sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um estranho no ninho.


Nem só de parklets vive uma cidade








POR SALVADOR NETO

Parklets. A maior cidade do estado de Santa Catarina, que ainda não tem um parque municipal de respeito, mal mantém suas poucas e pequenas praças, expõe seus ciclistas ao perigo em ciclofaixas que tentam se adequar ao planejamento urbano voltado aos veículos, sem continuidade, ligação e interligações seguras, e briga para desviar dos buracos que insistem em se multiplicar diante da inércia da administração Udo Döhler (PMDB), tem agora uma novidade americana. Vagas que anteriormente eram para estacionamento de carros agora poderão se transformar em espaços de convivência, lazer e até cultura.

Meritória a iniciativa que se espelha e faz uma espécie de benchmarking urbano da administração petista de Fernando Haddad em São Paulo, pioneira na implantação dos tais parklets no Brasil. A diferença da maior daqui para a maior de lá e do país é que lá há um movimento planejado de mudança cultural liderado pelo Prefeito e Governo.

Estão em mudança, dura inclusive, a velocidade máxima nas vias, implantação de corredores de ônibus, ciclovias imensas, sinalizadas, e junto os agora famosos parklets, entre outras medidas. Algo sinérgico, compreendido primeiro pela administração, e depois em esforço monumental de convencimento e comunicação. Algo ousado, novo, articulado.


Os parklets são uma grande ideia, assim como seriam – e podem vir a lançar em breve já que temos eleições ano que vem – os pocket parks, pracinhas que diferentemente dos parklets, que são criados na via pública, aproveitam espaços vazios no nível da calçada.

São Paulo também já tem estes espaços ainda em início de implantação como no caso da pracinha Oscar Freire.
Ela foi feita numa antiga rampa de estacionamento de carros e hoje é uma área de convivência de 200 metros quadrados com lugar para sentar, trabalhar, fazer projetos culturais, entre outras coisas para fazer a cidade viva. Mas é preciso que ano sejam apenas instrumentos de marketing. E que comecem pelos bairros, tão lembrados nas promessas, e tão esquecidos depois, e até na hora dos parklets.

O desejo da cidade, um ser vivo que pulsa e espera motivação e empenho de seus líderes, é não viver somente de ideias copiadas, douradas como a novidade, sem um projeto que a sustente, para todos.

Joinville precisa é de um novo conceito para crescer e se desenvolver. É comum que os lideres políticos se sucedam lançando factoides, modernismos, jogando para o imaginário popular uma cidade que se transforma num piscar de olhos pelas mãos de um messias.

Enganam o povo com as bravatas e algumas novidades importantes e bacanas como essa, mas que não tem em seu bojo um processo verdadeiro de continuidade, de planejamento, de crença coletiva no sonho de uma cidade com melhor qualidade de vida. Um prefeito deve ser o grande motivador, maestro desse sonho, desse projeto. Infelizmente, não temos tal maestro. E pelo que vemos para 2016, ainda não teremos.

As promessas e frases de efeito como “não falta dinheiro, falta é gestão”, “vamos pavimentar 300 km de ruas”, “os bairros serão prioridade”, “a ponte do Adhemar Garcia vai sair”, feitas pelo atual alcaide, brincam com o futuro da coletividade porque projetam apenas miragens. Produzem na população a descrença na política, nos políticos, espantando novos líderes, e promovendo a mesmice que mantém a cidade paralisada. De nada adiante termos indústrias de ponta se não temos a infraestrutura urbana, a mobilidade, a cultura, andando na mesma toada.

Uma cidade não pode ser um mero brinquedo nas mãos dos gestores de plantão. Ela pertence aos seus cidadãos, com seus filhos e filhas. Eles têm sonhos de andar em ruas pavimentadas, serem atendidos com brevidade nas unidades de saúde, obter os remédios sem falta de continuidade, passear com seus filhos em praças e parques cuidados, pedalar por ciclovias, e ciclofaixas, seguras, interligadas, ou mesmo transitar pela cidade em ruas bem cuidadas e sinalizadas.

Nem só de parklets, anúncios e peças publicitárias de aprendizes de Goebbels vive uma cidade. É preciso mais, muito mais.

É assim, nas teias do poder...

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Proteção.


