terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A cerca é mãe do capitalismo, a ganância é parteira do egoísmo



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Se alguém me perguntasse qual é a invenção que mais interferiu nos destinos da humanidade, não teria dúvidas em responder. É a cerca. Não sei se há mais alguém a defender essa tese, mas não tenho dúvidas de que a cerca representa o marco zero do capitalismo (simbolicamente falando, claro). No dia em que alguém decidiu cercar um quintal ou um jardim, a humanidade nunca mais foi a mesma.

Não sei se o leitor e a leitora lembram das lições de história na escola, mas os cercamentos (enclosures) viraram a sociedade pelo avesso. Porque as terras de comum – por servos e senhores – foram privatizadas e transformadas em pastos para ovelhas. E os trabalhadores acabaram sendo expulsos das suas casas, num tempo em que, na descrição de Thomas Morus, as ovelhas comiam os homens.

Era o começo do capitalismo. A cerca anuncia o nascimento da propriedade privada, o que até nem é uma ideia para rejeitar de forma apriorística (que me perdoem os comunistas). O problema é que nesse mesmo parto também nasceu o mais virulento dos pecados civilizacionais: a ganância. Sozinha, a ganância já causou mais danos que todos os sete pecados capitais juntos. Se a cerca é mãe do capitalismo, a ganância é a parteira do individualismo exacerbado.

O individualismo de que estamos a falar é um sentimento egoísta (e ególatra), que leva a rejeitar os valores da solidariedade humana. Nada mais longe da tese do pensador liberal Adam Smith, que propôs uma ideia aceitável de individualismo: se cada um cuidar do seu jardim, todos os jardins serão bonitos. Faz sentido... em teoria. Mas a coisa não funcionou. Por quê? Porque o tempo transformou a ganância em virtude. E a corrosão do caráter deixou de ser uma coisa negativa.

 Os capitalistas que abusam do capitalismo estão nem aí para o liberal escocês (o único escocês que reconhecem é o uísque.) Perdeu, Adam Smith. A ganância faz querer açambarcar todos os jardins do mundo. Não foi por acaso que chegamos a este número imoral: 1% dos mais ricos detém a mesma riqueza que os outros 99%. Ou, por outras palavras, os tais 1% de que falava o pessoal do Occupy Wall Street: os acionistas gananciosos das corporações gananciosas, que produzem riqueza sem trabalho.

Os próprios defensores do sistema capitalista estão a cair no engodo, porque o velho capitalismo de terra e trabalho está superado. O capitalismo financeiro (ou de casino), que faz dinheiro gerar dinheiro sem um corresponde em produção, está a levar o sistema a um ponto limte. Há uma inegável crise sistêmica que fez surgirem os excluídos do capitalismo. Mau presságio. Afinal, como não se cansam de repetir os marxistas, o capitalismo gera o seu próprio coveiro. A última cerca pode ser a do capitalismo no cemitério da história.

É a dança da chuva.

24 comentários:

  1. Parabéns ao capitalismo!
    A propósito, não sejas um capitalista egoísta como eu: tire a cerca da tua casa, abra as portas para os "socialistas" que querem adrentrá-la. Libere-se do capitalismo malvadão!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É por isso que essa merda não pode dar certo. Só tem gente burra como tu...

      Excluir
    2. Sempre calmo. Se estivesse nervoso achas que ia publicar esses teus posts cretinos? É tudo pensado: publico os teus posts como uma maneira de mostrar até onde a idiotice pode ir nos comentários de blog. Entendeu, otário?

      Excluir
    3. O socialismo deu certo no mundo, inclusive alguns países caminham para o Comunismo, exatamente por ter gente muito inteligente vivendo lá, assim como o Baço. Ein Prosit!

      Excluir
    4. Comunismo x capitalismo... ah... esse mundo em preto e branco. Tão tristonho.

