segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Uma sacanagem imobiliária, no centro da sua cidade



POR JORDI CASTAN


Compraram, às pressas, um imóvel a meio construir para a Secretaria de Educação, numa região em que o zoneamento não permite que funcione uma secretaria. Mas agora querem mudar a lei, para que possam usar. Sem apresentar nenhum estudo de impacto, sem considerar que uma Secretaria, como a de Educação, é um tremendo polo gerador de tráfego. A região tem hoje um zoneamento específico para preservar tanto a Rua das Palmeiras como o Museu Nacional de Colonização e o seu entorno, ambos tombados pelo IPHAN. Eis uma história sobre Joinville.

Retirem as crianças da sala. Vamos relatar uma sacanagem. Porque Joinville vem sendo sistematicamente sacaneada, envergonhada e destruída, até pelo poder público, que teria a obrigação de defendê-la e protegê-la da sanha especulativa e gananciosa. Alguém compraria um imóvel sem antes se informar da situação do imóvel? A resposta clara é "não". Ninguém faria uma besteira dessas. Ninguém? Você não imagina do que o poder público é capaz. 

Para evitar que pessoas menos esclarecidas possam ser enganadas por vendedores inescrupulosos, é corrente que se façam campanhas orientando sobre os passos a seguir antes de proceder a realizar um negocio imobiliário. O objetivo principal dessas campanhas de informação e esclarecimento é orientar o comprador sobre a legalidade registral e urbanística do imóvel. Também serve para divulgar os riscos da aquisição e utilização de um imóvel em situação irregular.

E assim ninguém compraria um imóvel localizado numa região em que o zoneamento não permita a instalação do negócio ou atividade a que o comprador se dedique ou pretenda implantar em aquele imóvel, certo? O bom senso diz que sim. A realidade de Joinville mostra outra situação muito diferente.

Para evitar riscos, a Prefeitura de Joinville fornece informações precisas sobre as normas urbanísticas que incidem sobre todos os imóveis localizados no seu território. Todos podem fazer consultas sobre qualquer imóvel, previamente à sua eventual aquisição, tanto para o alvará de obra, como para o alvará de localização de empreendedor individual, profissional autônomo ou de empresa. No caso do alvará de localização a SEMA (Secretaria do Meio Ambiente) informara se o zoneamento permite a atividade pretendida pelo empreendedor ou comprador.

Na capital do “fasejamento urbano”, a realidade não é bem esta. A legislação urbanística sofre constantes adaptações e mudanças para atender a interesses particulares. Pior ainda que esses estupros urbanos são elaborados, alcaguetados e gestados dentro dos próprios institutos e órgãos que deveriam zelar pelo cumprimento da lei. E com o interesse, entre outros menos transparentes, de atender empreendimentos já decididos, sem levar em consideração o que diz a lei, a lei que a maioria da população cumpre e respeita. Há uma longa lista de alterações pontuais para receber hospitais, secretarias municipais, shopping center, indústrias, centros comerciais...

Nessa “colcha de retalhos” em que Joinville tem se convertido, reflexo claro da união de interesses econômicos e conivência das autoridades municipais surge mais uma dessas propostas espúrias e vergonhosas, mais um estupro urbanístico, com direito a musica lenta, pouca luz, um ambiente intimo e acolhedor, para que possa parecer que foi um estupro consentido.

O vereador Claudio Aragão (PMDB - líder do governo) patrocina uma proposta que inclui, no Setor Especial do Patrimônio Ambiental Urbano (SE1) da Lei Complementar 312/10, o uso E 3.1. Arrisco a dizer que menos de 1% da população entendeu. É bom entender que isso é também parte da estratégia: confundir para vencer. Não vou aqui a questionar qual o interesse do vereador no projeto, porque o leitor poderá sacar as suas próprias conclusões. 

Uma delas é a de que a justificativa do projeto de lei nem explica nem justifica nada. Esclarecendo: o que o projeto pretende é incluir a atividade administrativa de órgão público federal, estadual ou municipal, sindicatos ou organizações de trabalho ou não governamental (E 3.1.) no setor delimitado pelas ruas do Príncipe, 3 de Maio, 7 de Setembro, Itajaí e Jeronimo Coelho. Ficou mais claro?