Um rompimento necessário - CHUVA ÁCIDA 4 ANOS

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Alguns momentos de nossas vidas são marcantes, mas não se comparam aqueles que rompem com algo pré-determinado. A cidade de Joinville, tão acostumada a ler um tradicional jornal no café da manhã e assistir ao telejornal diário local passou a conviver com o blog Chuva Ácida à fórceps. Não havia até então uma plataforma online que rompesse com as tradições de uma sociedade inteira, diferentemente dos grandes centros, acostumados com o online.

O início do fim de uma era começou em setembro de 2011, quando alguns formadores de opinião se juntaram para debater aquilo que não era mostrado no dia-a-dia do vilarejo. Agora, quatro anos depois, é hora de fazer uma necessária comemoração. Pude fazer parte do projeto por, aproximadamente, três anos e meio. Emiti opiniões contundentes sobre vários assuntos que me custaram amizades, empregos e até mesmo o corte de relações sociais consolidadas de anos anteriores.

Ao longo dos quase 200 textos escritos consegui ajudar, junto aos colegas, na formação de algo jamais visto por aqui. Não me arrependo do que fiz neste espaço. Só pude aprender a crescer como pessoa e aceitar que o pensamento diferente do outro (seja esse um ataque pessoal sem motivo de um anônimo, ou uma crítica bem construída) solidifica o meu entendimento sobre as coisas, o qual mudou muito, felizmente, desde então.

Só tenho a agradecer aos amigos José Baço, Jordi Castan e Felipe Silveira pelo convite lá no início. Creio que, a partir de agora, a mídia tradicional da cidade passou a valorizar a troca de informações fora do seu espaço cercado-editado-censurado. O que as pessoas pensam, sentem e precisam saber nem sempre estampou as principais manchetes dos grandes grupos de comunicação, que viram no Chuva Ácida a ruína do modelo de monopólio (da expressão de uma cidade inteira) via poder financeiro.

Quantas pautas deles surgiram após denúncias de nosso blog? Ou, ainda: analistas políticos da TV, rádio e jornais não alcançaram tantos eleitores de forma direta como a nossa equipe nas eleições de 2012. Só pra citar alguns exemplos dentre tantos cases passíveis de lembrança.


O caminho que iniciamos lá atrás é bem aproveitado por todos atualmente. Movimentos sociais, subalternos e excluídos identificaram na internet um modo barato de atingir o maior número de pessoas possível. O elo definitivamente foi rompido, e há 1 milhão de motivos para comemorar, independente de qual margem do Cachoeira você estiver (ou no meio da poluição dele, como uns por aí).

* O Chuva Ácida está a completar 4 anos e convidou antigos integrantes do coletivo e pessoas que já colaboram com o blog para comentarem a data.

Vamos experimentar sem as rodinhas


Textos (s)em contextos


POR VALDETE DAUFEMBACK


Em todos os lugares, se observarmos bem, sob qualquer contexto nos permite extrair textos passíveis de reflexões teóricas. 

A sala de aula é um destes espaços onde permeia as contradições (no bom sentido) que provocam nas entrelinhas inúmeras abordagens reflexivas extra conteúdo programático. Vivencio todos os dias situações peculiares de grande relevância analítica, ora como professora, ora na condição de aluna. Certas expressões ou comentários renderiam artigos, teses, temas para seminários.

As redes sociais são emblemáticas nesse sentido. Com muita freqüência seus textos ou comentários, mesmo desprovidos de contexto, sem indicação de fontes confiáveis, são compartilhados e costumam pautar as discussões em vários ambientes, seja acadêmico ou não.

O alardeamento midiático sobre a “crise do país” possibilitou a qualquer um, sem conhecimento de política econômica, o poder de expor a sua “opinião”, sentenciando um futuro caótico à sociedade brasileira. Não estou negando a existência de uma crise econômica, até mesmo porque sabemos que este estado de letargia ou de inércia do mercado é extremamente salutar ao capital. Por meio da ideia de crise é que o capital se desloca de ambiente, as profissões se refazem pela contínua necessidade de aperfeiçoamento, se reduz a mão de obra e se eleva a produção com custos diminuídos.

