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terça-feira, 7 de março de 2017

Dia das mulheres: da luta ao consumo

POR SORAYA BARRETO
Embora algumas autoras tenham desmitificado o episódio que envolveu mulheres queimadas vivas numa fábrica inglesa, a data que marca o “Dia Internacional das Mulheres” é um dia de luta e reflexão sobre direitos, conquistas e perdas para mulheres ao redor do mundo. O 8 de Março é para todas nós necessário pelos diversos tipos de opressões e violências ainda vivenciadas pelas mulheres, em um suposto estado de direitos, até hoje. No dia em que nós, mulheres, formos verdadeiramente tratadas como iguais poderemos celebrar essa data, transformá-la em uma comemoração, por enquanto, ainda é uma dia à refletir, protestar e lutar.

Notamos desde as flores e chocolates, até as campanhas de cosméticos que a data vem ganhando uma significação capitalista esvaziada de seu verdadeiro teor. O 8 de março começou a ser explorado de forma comercial no inicio da década de 90. Muito diferente do real sentido concebido em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, na Dinamarca. A resolução propunha a criação de uma data anual para o debate dos direitos da mulher, e o objetivo era refletir sobre as lutas femininas e dessa forma obter suporte para conquistar o sufrágio universal.

Os Feminismos devem ser entendidos como movimentos sociais e populares que estão em luta, denunciando as diversas formas de opressão contra as mulheres, principalmente na lógica social que combina patriarcado e capitalismo. Este se fundamenta no incentivo ao consumo orientando a vida e as relações de poder, sendo fácil perceber a expansão da mercantilização em todas as suas dimensões. Sentimos este impacto especialmente com a exploração do corpo das mulheres e ao incentivo aos ditos papéis sociais, instituídos socialmente para as mulheres em “lugares domesticados” e inferiorizados.

Como exemplo, podemos citar a atual campanha da livraria Saraiva que lançou recentemente uma campanha para a “comemoração” desse dia de luta, promovendo 50% de desconto na compra de livros. Entretanto, o site da livraria disponibiliza apenas alguns títulos e temas específicos: “Os livros foram divididos nas categorias femininas: com atitude, românticas, que se cuidam, fashionistas, religiosas, que gostam de dançar, que fizeram história, mamães, de negócios, organizadas, geeks, conectadas, que curtem boa música ou que amam filme com pipoca”. Afinal de contas é assim que somos vistas, como cuidadoras, vaidosas e mães, com gêneros literários relacionados ao que se chama de “universo feminino”. O desconto não é válido para as áreas de exatas como Contabilidade e Engenharias, nem de saúde como as Ciências Biológicas, Medicina e muito menos Tecnologia. Fica claro o lugar da mulher e a ótica do consumo feminino pelas marcas. 

Conquistamos muito na ordem jurídica, mas ainda nos falta tanto para o real sentido de equidade social e a sua vivencia de forma plena. E contra esse esvaziamento do real sentido da data, pela crescente violência contra as mulheres e as perdas de direitos conquistados, iremos parar no dia 8 de março. 

É imatura e arcaica a forma como as marcas dialogam com as mulheres. Falta consultoria de gênero, estratégias que dialoguem com a equidade de gênero.



Soraya Barreto é professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco, Coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda UFPE e Coordenadora do OBMÍDIA - Observatório de Mídia: Gênero, Democracia e Direitos Humanos da UFPE

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Plano de Educação: um choque ideológico.

POR PEDRO LEAL

Enquanto gênero é mantido fora do plano, uma realidade
cruel é exposta por movimentos sociais. Foto por Jéssica Michels
Aconteceu: a revelia dos movimentos sociais, que julgavam o plano incompleto e que não foram ouvidos, o Plano Municipal de Educação foi aprovado pela câmara, com apenas um voto contrário. Enquanto alguns podem ver a aprovação do plano como algo positivo e vantajoso para a cidade (afinal, é um plano de educação, e quem poderia ser contra um plano de educação, não é?), a aprovação em primeira instância é um problema significativo.

Em uma cidade com 17% de negros, e em um país que acumula casos diários de machismo, homofobia e transfobia, as minorias foram deixadas de lado. Embora o estado brasileiro seja nominalmente laico, a intromissão religiosa no poder público é cada vez mais comum. E tudo isso se faz manifesto em um plano de educação que, a revelia de recomendações da ONU e da Unesco, a revelia de legislação federal, e a revelia do princípio de laicidade, deixa de fora discussões importantes sobre raça, gênero, religião e orientação sexual.