Sim, estamos falando do entorno da Rua das Palmeiras. Importante destacar que todo o entorno da Alameda Bruestlein tem um tratamento urbanístico especial para preservar a própria alameda. Garantir a insolação das palmeiras, o seu marco e destacar o sua importância como marco e referente histórico e paisagístico da cidade. Bom ainda acrescentar que a rua é tombada pelo IPHAN é forma parte do patrimônio cultural de Joinville.



Qual o real motivo por trás da proposta de “desordenamento territorial” do vereador, além do seu elevado espirito público e de atender os anseios da população?  É muito provável que o real motivo tenha que ser buscado na Lei 7332, de 06 de dezembro de 2012, no apagar das luzes do governo Carlito Merss e com a eleição já perdida, que autorizou o Município de Joinville a adquirir um imóvel fazendo frente para as Ruas 3 de Maio, Rio Branco e Alameda Bruestlein destinada para a instalação da Secretaria de Educação e outras repartições municipais.

O imóvel em questão carrega um pesado lastro. A sua licença de construção concedida na década de 80 foi aprovada pela famigerada comissão de urbanismo, criada com o único propósito de atender interesses a revelia da lei. A obra estava parada por anos. E se fosse pouco, a área construída chega ao limite estabelecido, um verdadeiro monstrengo localizado numa rua que é um marco histórico de Joinville.



Ao que parece nem a Prefeitura e nem a Câmara lembraram de fazer uma consulta prévia para verificar se o imóvel, adquirido por 6,5 milhões de reais no finalzinho do mandato, poderia servir para o fim ao que se destinava. É assim que se fazem as leis em Joinville? É assim que o executivo compra imóveis? É assim que a Câmara fiscaliza? Não será que há vício de origem? Não houve tempo para análise das condicionantes urbanísticas? E assim como a cidade vai sendo estuprada aos poucos e com alguns alegando que o estupro foi consentido. Feito dentro da legalidade e com direito a espumante.




Em tempo: o que vai ser feito com o imóvel que foi adquirido ainda em construção, com um uso determinado em desacordo com a legislação? Alguém vai ser responsabilizado? Vamos pôr panos quentes e tapar o sol com a peneira? E sobre o projeto de lei do líder do governo na Câmara, será solicitado analise de impacto de vizinhança para avaliar a mudança proposta? O entorno comporta o aumento de trafego que implantar a Secretaria de Educação lá vai representar? Há o numero de vagas que a legislação municipal obriga? Aliás, que péssimo exemplo o executivo está dando ao pedir ao seu líder que se preste a fazer uma papel desses. É vergonhoso. Lembrei agora que ética e moral não são pré-requisitos nem para entrar na política, nem para se eleger. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Barulho da Chuva #13


Legisladores da "causa" própria

POR SALVADOR NETO



Diárias para viagens nacionais e internacionais em busca de “subsídios” para embasar projetos. Carros alugados para deslocar suas excelências pelos bairros da cidade, com gasolina incluída. Assessores. Cotas para pagamento de fotocópias, telefonia, entre outros. Salários de 11 mil reais, e ao Presidente da Casa, quase 17 mil.

Um milhão em ruidosas catracas para “controle” do povo que acessa o legislativo. Homenagens comemorativas a pessoas, instituições. Vereadores denunciados por compra de votos, caixinha de 10% com salários de assessores, uso de laranjas para receber salário indevidamente, e outro que ataca cidadão que o cobra na Casa do Povo...


Com tantas mordomias, crescentes, diga-se de passagem, a população esperaria uma produtividade altíssima, um retorno devido diante do espetacular gasto público! Mas o que ela tem é um elenco de 19 eleitos cuja produtividade é baixíssima, e com resultados coletivos tacanhos, iníquos. Isso, a um custo de quase R$ 40 milhões ao ano, conforme orçamento.


Sinalização viária é miragem. Pavimentação de ruas, apenas uma longínqua lembrança das promessas feitas nas eleições de 2012. Saúde? Bom, neste setor não faltava dinheiro, faltava gestão, dizia o então candidato Udo, e hoje faltam ambos e mais alguma coisa, sem contar quedas de secretários de saúde, e ausência de quase todos os demais, por falta de ação mesmo.


Porque calam as vozes de 19 vereadores, quando deveriam gritar e denunciar as falhas da administração, cobrar solução, abrir investigações de fato, não de brincadeirinha? Em que mundo vivem os senhores vereadores do PMDB, PSDB, PP, PSD, PT, PPS, SD, PSC e PDT? Para quem legislam esses nobres vereadores tão regiamente e bem pagos, com todas as mordomias!