Independentemente do teor da crise econômica, há uma crise de postura sobre os valores humanos, em que estes, os humanos, são representados pelo capital como instrumentos de reprodução de riqueza, pela constante disputa de poder entre classes sociais, pela exclusão das minorias, pelo extermínio de grupos residuais que ficaram à margem da distribuição de renda e de oportunidades de trabalho. Este sistema de disputa é tão perverso que leva pessoas não ricas a acreditarem e agirem como tal, defendendo os privilégios daquela e, ao mesmo tempo, condenando seus próprios pares, insultando-os com declarações de ódio, de difamação e todo tipo de ofensa, sob efeito da ignorância que não larga as entranhas cerebrais, por mais informações que se tenha e que estejam disponíveis. 

É grande a possibilidade de envenenamento ideológico pelas redes sociais quando não se tem discernimento político para entender as intenções de certos conteúdos postados. Invenções e difamação, deliberadamente passam a ser consideradas instrumentos de verdades. Se aceita com muita facilidade discursos propagadores de ódio, especialmente quando proferidos por quem jamais deveria ter crédito. Chega a ser preocupante a falta de critérios cognitivos de pessoas que se identificam como cristãs e, no entanto, estão na lista dos “adoradores de Sheherazade”, ou seguidores de Bolsonaro, de Feliciano, entre tantos outros que declaradamente já mostraram seu ódio contra as minorias, incitando abertamente a violência como instrumento de poder, constituindo-se uma total inversão de valores.

Estamos perdendo a capacidade de entender até mesmo que crianças e adolescente precisam ser protegidas contra todos os tipos de riscos, de violência, de abandono, de vulnerabilidade social, não só por força das leis, mas por reconhecer que o desenvolvimento moral e cognitivo de ser humano depende significativamente da sua relação com o meio e das condições materiais.  

 Motivados por argumentos epistemológicos da comunidade científica, acreditava-se que o conhecimento racional, a partir de debate reflexivo, substituiria o determinismo mecanicista e a ignorância. Hoje entendemos que ainda não alcançamos este ideal societário e que será preciso desequilibrar o senso comum e motivar o sentimento da dúvida para dela extrair critérios reflexivos que conduzam ao discernimento da justiça, da segurança e paz social. Neste aspecto, as instituições de ensino têm muito que aprender. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Quem aprende, nunca esquece.


Conectar-se ao mundo - CHUVA ÁCIDA 4 ANOS

POR CLÓVIS GRUNER*

“O convite para escrever no Chuva Ácida, agora como colaborador fixo, não apenas reforça o vínculo com uma cidade que, talvez, nunca venha a ser apenas um retrato na parede. Ele me coloca uma vez mais diante da tarefa de pensar sobre o lugar de Joinville em minha trajetória. (...)”

Começava assim meu primeiro texto no Chuva Ácida, publicado em 11 de maio de 2013. Outros vieram antes que eu deixasse o coletivo – o último foi publicado em 11 de dezembro de 2014. Em mais de um ano e 53 colunas publicadas, abordei assuntos os mais diversos, e apesar da identidade do blog com Joinville, em poucas ocasiões falei de temas locais. E, principalmente, consegui romper um pouco as regras e os limites por vezes estreitos do “academicês” para falar em uma linguagem mais clara, sobre temas mais urgentes e a um público leitor mais amplo e diversificado.

Esse ligeiro exercício de memória me ocorreu ao receber convite para escrever ao Chuva na semana em que o ele completa quatro anos e está próximo do seu primeiro milhão de acessos. Lembro que quando fui convidado a colaborar como integrante fixo, relutei um pouco. Basicamente, não imaginava o que teria a dizer em um blog escrito por joinvilenses – naturais ou adotivos, vivendo ou não na cidade –, já que eu havia deixado Joinville há mais de uma década (ou fugido dela, segundo um dos meus comentaristas anônimos). Não demorei a entender.

Virou quase lugar comum falar do Chuva como uma mídia alternativa, a oferecer um outro canal de circulação de notícias aos leitores joinvilenses que buscam, sobre a cidade, uma informação mais independente e crítica. Concordo: em uma cidade (um estado) onde os meios de comunicação são controlados por dois ou três grupos midiáticos que monopolizam a informação e domesticam o circuito de ideias, um blog como o Chuva Ácida é absolutamente vital à construção de um ambiente e uma cultura democráticos e pluralistas.