Como notou em seu pronunciamento durante a sessão a outrora colunista do Chuva Ácida Emmanuelle Carvalho, estamos em uma cidade que ignora o ensino de história e cultura africana, determinado em lei desde 2003. Do contrário: professores tem sido impedidos de lecionar a respeito das religiões de matriz africana, ante a pressão por parte de conservadores. Coisa que não ocorre apenas em Joinville. Alunos de religiões africanas estão entre as principais vítimas de discriminação religiosa no país - e a escola é onde elas se sentem mais discriminadas.

Da mesma maneira, há um forte movimento organizado para impedir a inclusão de discussões sobre discriminação sexual e identidade de gênero nas escolas, assim como para combater a discriminação religiosa. Isso porque ao buscar a igualdade de direitos e a tolerância, as escolas estariam “passando por cima de valores familiares” e “anulando a identidade da criança”. Da mesma maneira, o reconhecimento da identidade de gênero ou da orientação sexual do jovem é vista por estes como "imposição". Sua negação, "seguir a natureza". Um paradoxo onde respeitar os desejos do indivíduo é impor, e negar sua essência é "dar liberdade". Lembrando que as tentativas de "endireitar" jovens LGBT são violentas, agressivas e muitas vezes terminam por condená-los a abandonar os estudos e o convívio familiar.

Grupos conservadores veem isso como imposição de “ideologia de gênero” e “intolerância religiosa” (sim, combater a discriminação de não cristãos é intolerância religiosas para alguns). como se a presunção tradicional quanto aos papéis de gênero e a heteronormatividade imposta não fossem também ideológicos. E como se fosse um direito impor seus preconceitos e suas opiniões sobre as crianças - argumento que nos EUA já foi usado para ditar o que pode ser ensinado em aulas de ciências e história, incluindo para tentar apagar menções ao período escravocrata.

Não há tal coisa como um discurso isento de ideologia. Como já bem dizia Bakhtin, todo signo é ideológico, seu significado dado pelo contexto e por construções sociais. E por extensão, toda linguagem o é. Dessa maneira, a ideia de um discurso, um uso deliberado da linguagem, que seja isenta de preconcepções ideológicas é um completo oximoro, tal qual “água seca” ou “gelo quente”.

A aprovação do plano de educação como está, o asco contra “ideologia de gênero” e a resistência contra o reconhecimento da laicidade estatal são provas fortes do debate ideológico que nos cerca: um embate entre um status quo vigente que se julga isento de ideologias e se vê ameaçado pelas tentativas de mudar o quadro social. E que se julga “igualitário” enquanto excluí aqueles que não se encaixam dentro de sua visão de mundo. Visão de mundo que teimosamente se diz "neutra" e "natural", isenta de preconceitos. Que se enxerga como a pura verdade, sem "corrupções'.

Vários dos tópicos que foram excluídos do plano quando este foi apresentado em junho foram justificados como formas de "evitar a intolerância religiosa contra cristãos". Pois bem: se permitirmos a discriminação para evitar a "intolerância pela discordância" (que me leva a pergunta em como reconhecer pessoas trans- por seu gênero ou reconhecer os direitos de outras crenças, por exemplo, prejudica religiosos), não estamos combatendo um preconceito. Estamos colocando este um grupo acima de todos. E isso é terrível para a democracia e para o convívio social.

Que esses problemas sejam corrigidos pela Comissão de Educação -  e que esta ouça os movimentos sociais ignorados na elaboração do plano. Eu me aprofundaria mais nos problemas em específico, mas acho que essa é uma tarefa para os membros dos movimentos sociais envolvidos - mais capacitados do que eu para falar dessas questões.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Na maternagem e no feminismo

Gabriela com 6 meses e eu,
  mamando e viajando.