Produzir leis de alto nível que promovam a cidade de fato ao seu patamar merecido? Zero. Defender os direitos das minorias, dos operários, nada! E não adianta mostrar grandes números de projetos ajuntados com moções, indicações, tudo como diz o povo, encheção de linguiça. Não há qualidade, não há produtividade. Há somente jogo para a torcida, o discurso fácil.



Poderia elencar aqui mais dezenas de situações que envergonham a maior cidade catarinense justo no Poder Legislativo, o mais importante poder na democracia, a Casa que deveria a caixa de ressonância dos anseios, problemas, direitos dos cidadãos joinvilenses. Mas o que temos é isso.

Hoje, todos sabem, Joinville é uma cidade abandonada pela administração do PMDB, Governo Udo Döhler. Não há quem ande pelas ruas sem literalmente cair em buracos que já brigam por espaços entre eles. Nas praças e poucos parques, o mato é morador perene, sem ninguém da Prefeitura a importuná-lo, além de se deteriorarem a olhos vistos, vide Parque da Cidade.

O eleitor pergunta o tempo todo: por onde caminham, ou passam em seus carros alugados pagos com meu dinheiro, estes vereadores? Em quais ruas de qual cidade eles vivem? Em quais praças levam seus filhos? Como tratam seus pais idosos, crianças adoecidas, sem atenção básica de saúde, com falta de remédios, sem condições adequadas?

Eles legislam em causa própria. Comissões Processantes, ou de investigação contra eles próprios? Não abrem. Investigar o Prefeito após graves denúncias do Ministério Público pela falta de ação de governo na saúde? Abrem, mas com governistas a conduzir, sem perguntas sérias, sem busca de documentos, sem vontade política. Cortar gastos, mordomias, custos excessivos para os cofres públicos diante de grave crise financeira internacional que chegou ao país? Nada!

Os vereadores joinvilenses poderiam, e devem por obrigação de responsabilidade com sua cidade, cortar na carne e mostrar serviço. Sugiro algumas atitudes e ações efetivas:

- reduzir seus salários ao nível dos salários de professores, ou mais ainda, para no máximo três salários mínimos

- cortar o aluguel de carros, e com isso economizar dinheiro público também com o combustível
- abolir as diárias para viagens, oferecendo apenas o pagamento de hospedagem e transporte, em casos essenciais que tragam realmente benefícios para a cidade

- desativar a tal catraca, um dinheiro jogado fora e que visa impedir o acesso do público, doando o valor da possível venda a uma entidade social

- pagar cursos somente com critérios duríssimos de escolha, evitando passeios a lugares turísticos que nada trazem de benefício

- utilizar a internet como meio para conhecer as famosas alegadas “experiências” de outras cidades e países, realizando teleconferências que fazem o mesmo efeito

Poderia elencar aqui mais sugestões, mas deixarei para os eleitores comentarem e indicarem mais medidas. É imperativo que a Câmara de Vereadores dê o exemplo para a comunidade, e quem sabe até para o país cortando gastos desnecessários, excessivos, coisas que o seu eleitor, assalariado, estressado, lutador, não tem, e mesmo assim, corre atrás e custeia seus desejos com o dinheiro suado do seu emprego.

Vereadores, vereadoras. Mostrem que o espírito público de vossas excelências está acima do desejo individual. Façam as mudanças nas leis, proponham, cortem seus gastos. Legislem em favor dos cidadãos que já não aguentam mais a surdez dos homens públicos em sua cidade. Aguardamos respostas oficiais e institucionais. Se você concorda com a atual situação do Poder Legislativo, leia e apague. Se não, compartilhe, comente, faça seu papel de cidadão.

É assim, nas teias do poder...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Ki bom pra você!


Mentiras que parecem verdades


POR VALDETE DAUFEMBACK

No ano de 2000, a filósofa Marilena Chaui, em oposição ao mito fundador verdeamarelismo e ao culto do patriotismo abstrato, escreveu que por questões  óbvias (diga-se a herança do período colonial e imperial refletida e reafirmada na República), não havia motivo para se comemorar os 500 anos de Brasil. No ocasião não foram poucas as vozes que se levantaram contra para expressar descontentamento sobre a postura da autora. 

