quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Alianças políticas, biografias e o exemplo americano

POR CLÓVIS GRUNER
Há coisas que me agradam no modelo americano de democracia –
e claro, há outras que não, mas delas não falarei hoje. Uma: nos Estados Unidos, ex-presidentes não podem ocupar nenhuma função pública ou disputar outro cargo eletivo. É claro
que eles continuam a fazer política; o objetivo da legislação não é afastá-los
da vida pública. No horizonte, e sempre de um ponto de vista ideal, está o
entendimento de que em uma democracia, a renovação – mesmo que dentro de um
mesmo partido – é tão importante como o direito de escolha.
No Brasil é diferente. Com o anúncio da união entre Eduardo
Campos e Marina Silva para as eleições de 2014, as especulações ganharem espaço
nos noticiários e redes sociais. Entre elas, uma me chamou a atenção: sentindo-se
ameaçados, tucanos e petistas teriam chegado a aventar a possibilidade de
lançarem FHC e Lula, no lugar de Aécio Neves e Dilma Rousseff. Acho pouco
provável. Mas que tal tenha sido sugerido, revela uma das muitas fragilidades da nossa
cultura política, o personalismo. É essencial à democracia que partidos sejam capazes de forjar novos
líderes. Além disso, uma eleição se vence com nomes, certamente, mas também e principalmente com
projetos.
O caso do PT é mais emblemático. Pesquisas apontam uma vantagem significativa de Dilma. Mas falta um ano para as
eleições, e o partido precisa ser capaz de manter o favoritismo e continuar a convencer os eleitores com
base em realizações passadas e presentes e em planos futuros. O carisma e os
altos índices de aprovação de Lula não podem ser um deux ex machina eleitoral. Por outro lado, as declarações de Marina tampouco sugerem
que seu interesse é, de fato, renovar o debate político, mas simplesmente substituir
um dos atores da atual polarização, o já combalido PSDB.
Tudo junto e misturado, parece mesmo que estamos à deriva. Os
dois maiores partidos brasileiros e o que surge como promessa de renovação já deixaram
claro seus projetos de poder. Mas nenhum deles tem, efetivamente, um projeto
para o país.
ERA PROIBIDO PROIBIR – Vai longe o tempo em que Caetano Veloso
desancou os estudantes que o vaiaram durante o IV Festival de Música Brasileira – mais precisamente,
45 anos. Se há quatro décadas e meia o então jovem compositor ecoava o Maio
francês, hoje ele se vale de sua conhecida verborragia para disfarçar o
indisfarçável e justificar o injustificável. Abrigados na associação “Procure
Saber”, capitaneada pela empresária e ex-atriz Paula Lavigne, ele, Chico
Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan e Roberto Carlos,
entre outros, defendem a manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que
proíbem a publicação, para fins comerciais, de biografias não autorizadas. Na
prática, isso significa que biógrafos só podem publicar desde que devidamente
autorizados pelos biografados ou seus herdeiros.
Não vou me
alongar. Tudo que gostaria de dizer sobre o tema – e até um pouco mais – já
foi dito pelo jornalista Mário Magalhães, biógrafo de Marighela, em seu blog.
Mas me causa espanto ver nomes cuja resistência à violência da ditadura e seus
muitos meios de censura é amplamente conhecida, posicionando-se tão
descaradamente a favor dela e com argumentos pífios – entre outras coisas, a “Procure
Saber” reivindica que os biografados recebam uma porcentagem sobre as vendas de
suas biografias, sob a alegação de serem os personagens de tais narrativas. A
coisa beira ao absurdo: recentemente Roberto Carlos, o mesmo que, tal um
inquisidor, conseguiu que recolhessem das livrarias sua biografia e só voltou atrás na
decisão de mandar à fogueira centenas de exemplares na última hora, entrou com
um pedido para proibir a venda de um livro – originalmente uma dissertação de
mestrado em História, um trabalho acadêmico portanto, não uma biografia – sobre
a Jovem Guarda. Solidário ao “rei”, Chico tentou desqualificar o historiador Paulo César Araújo, autor da biografia, chamando-o indiretamente de desonesto. Foi ampla e documentalmente desmentido.
Nos Estados
Unidos biografias não autorizadas são permitidas por lei, sob a alegação que a
liberdade de expressão e o direito à informação estão acima do direito à
privacidade, especialmente quando se trata de personalidades públicas.
Desacordos são resolvidos na Justiça. No Brasil prevalece o entendimento
contrário. Ora, mas se as noções de público e privado já são, em si,
problemáticas, elas o são ainda mais quando envolvem figuras
públicas – sejam elas artistas ou não. Primeiro porque há, sim, a inegável e
quase “natural” curiosidade do público sobre a vida de seus ídolos, por
exemplo. Mas não é só, nem o principal: justamente porque públicas, suas
trajetórias se confundem com a história do país. Saber delas, de suas escolhas,
seus percursos, seus engajamentos, suas experiências e ideias é saber um pouco
mais sobre nosso passado. Nos coibirem de conhecer suas biografias ou nos limitar
às autorizadas, é privar o leitor de conhecer aspectos da história que, muitas
vezes, só nos chegam quando narradas sob o ponto de vista de quem as viveu.