Mas não acho que seja apenas isso. Penso que, passados quatro anos, e sem precisar renunciar a seus objetivos e identidade originais, o Chuva cumpre hoje também outro papel: o de colocar Joinville no mundo e trazer o mundo para Joinville. Claro que isso já estava lá, em 2011, quando tudo começou: “O coletivo está focado na discussão da vida de Joinville, mas sem ser paroquial ou provinciano. Há também um lado cosmopolita, de atenção ao que se passa pelo mundo. Em tempos de revolução digital, a informação não conhece fronteiras”, diz o texto de apresentação, espécie de “cartão de visitas” do coletivo.


Mas o blog soube se tornar mais cosmopolita à medida, justamente, em que sua importância crescia. É como se, ao se tornar uma referência incontornável na mídia local, os objetivos que norteavam o Chuva desde sua criação pudessem ser aprofundados, incorporando novos colaboradores, abordando novos temas e confrontando novos problemas. Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades, afinal. Fico feliz em ter feito parte dessa experiência.


* O Chuva Ácida está a completar 4 anos e convidou antigos integrantes do coletivo e pessoas que já colaboram com o blog para comentarem a data.

O zapzap e o fascismo

POR FELIPE SILVEIRA

O desinteresse pelo conhecimento, penso, é um das mais graves causas e também consequência da múltipla crise que vivemos. Reparem nos seus ambientes, entre seus amigos, sua família, seu trabalho. Note a maneira como eles se informam, o que pensam sobre o mundo, como interagem socialmente. De modo geral, e há muitas exceções, estão todos ocupados com frivolidades, mas fazendo delas o referencial para as suas vidas.

O whatsapp tem ocupado, dia após dia, o posto de fonte de informação de uma parte considerável da sociedade. E lá na terra de ninguém há desinformações das piores espécies, trabalhando as mentes mais diversas, e muitas vezes fragilizadas, mentes.

Outra mudança de hábito provocada pela tecnologia e que interfere na questão é a informação por meio de canais de youtube. Eu, por exemplo, assino algumas dezenas deles. Mas tenho notado que é um hábito cada vez mais comuns de crianças, adolescentes e jovens. E, se por um lado há excelentes canais de informação, alguns dos mais populares se caracterizam pela edição socada de cortes, gritos, palavrões e "reflexões" que demonstram indignação com "tudo que está aí".

Não se trata aqui de ser contra as inovações, os novos hábitos, e muito menos de tratar os jovens como tontos alienados. Pelo contrário, cada nova tecnologia nos abre um universo de possibilidades e os jovens de hoje são pura potência e energia que é capaz de mudar o mundo. Mas se trata de refletir e entender como tudo isso nos afeta cotidianamente. E, se a crítica à política do "pão e circo" é mais velha do que Roma, é preciso reconhecer e entender como ela se apresenta hoje.

A desinformação é o adubo do fascismo que cresce a cada dia no Brasil. Eu imagino que tipos de conversas há nos whatsapps dos marombeiros da zona sul do Rio de Janeiro. Ou que tipo de informação busca um jovem que se torna neonazista. Fico pensando o que eles falam de imigrantes, dos "comunistas do PT", quais posts do Bolsonaro curtem.

A desinformação também impede que a sociedade veja as causas da violência que a assombra. Assim, pede mais violência como solução. Nessa levada, fica revoltada online, começa a curtir páginas de promoção do ódio e até a comemorar quando esse ódio se expressa em forma de violência, seja ela física ou simbólica.

Mas o pior do desinteresse pelo conhecimento é que ele impede a reflexão sobre uma solução para os problemas do país. Afinal, sem o povo não é possível mudança alguma. Mas o povo está ocupado demais recebendo, absorvendo e espalhando ódio no whats.

Culpar o povo, no entanto, é inútil. Quem deveria ter feito algo e não fez enquanto pode foi o Estado brasileiro, como destacou o jornalista e meu querido professor Samuel Lima na última vez que o vi. Ele lembrava da Conferência Nacional de Comunicação realizada no governo Lula, cujas metas propostas foram solenemente ignoradas pelo governo. Pensei, então, no que o Estado deixou de fazer em outros campos, como a educação. Ou de que forma o governo incluiu o povo na construção de um projeto de país. Os dias de hoje mostram que, se fez algo, foi insuficiente.

Mas nunca é tarde, embora tudo sugira o contrário, para mudar essa realidade. O conhecimento está aí, doido pra ser encontrado, usado e abusado. Basta que algo promova este encontro entre nós e ele. Quem sabe nós mesmos.