POR FERNANDA M. POMPERMAIER

Desde muito cedo eu soube que era feminista. Talvez não reconhecesse todas as facetas e sutilezas do machismo, mas identificava as suas principais construções e me incomodava muito com elas. Quis sempre provar que mulher pode e deve fazer o que quiser, quando quiser e como quiser. Lutei bravamente contra serviços domésticos, cozinha, padrão de beleza, agradar homem e tudo que eu achava que o machismo trazia consigo. Fumei, bebi, fiz tatuagem, pintei cabelo, tudo para demonstrar minha rebeldia à esses padrões estabelecidos, (pensava eu). Nunca fui a quietinha, comportada, princesinha, e eu me orgulhava de ser diferente. Hoje minha relação está melhor estabelecida com a cozinha, a limpeza ou os homens, reconheço suas respectivas necessidades e importâncias. 

Um casamento feminista se torna no início um pouco mais trabalhoso que um "convencional" porque existem algumas arestas a serem podadas. Os papéis não estão definidos no padrão "sociedade tradicional" e algumas questões precisam ser dialogadas para se chegar em consenso. Meu marido, é lógico, também é feminista e nesses 10 anos juntos construímos um relacionamento bastante igualitário. É válido salientar que as conquistas feministas acontecem geralmente sob protesto do grupo que, acostumado com o status quo, deseja manter tudinho como está. É necessário que as mudanças se iniciem do lado do oprimido pois de outra forma, elas não se legitimam. Digo isso para expor que, apesar de ser extremamente importante a abertura para diálogo e a recepção do marido nas discussões, o protagonismo das mudanças é da mulher. Sem nenhuma dúvida, é ela que precisa protestar quando sentir que algo no relacionamento está injusto. E é claro que muitas vezes, eu protestei. Detesto manifestações de controle e qualquer tentativa de regrar meu comportamento, decisões ou roupas podia ser motivo de briga, mesmo que fosse exposto às vezes apenas como uma opinião.

Bom, fechado o parênteses e voltando ao tema, feminista resolvida, eu virei mãe. E a maternidade nos leva a uma dedicação intensa especialmente nos primeiros meses. São novas questões relacionadas diretamente com aquele medo constante de virar dona de casa e acabar tendo mais responsabilidades que o pai, de acabar se anulando profissionalmente ou como indivíduo para se transformar apenas na mãe. O estado ajuda a discriminar a mulher oferecendo 4 a 6 meses de licença maternidade e para o homem apenas alguns dia. É a forma oficial do governo dizer: o pai não tem nada a ver com isso, vc, mãe, que deu, e engravidou, dê conta disso sozinha. O cúmulo do machismo. Mas por sorte, tive tempo e disposição para ler, boas companhias e pessoas próximas que me ajudaram a perceber que não existe nada de errado em ser mãe e ser feminista. Ambos podem e precisam viver simultâneamente, para construir uma maternidade mais coerente com o mundo atual.

E como é uma mãe feminista?

Sob o meu ponto de vista é uma mãe que:

- Vai tentar não imprimir em seus filhos estereótipos de gênero. Qualquer coisa que venha acompanhada de: "isso é pra menina" ou "isso é coisa de menino" não serve numa educação moderna. Jogamos fora, é lixo. Tudo é para todos ou o que não é pra todos não é para ninguém.

- Vai dar o máximo de si para ser uma boa mãe, sem achar que esse é seu único papel no mundo. Que os filhos percebam que a vida da mulher é feita de conquistas em diferentes áreas e que não é preciso ser perfeita em tudo. 

- Vai se esforçar para amamentar e ter parto natural, porque sabe que seu corpo e do seu filho assim desejam.

- Vai buscar relacionar a maternidade com satisfação e prazer, nunca com dor, sofrimento ou culpa relacionadas à sacrifícios.

- Vai estabelecer uma relação saudável de troca de carinho que não seja baseada na chantagem ou no sentimento de dívida com os pais por ter recebido a vida, casa ou comida. 

-  Não vai impor papéis sociais "pré-determinados" esperando que menina goste de boneca e não de vídeo-game ou que seja vaidosa e doce e o menino agressivo e forte. Fazer isso oferecendo brinquedos diversos e construindo senso crítico. Vai buscar elogiar usando palavras como: corajosa, independente, inteligente ou feliz.

- Vai buscar quebrar com a ditadura da beleza: da princesa que é loira e de olhos azuis. Vai mostrar a beleza dos cabelos negros, encaracolados, da mulher de quadril largo, de corpo robusto, da idosa ou da cadeirante. E vai mostrar que não há nenhum problema em se ter pêlos no corpo. 