Caetano fala
muito, mas não diz o óbvio: o que está em discussão não é o direito à privacidade,
mas a pretensão de monopolizar o direito ao passado. Eles não entenderam nada e saíram dessa diminuídos. Como disse um amigo: “os ídolos da velha
MPB encolheram”.
PS.: No dia
11 de outubro o Brasil perdeu Gabriela Leite. A mais destacada defensora dos
direitos das prostitutas brasileiras, mais conhecida pela criação da marca
Daspu, Gabriela morreu aos 62 anos, vítima de câncer. Ela sabia que as fronteiras entre a
vida privada e a esfera pública eram tênues. E soube usar a primeira em
benefício dos embates que travou na segunda. Este texto é uma homenagem a ela.
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Udo e a oportunidade perdida
POR JORDI CASTAN
A eleição de Udo
Dohler como prefeito de Joinville foi uma vitória prevista. Coincidiu com uma
das mais desastrosas gestões municipais que esta cidade já teve, ainda que não
seja preciso voltar muito no tempo para encontrar outra gestão tão desastrosa. A candidatura de Udo Dohler cresceu rapidamente, menos pelas suas
virtudes e mais pela incompetência dos seus oponentes. Era o que poderia ser
considerado a vitória do “menos pior”.
À medida que o tempo
transcorre é mais evidente que Udo Dohler não tem sabido aproveitar a
oportunidade que a conjuntura lhe proporcionou. A sua vitória o qualificava não apenas para fazer uma gestão correta do ponto de vista administrativo. A sua
campanha explorou convenientemente a imagem de bom administrador, de
empresário, de falta de experiência política e, portanto, de chegar à vida
política livre dos vícios e mazelas que a sociedade tanto critica: aqueles que fazem da política uma profissão e uma atividade econômica. Também foi
promovida, durante a campanha, a imagem de homem probo e a de homem rico, que
poderia prescindir até do seu salário e não precisaria se corromper, caso fosse
eleito. A mensagem foi recebida pela maioria do eleitorado que o elegeu.
O erro fatal do
eleitorado foi acreditar que Udo Dohler representava uma mudança, que as coisas mudariam de forma suficientemente radical para dirigir Joinville à direção certa. As urnas mostraram repúdio pelas últimas administrações. Ele é, no melhor dos casos, uma espécie de oportunista. A
pessoa errada no lugar certo e na hora certa. Udo nunca promoverá uma revolução,
na sua definição mais pura. O máximo que aspira é que as coisas funcionem
melhor, de forma mais rápida e sejam mais simples. Portanto, a lógica
de fazer melhor as coisas passa longe de repensar o que deve
ser feito e como deve ser feito. Um bom conselho seria o de lembrar que não há
nada mais estúpido que fazer bem feito algo que não precisa ser feito.
Quem acompanhe a
biografia do prefeito dificilmente encontrará nela traços do revolucionário. Ao
contrário, sua intima relação com o poder econômico, do qual ele faz parte, o
impede de liderar o processo de mudança social e política que Joinville
precisa. A imagem de executivo
competente precisará se sustentar em resultados concretos, sob risco de cair na
mesmice. A imagem de homem probo esta agora vinculada, também, aos demais nomes que
escolheu para formar sua equipe.
A imagem de político habilidoso esta hoje mais próxima do velho “toma lá dá cá” que é a velha forma de fazer política. A distribuição de cargos comissionados, privilegiando articulações e politicagem ante a competência e honestidade são a melhor prova que falta coragem e capacidade para fazer o que deve ser feito. Tinha o crédito e a confiança da população para agir, optou por não fazê-lo. Escolheu não promover as mudanças sociais e políticas que a cidade precisa e manter o equilíbrio do poder. Sem surpresas.
A imagem de político habilidoso esta hoje mais próxima do velho “toma lá dá cá” que é a velha forma de fazer política. A distribuição de cargos comissionados, privilegiando articulações e politicagem ante a competência e honestidade são a melhor prova que falta coragem e capacidade para fazer o que deve ser feito. Tinha o crédito e a confiança da população para agir, optou por não fazê-lo. Escolheu não promover as mudanças sociais e políticas que a cidade precisa e manter o equilíbrio do poder. Sem surpresas.
Se alguém acreditou,
de verdade, que ele seria a pessoa que promoveria esta mudança e que o faria
enfrentando os interesses dos seus financiadores de campanha - ou de seus
companheiros de ACIJ - e que o faria contrariando os interesses da elite de que
faz parte, então foi iludido. Udo é, no melhor dos casos, uma oportunidade
perdida. Um bom gerente que administrara melhor. Para alguns isso já é muito. E não devemos criticar quem pense assim: depois de tantos
descalabros, um pouco de mediania é o menos ruim para Joinville.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Federalização do sistema Acafe: hora de retomar o debate
POR LEONEL CAMASÃO*
Uma universidade plural, democrática, com amplas referências do saber e do conhecimento podem mudar a cara de uma cidade. Mas não é esse o projeto de educação superior que está reservado para a nossa cidade.