A minha geração aprendeu na escola que tínhamos o dever de sermos patriotas, de revelar amor incondicional à Pátria, de respeitar a Bandeira Nacional, de saber “de cor” a letra do Hino Nacional, de marchar em pelotão pelas ruas, de nos fantasiarmos de soldadinhos ou de personagens históricas, independentemente se seus feitos contribuíram para ceifar vidas. Não podíamos sequer questionar a validade de estarmos em “sentido” na vila enquanto a bandeira era hasteada em ritmo preciso para chegar à ponta do mastro enquanto o Hino Nacional era entoado. Áh, que alívio trazia aquela ordem “debandar” no final da aula quando, novamente ao som do hino a bandeira era descida e dobrada para o rito do dia seguinte. 

Há quem diga sentir saudades daquele tempo por ter aprendido o sentido de patriotismo a partir desta obrigação repetida durante anos e anos na escola.

Desde menina, mesmo não achando graça nas operações matemáticas, costumava fazer as contas do tempo perdido em ano letivo com a repetição do mesmo ato no início e no fim de cada manhã durante a semana. 

Mas na minha comunidade rural a resignação fazia parte do patriotismo. Assimilar as cores da bandeira brasileira e sua relação com a natureza, a localização de cada estrela disposta no campo azul recortado pelo branco da paz, a máxima positivista “ordem e progresso” constituíam parte da matéria de prova, escrita com caneta tinteiro, com direito a um mata borrão para casos eventuais. O que se escrevia não se apagava. O que se aprendia se guardava como verdade. 

Ignorávamos, no entanto, que as cores da Bandeira Nacional têm origem na tradição de famílias nobres européias, que o verde simboliza a Dinastia de Bragança, a qual pertencia D. Pedro I e que o amarelo representa a Dinastia de Habsburgo, da família de D. Maria Leopoldina. O artista francês Debret foi contratado para desenhar o símbolo nacional após a independência do Brasil, inspirando-se em bandeiras militares de seu país. O círculo azul, em substituição ao Brasão Imperial, só aparece com a Proclamação da República. A ideia positivista era mostrar um cometa com a flâmula na cauda com os dizeres “Ordem e Progresso” transpassando o céu azul.  

Convém lembrar que o Brasil foi o único país da América Latina em que o próprio colonizador concedeu independência política à sua colônia, instalando, porém, a Monarquia, forma de governo que já estava em total decadência na Europa. Esta experiência também foi inédita na América Latina e que durou praticamente um século. 

Esta posição de “vanguarda do atraso e atraso da vanguarda”, no dizer do sociólogo Francisco de Oliveira, teve início desde o período colonial quando se tentou reproduzir o sistema feudal por meio das Capitanias Hereditárias, implantando o trabalho escravo em tempo de expansão capitalista mercantil. Diga-se, uma contradição aos tempos. Neste contexto, considera-se também que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão. 

Não há como negar que o sistema escravocrata deixou uma herança maldita de poder de uma elite raivosa, responsável pela classificação e exclusão social de parte da população brasileira, mediante justificativa da meritocracia. Por estas e por outras razões é que fica subentendida a necessidade de reflexão sobre comemorações no aniversário da Pátria. O sentido de patriotismo está para além das abstrações de mitos que se ingere sem conhecimento.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

VTNC


Fora, Hungria!

 
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Budapeste foi um dos lugares que mais gostei de visitar. Não há uma razão clara, mas arrisco a dizer que talvez seja resultado de uma certa porção “terceiro mundo” da cidade. A capital húngara tem similaridades com muitas cidades brasileiras a que estamos habituados, por exemplo, apesar de ter muito mais história (vem desde o Império Romano).

Há um ou outro monumento mal conservado. Muitos sem abrigo nas ruas. Alcoólatras que se instalam sob as marquises dos prédios. Uma certa incivilidade (há lugares onde o cheiro de urina torna impossível respirar). Os transportes públicos são pouco convidativos. Mas o que assusta mesmo é haver uma extrema direita muito saliente, mesmo nas ruas.

É comum encontrar homens a ostentar sinais neonazistas (é verdadeiro o estereótipo do skinhead fortalhão, com roupas cheias de mensagens pouco amigáveis). Para ter uma ideia, em fevereiro a ultra-direita comemora o “dia da honra”, que marca o fim da batalha pela cidade na Segunda Grande Guerra, em 1945: húngaros e alemães juntos de um lado, soviéticos do outro.

Fora isso é um dos mais belos destinos da Europa Central. Tanto que o turismo representa cerca de 8% do PIB da Hungria. O lado bonito de Budapeste faz com que os visitantes não prestem muita atenção a essas mazelas. Afinal, a xenofobia não é contra os turistas ocidentais, que têm dinheiro, mas contra “inimigos” atávicos (é uma miscelânea onde cabe tudo, de judeus a comunistas).

