da oposição. Depois de feita a chamada e anotados com caligrafia esmerada os nomes dos faltosos, que correm o risco de ficar sem sobremesa, a reunião da início com a leitura detalhada da ata da reunião anterior. Uma leitura feita pelo próprio alcaide, que, com entonação monótona, relata tudo o que foi decidido e determinado na reunião anterior. A leitura pode levar mais de uma hora, passada a qual cada secretario tem direito a dois minutos. Os responsáveis pelas pastas estratégicas chegam a dispor de três minutos para relatar o que fizeram ou justificar o que deixaram de fazer. Transcorridas quase duas horas a reunião é encerrada.

A administração baseada no modelo de cobranças é típica de um chefe autocrático, aquele que fala todo o tempo, conhece os problemas melhor que ninguém e aponta soluções, sem chegar a analisar com profundidade o problema e suas causas, assim não há necessidade de ouvir a sua equipe, que escuta em silêncio a espera das diretrizes que emanarão do próprio prefeito. A gestão moderna, seja ela pública ou privada, exige um perfil de liderança diferente. Hoje é a vez dos líderes, aqueles que são capazes de motivar pessoas comuns a obter resultados surpreendentes. Liderar equipes exige um perfil diferente, não só há que escutar, pois é preciso saber ouvir e aceitar que o chefe pode não ter sempre toda a razão. Para quem foi forjado no modelo autocrático do século 19  é tarefa difícil entender a complexidade da liderança do século 21 e os novos desafios da gestão pública, numa cidade com mais de 500.000 habitantes.



O resultado das reuniões, que deveriam servir para ser o celeiro de novas ideias e alternativas que permitam resolver os graves problemas que o município enfrenta, são  longos solilóquios que ninguém mais escuta, eternos monólogos repetitivos e cansativos que mais parecem mantras para invocar o milagre da ação inexistente.