- Vai respeitar sua orientação sexual, seja ela hetero, homo ou bi. 

- Vai respeitar sua identidade de gênero, seja cis ou transgênero. 

- Vai ensinar a respeitar seu corpo, seus desejos, seus limites. Que sim seja sim e não seja não.

- Vai auxiliar na descoberta da sexualidade, oferecendo informação, diálogo aberto e fugindo de moralismos estúpidos.

Eu poderia continuar com a lista, on and on, mas vamos combinar que dando conta dessa aqui, já fazemos nossa pequena revolução.
É possível ser feminista e viver a maternidade com toda a sua intensidade num relacionamento igualitário. É o que desejo à todas (os) nós!
Tudo por um mundo muito mais feliz, aberto e receptivo. 

domingo, 9 de dezembro de 2012

Publicidade e a questão de gênero

POR FERNANDA POMPERMAIER

Existe uma ligação, pouco sutil por sinal, entre a forma como educamos crianças e seus comportamentos no futuro como adultos. A falta de igualdade entre os gêneros é uma realidade indiscutível no Brasil. Mulheres ainda ganham menos tendo as mesmas funções, sofrem mais com violência doméstica, são reprimidas por seu comportamento sexual (vê-se ofensas como puta, vadia, vagabunda, todas relacionadas à quantidade de parceiros), sofrem pressão social para serem bonitas, magras, terem filhos, não abortar, enfim. Estamos longe de viver numa sociedade que proporcione o mesmo tratamento à homens e mulheres.

A Suécia há muitos anos discute essa questão e nota-se no dia a dia a diferença. Os homens não tem o hábito de olhar para as mulheres de forma maliciosa, sabe aquela secada? Não existe. Mesmo que a mulher esteja de míni-saia. E isso acontece porque para ele, ela é uma igual e não um objeto de desejo que precisa ser apreciado. É muito comum ver homens empurrando carrinhos de bebês, fazendo sua parte nos afazeres domésticos, conversando ou negociando com a mulheres com respeito e igualdade. Esses são apenas alguns exemplos, eu poderia continuar On and On. Há 3 semanas, por exemplo, meu marido teve na empresa, uma palestra com todos os funcionários sobre a igualdade de gêneros. As iniciativas estão em todos os espaços, toda a cultura da sociedade tem essa questão em pensamento. E é claro que isso reflete na publicidade.

Aqui vou abrir um parêntese, em algum momento da minha vida eu achei que a televisão aberta brasileira era essa porcaria porque era isso que a maioria das pessoas queriam ver e claro, dá audiência. Hoje penso que a televisão é responsável pela construção intelectual do seu público.   Por exemplo, algumas pessoas, como eu, acham absurda a quantidade excessiva de mulheres semi-nuas na nossa tv. Você quase não consegue assistir um programa sem que apareça alguém sem roupa, um estímulo sexual que eu preferiria guardar para um momento a dois e não assistir com a família inteira no sofá da sala. Mas quem nasceu após os anos 80 ou 90 está tão habituado a essas imagens que nem as percebe mais. Que tipo de exigência tem esse telespectador? Se boa parte da sua formação cultural esta relacionada a nossa tv, estamos ferrados.

Voltando à publicidade.

Podemos achar que o anúncio que ponho a seguir é um resultado da cultura sueca ou ele foi elaborado com o objetivo de colaborar com a igualdade entre os gêneros dentro da cultura sueca?

Para quem acha estranho ver menino brincar de boneca, como pedagoga te digo que a criança brinca para compreender o mundo adulto. Se ela vê o pai cuidando de um bebê, ela vai querer repetir o gesto e experimentar essa sensação. Se você como pai quer participar de verdade da vida do filho tem que estar presente em todos os momentos, não só quando está limpo e alimentado. Então compreenda que essa é uma brincadeira importante e inofensiva.

O anúncio é atual e certeza, tem o objetivo de vender para pais conscientes de que seus filhos tem o direito de brincar sem repressão.

http://laughingsquid.com/swedish-toy-company-publishes-a-gender-neutral-holiday-toy-catalog/

Fernanda é joinvilense, professora de educação infantil e mora na Suécia há quase 2 anos. Escreve o http://vivernasuecia.blogspot.com.br/