O fato é que sempre tive o projeto de voltar. Não tenho mais. E a decisão veio com o anúncio, há algum tempo, da construção de uma cerca de 175 quilômetros na fronteira com a Sérvia. Não pela cerca em si, porque elas podem ser contornadas (e são). Mas por representar o extremar das posições do governo de Viktor Orbán, que tem dado repetidas provas de não ser amigo da democracia.

É difícil opinar sobre a questão dos refugiados, porque é muito complexa. Mas se há certezas possíveis, uma delas é que não se resolve o problema levantando mais cercas. O governo de Viktor Orbán namora a ultra-direita e anda na contramão do ideal de solidariedade, um dos pilares da democracia europeia. E se é para ser assim, não fazem falta à União Europeia.

Fora, Hungria.

Quanto a mim, não volto mais ao país enquanto for governado por esses reacionários.


É a dança da chuva.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Impressões sobre violência


A frase na real é de Salmor Hardin, um personagem de Asimov.
Mas é talvez o melhor conselho a se dar para os defensores
da agressão como solução. 
POR PEDRO LEAL

Isso pode ser só uma impressão minha. Talvez seja fruto de uma amostragem viciada, composta pelo tipo de pessoa que tende a comentar fervorosamente na internet e que se dispõe a pagar micos homéricos em vídeos do Youtube. No entanto, não me sai de forma alguma uma estranha impressão. Na verdade duas impressões.

A primeira é de que banalizamos a violência. Não falo aqui do nosso (assombroso e preocupante) indíce de homicídios, embora muito dele se deva a esse fenômeno. Qualquer ofensa, real ou imaginária, se torna justificativa para retribuir com toda a força imaginável. Ontem, um homem em Esteio (RS) abriu fogo contra seis pessoas por causa do barulho de um carro de som. O ato por si só já é um absurdo, mas os primeiros comentários na página do Zero Hora foram em apoio ao atirador.

Sim, ao atirador. Certo que são só os malucos de sempre online, prontos a apoiar qualquer insanidade que encontrem, mas... Há algo de profundamente errado quando o apoio a violência é cada dia mais comum. Seja qual a forma de violência, seja qual o motivo, sempre há quem diga que a vítima “mereceu”. “Não respeitou”. “Tava no lugar errado”. “Algo de errado fez”. Semana passada houve uma quantidade assustadora de comentários culpando uma menina de 15 anos por ter sido estuprada em uma rua em Joinville. Comentários que variavam do “o que fazia na rua a essa hora” ao “merecia ter sofrido mais pra aprender”. O mesmo ocorreu com uma das vítimas fatais da chacina de Osasco, uma adolescente de 15 anos. Não faltou quem dissesse que a menina era “bandida” e “merecia” morrer com base na frase pronta “o que fazia na rua de madrugada”. Ela foi baleada por volta das 21h30. Isso é madrugada?

Hannah Arendt falava da banalidade do mal. De como o “mal” não é monstruoso ou cruel, mas banal. Tudo que ele precisa é que ações horríveis sejam justificadas com “estou seguindo ordens” ou “não era alguém de verdade”. No presente vivemos a banalidade da violência: tudo que é necessário é um “ele fez por merecer”. “Era um bandido”. “Era um vagabundo”. “Ela começou”. “Ele deveria ter respeitado”. “Eles fizeram baderna”... Qualquer coisa pode servir como desculpa para agressões, tiros, estupros - basta ver os comentários de qualquer notícia, para ver como tudo é justificável para os comentaristas online. Especialmente para os que se sentem no direito de exercer a violência como “vingança” por crimes do qual foram vítimas*. A manifestação mais clara disso está na frequência dos linchamentos no país - baseados em acusações vagas e especulação.

A segunda é de que viramos uma nação de fanáticos (e este fanatismo tem tudo a ver com a primeira impressão). Desumanizamos o “outro” de forma sistemática. Por quaisquer discordâncias. Gostar do time, do filme ou da série errada já é o bastante para justificar desdém e ostracismo. Em se tratando de política e questões sociais então...Qualquer ação contra quem discorda se torna aceitável na perspectiva de algumas pessoas. Por menor que seja a discordância. Não há mais espaço para debate deste jeito.