Reportagem de A Notícia - que foca a ansiedade dos estudantes, a preparação para o vestibular e outros detalhes - não problematiza o baixíssimo percentual de vagas oferecidas no ensino público. Apenas 794 em três instituições, ante 7.715 vagas oferecidas no ensino privado, em 10 estabelecimentos.
Esses números são alarmantes e destoam completamente do cenário nacional. Enquanto no Brasil, 26,3% dos estudantes de ensino superior estudam em universidades públicas – o que já é baixo -, em Joinville, este número é três vezes menor: apenas 9% das vagas disponíveis para o vestibular 2013 são públicas, ante 91% das universidades privadas.
Estes dados demonstram que a mercantilização do Ensino Superior iniciada nos anos FHC se aprofundou ainda mais na era Lula/Dilma através de incentivos fiscais e programas de compra de vagas ociosas (vendidos como "Programas de Bolsas de Estudo").
Obviamente, não é possível convencer um estudante que só faz o ensino superior graças ao ProUni de que esta é uma política ruim. Do ponto de vista individual, obviamente que é uma política satisfatória, afinal, leva milhares de estudantes que nunca teriam condições de pagar as altas mensalidades ao ensino superior.
Entretanto, do ponto de vista global, esta política se transformou em um verdadeiro programa de transferência de renda para conter a crise no setor educacional. Depois da expansão dos anos FHC, muitas instituições investiram mais do que tinham, e caminhavam para a bancarrota. Programas como ProUni e Fies garantem que estas instituições permaneçam existindo, com dinheiro público, e até mesmo, façam grandes expansões. O ensino superior privado cresceu 30% em 2012 em relação a 2011.
Se, ao invés de comprar vagas em instituições privadas de qualidade em geral duvidosa, ampliássemos o número de instituições e cursos superiores públicos? Estaríamos caminhando para um cenário muito melhor para Joinville e para o país.
Em Joinville, metade das vagas no ensino privado estão concentradas na Univille e na Unisociesc, a primeira, "comunitária", e a segunda, privada ao estilo clássico. Neste cenário, as universidades "comunitárias" cotinuam a ser um modelo sui generis catarinense. Na hora de buscar recursos do governo, são públicas. Na hora de prestar contas, eleger reitores e cobrar mensalidades altíssimas, são privadas.
Por isso, faz-se necessário retomar o debate sobre a federalização do sistema Acafe. A administração destas IES se tornaram verdadeiras caixas-preta, que precisam ser abertas. As "comunitárias" concentram 70% dos alunos catarinenses. Sua federalização não só é possível, como necessária para melhorar a qualidade da educação em nosso estado e interiorizar o ensino público e gratuito.
Os estudantes de Blumenau nos servem de exemplo em sua luta pela federalização da Furb. É hora de retomar este debate junto à sociedade e à juventude que foi às ruas exigir mudanças.
*Jornalista e presidente do PSOL Santa Catarina
Adensar para segregar?
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Curitiba é uma cidade em que o adensamento, ao longo do tempo, promoveu a segregação. |
As discussões sobre a nova Lei de Ordenamento Territorial (LOT) estão cada vez mais complexas, escondendo em suas minúcias relações que devastarão o espaço urbano de Joinville, ao promover segregação socioespacial e expulsar o pobre para as periferias mais longínquas.
Isto se consolida na atual proposta das faixas viárias, dita (erroneamente) como a melhor solução para o adensamento urbano, pois flexibilizam o uso do solo em 168 ruas da cidade, levando indústrias, comércios, prédios para todas as partes de Joinville. Esta lógica seria a mais correta, se não fosse um detalhe: não há, em nenhum momento, uma ligação entre adensamento e incentivo à construção de moradias de interesse social. É um perigo, pois, recai-se sobre um processo que facilitará as regras para a especulação imobiliária (construindo prédios por toda a cidade) e colocará a qualidade de vida em risco (principalmente com a liberação de indústrias por todos os cantos), sem interligação com qualquer plano de mobilidade. Não esquecendo que, com as faixas viárias, o adensamento proposto segregará a população de baixa renda, pois esta não terá condições de comprar um imóvel nas faixas viárias, sobretudo após a valorização do preço da terra nestas regiões.
Se os mais pobres não possuirão condições de comprar terra em uma faixa viária, e nem há instrumentos para fixação de moradias populares nestas faixas, o que sobra para o cidadão que luta diariamente para sobreviver, sem moradia digna? Ele irá, com certeza, para regiões mais distantes ainda, nos extremos de Joinville, ocupando irregularmente áreas rurais, ou comprando loteamentos baratos e sem infraestrutura, desconexas dos seus afazeres diários, e oriundos do espraiamento urbano criado também pela nova e incoerente LOT.
Sendo assim, o mesmo poder público que quer adensar para poucos, espraia para muitos. Os mesmos que querem levar para perto da população a urbanidade, promovem a segregação.
Adensar a cidade é o melhor caminho, mas não desta forma. Regularizar o IPTU progressivo e delimitar áreas para interesse social na centralidade de Joinville são meios muito mais eficientes, sem segregar os mais pobres, e inserindo a população em uma verdadeira democracia urbana.
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