POR FELIPE SILVEIRA
Na discussão sobre o uso dos espaços públicos em Joinville, um comentário me chamou muito a atenção. Bastante gente falou sobre a impossibilidade de levar as famílias/crianças aos parques e praças quando estes são tomados pelos jovens, que “fazem baderna” (como beber, fumar, fazer malabares e usar drogas) e deixam tudo sujo. Apesar de achar que há um exagero nesse comentário, acredito também que ele tenha alguma razão de ser e que é preciso pensar sobre o assunto para achar uma solução - e não apenas empurrar “soluções” goela abaixo, de um lado ou de outro.
A cultura joinvilense não é a do uso do espaço público. Foi nos anos 60 e 70, com a necessidade de manter o controle da sociedade, transformada pela forte migração de trabalhadores, que se criou a cultura do lazer no espaço privado. Assim, as recreativas das empresas tomaram o espaço dos parques e praças da cidade, que foram abandonados e marginalizados. Eu mesmo cresci, nos anos 80 e 90, vendo a praça Dario Salles como um lugar marginal e frequentando a recreativa de grandes empresas da cidade, onde pai e tios trabalhavam.
A recreativa, porém, é muito diferente da praça. Ela é uma extensão do trabalho, onde o trabalhador e sua família é vigiado pelo patrão e pelos colegas. É preciso andar na linha e essa cultura é muito forte ainda hoje. Quem trabalha ou trabalhou no chão de fábrica (meu caso) sabe como é.
No entanto, na última década, e mais fortemente no governo Carlito Merss (2009-2012), os espaços públicos começaram a ser tratados de outra maneira pelo poder público. E, como o próprio Carlito dizia, a partir de uma demanda da população, que votou maciçamente para investir em áreas de lazer na experiência do Orçamento Participativo.
Digo isso para chegar à seguinte conclusão: temos pouquíssimos espaços públicos de lazer e uma cultura de convivência que ainda engatinha, pois ainda é assolada por uma ideia de sociedade vigiada e controlada pelo poder do capital.
É, então, por isso que eu imagino que um “joinvilense tradicional” tenha dificuldades para dividir o espaço com adolescentes barulhentos com cabelos esquisitos e coloridos que deixam garrafas de cerveja e chepas de cigarro espalhadas pelos parques.
Acredito, portanto, que é preciso construir essa cultura de convivência nos parques e praças. E é curioso porque a própria ideia de uso dos parques e praças tem esse objetivo de ser um lugar de convivência. Essa construção, na minha opinião, poderia começar pelos seguintes itens:
1) Investir na criação de mais espaços públicos e na estrutura dos que já existem. Ainda há poucos parques para serem usados pela população. Eu, por exemplo, estou procurando uma casa para alugar que fique próxima ao Parque da Cidade, pois gosto de jogar basquete, correr e fazer exercícios por lá. Se tivesse um espaço no Saguaçu, onde moro, no qual eu pudesse fazer isso, eu certamente faria bem mais uso do que faço atualmente. A mesma coisa vale para o Parque das Águas, ao lado da Cidadela Cultural Antarctica. Gostaria de fazer mais piqueniques lá, mas já desanimei várias vezes por ser longe de casa.
2) Trabalhar uma cultura de pertencimento da comunidade. O espaço público tem que ser usado e cuidado pela comunidade do local onde ele está inserido. Às vezes ele é visto pela própria comunidade como algo ruim, por causa da “baderna”.
3) Trabalhar contra a demonização da juventude. Eu sei que às vezes somos mesmos uns “demonhos” (pra ficar no dialeto local), mas não é tanto como as pessoas mais conservadoras veem. Tem barulho, tem bebida, tem fumaça, mas isso não pode ser visto como coisa do tinhoso porque simplesmente não é. Tem um preconceito de classe e estético aí que tem que ser combatido.
4) Trabalhar a conscientização em relação à limpeza. Eu, sinceramente, não sei como alguém tem coragem de ir num lugar, sujar e sair sem pelo menos ficar constrangido. Mas sei que isso existe e que vai ser assim por um bom tempo. É preciso trabalhar pela conscientização de todos em relação a isso. Não só da juventude, que muitas vezes sai como culpada por um problema que é de todos. Não isento, porém, a prefeitura da responsabilidade de limpeza e manutenção desses espaços.
Esse é somente o princípio de um diálogo que deve envolver a todos. Essas são as minhas sugestões para resolver o problema, sem pensar tanto em culpar um lado ou outro. E vocês, têm alguma sugestão?
Em tempo, sobre a tragédia em São Chico
Todo o meu apoio e solidariedade aos cidadãos de São Chico e aos bombeiros, policiais e outros profissionais que estão trabalhando para resolver o problema. É uma situação muito triste para as pessoas, para a fauna e para a flora de uma das regiões mais lindas do Brasil. Ainda há muitas dúvidas a respeito das consequências e eu torço para que sejam as mais amenas possíveis.