Para algumas pessoas, o país só “irá pra frente” se eliminarmos os coxinhas/petralhas. Apenas através da destruição dos comunistas/capitalistas é que há chance para o Brasil. Se não acabarmos com o PT/PSDB, está tudo perdido. Temos que matar os Bandidos/A Elite/A Polícia/Os Comunas/Os “gayzistas” ou o país não terá salvação. Tudo muito "lógico". De alguma maneira, a violência se tornou a solução padrão para tudo - desde infrações de trânsito até o mal funcionamento do sistema público de saúde, a solução passa por matar, espancar ou torturar ALGUÉM. Só basta achar quem.

Enquanto essa mentalidade imperar - uma mentalidade que tem se espalhado como um vírus e corrompendo até alguns daqueles que lutavam contra ela - de fato o país está perdido. Afinal, não há esperança onde impera o ódio. Mas isso é apenas uma impressão. Mas os casos de ódio abundam

Um caso notável foi o do advogado Matheus Sathler - que com a mesma naturalidade de quem diz que vai buscar um lanche, por três vezes ameaçou decapitar a presidente da república. Sathler foi alvo de uma medida cautelar - e zombou da sentença. Seus apoiadores acusam o judiciário de censura, após três ameaças claras. Em um país são, Sathler estaria preso. Mas no Brasil que vê a violência como justa com uma frequência alarmante, ele é pintado como vítima.

Talvez sejam apenas impressões. E eu espero que sejam. Mas se essas impressões estiverem certas, o país está a beira de uma onda de violência, que será tratada como “justa” e “merecida” até a hora que atingir seus perpetradores - e que então será vista com justa por aqueles que odeiam o novo alvo da violência. Não é espumando pela boca e agredindo verbal e fisicamente que se constroem nações.

*Antes que me digam que só sou contra o desejo de vingança porque “nunca fui assaltado”, já fui assaltado dezesseis vezes. Cinco delas no exterior.


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Inferno!


O festival gastronômico das taturanas


POR JORDI CASTAN


Num ciclo que se repete todos os anos, estamos às portas da primavera. A florada dos ipês que anuncia o novo tempo. As chuvas de setembro para aguar os desfiles pátrios. A mudança de temperatura. Os entardeceres mais tardios. Tudo faz parte desse quadro.


Neste ano, uma invasão de embiras, taturanas ou lagartas, dependendo da terminologia utilizada por uns ou outros, tem alterado a bucólica chegada da primavera. Ao ponto de converter-se num acontecimento na vila, com direito a capa de jornal, a entrevistas a especialistas e ao cancelamento de eventos oficiais.


Quem imaginaria que as ditas lagartas, com  o seu ciclo anual natural, gerariam tanto alvoroço? Que programas de rádio lhes dedicariam tanta atenção e que até nas redes sociais o tema seria amplamente debatido. No seu processo metamórfico, as futuras borboletas nunca ganharam tanta visibilidade. E olhem que não há nada de novo na sua presença na vila, pois são tão joinvilenses como os alemães, os mestiços, quanto os italianos ou os paranaenses.


A única diferença este ano tem sido a quantidade, maior que em outras primaveras. E também o fato de que, pela falta de outros manjares mais sofisticados, tenham escolhido as figueiras da Beira Rio para sua escapada gourmet. 

Como não é segredo que a cada ano temos menos árvores, a sua dieta está ficando cada vez mais reduzida. É por isso que as futuras borboletas escolheram a Beira Rio e a converteram num gigantesco estacionamento de "food trucks" verdes. Fizeram lá o seu Festival Gastronômico.

A situação ganhou tanto destaque mais pela inépcia do poder público,  que não soube ou não quis reagir a tempo e de maneira correta, do que pela real gravidade da infestação. Quem ainda tem jardim ou quintal em casa sabe que embiras, lagartas e outros insetos são mais ativos nesta época do ano e que depois se converterão em coloridas borboletas a enfeitar ruas e jardins. 

Há contudo um alerta. De que há um desequilíbrio cada vez maior nas cidades. Ou seja, de que nos espaços urbanos este desequilíbrio é mais evidente e que, com menos árvores e a redução da cobertura verde, a vegetação que teima em sobreviver esta cada dia mais ameaçada.

Mas há outro ponto relevante a destacar. É que se uma praga de lagartas pode paralisar esta administração, devemos nos preocupar o que possa vir a acontecer no dia que haja um problema verdadeiramente grave na cidade.