      Excluir
  2. Há muitos anos atrás, assisti a uma palestra de um economista teórico internacional, bastante idoso (não lembro mais o nome dele), luminar do capitalismo internacional, que foi convidado a proferir uma palestra sobre o capitalismo, num dos primeiros "Fórum da Liberdade" realizados em Porto Alegre e patrocinado por grandes empresários e suas instituições, até hoje realizados anualmente. Esse especialista disse que a ganância é a mãe do desenvolvimento econômico e tecnológico. Sem a ganância, estaríamos ainda na idade da pedra. Foi muito aplaudido. Como se vê, a ganância humana tem, no mínimo, duas interpretações: uma virtuosa, que constrói o desenvolvimento humano e outra desvirtuosa, que destrói o desenvolvimento humano. Se a ganância é essencial para o desenvolvimento humano, como temos inúmeros exemplos hoje em dia, principalmente na área tecnológica, deve ser estimulada, como acontece atualmente no mundo ocidental. Se prejudica o desenvolvimento humano, como temos também inúmeras evidências atualmente, como a exagerada e crescente concentração de riquezas no mundo, ao lado de crescente aumento da miséria humana (tudo leva a crer que em futuro não muito remoto, um único ser humano deterá 100% da riqueza do mundo e o restante da humanidade não deterá riqueza alguma e será escravizada por ele), deve ser desestimulada ou limitada. Eu prefiro acreditar na coluna do meio, a ganância deve ser estimulada e limitada, ao mesmo tempo. Como fazer isso? Se eu soubesse, ficaria rico em pouco tempo. Mas não exageradamente rico. Pelo menos não exageradamente rico, enquanto houver uma única pessoa miserável no universo. Quando todos os seres humanos (por enquanto, só os humanos) tiverem o mínimo suficiente para uma vida digna, saudável e feliz, poderei aumentar a minha riqueza pessoal, mas só até surgir um novo único ser miserável. Aí, seria minha obrigação e dos meus pares, tirá-lo imediatamente da miséria em que vive, repartindo parte da nossa riqueza para ele e oseus colegas mais pobres do mundo, preventivamente (e, portanto, diminuindo um pouquinho a minha riqueza e dos meus pares), de modo a mantê-los livre da miséria de forma auto-sustentável. Ronaldo Aidos / Joinville

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Salve, Ronaldo. Apenas duas questões: 1. Acho que tudo o que dizes se refere à ambição (que é usada para nominar o que descreves. 2. Não te esqueças que neste texto associei "ganância" à "corrosão do caráter". Esse é o busílis. Abraço.

      Excluir
    2. Salve, José António. O luminar economista de quem ouvi a palestra nominou "ganância" mesmo, ao que entendes por "ambição". Fiquei tão impressionado que lembro até hoje, e lá se vão 40 anos. Ele falou inclusive que alguns condenavam a ganância humana, como sendo um mal, um "pecado mortal" perante Deus. Os que acreditam nisso ficam para trás, segundo ele. Na verdade, a ganância seria uma virtude que levava ao progresso da humanidade. Como vês, talvez aí resida a deturpação do capitalismo atual, que busca fundamentação teórica para a justificar a ganância humana como virtude. Ou seja, os teóricos preferidos dos capitalistas atuais são os que confundem "ambição" com "ganância", como que querendo justificar que é bom que haja concentração de riquezas, pois só assim a humanidade progride. Os pobres e miseráveis seriam um subproduto inevitável da ganância capitalista, que deve ser aceito como o preço do progresso humano. Ou seja, os teóricos luminares do capitalismo não consideram "ganância" como "corrosão do caráter", ou "corrupção do caráter", para usar um termo mais atual. Tanto isso pode ser verdadeiro que alguns políticos brasileiros corruptos chegaram a tentar aprovar lei para isentar de criminalização quem usou dinheiro de "caixa 2". Ou seja, quem pagou ou quem recebeu dinheiro de "caixa 2" para campanhas eleitorais não teria cometido crime algum, apenas uma "pequena" infração, punível somente com o pagamento dos impostos devidos em atraso e com multa (se descoberto, é claro). Estariam contaminados pelo conceito ou paradigma capitalista atual, de que a ganância sempre é boa, pois move o mundo. E que os impostos são sempre ruins, pois travam os investimentos. Daí a necessidade do Estado ser mínimo, de preferência com imposto zero, ou seja, de alguma forma auto-sustentado, por exemplo, com o trabalho escravo dos pobres. Ou seja, imposto é coisa de comunista, é ruim por natureza, daí ter tanta gente importante e "honrada" envolvida na operação Zelotes. A teoria econômica, como toda ciência humana e social, é "flexível" e admite interpretações algumas vezes até antagônicas e/ou cruéis. Abraço, Ronaldo Aidos / Joinville.

      Excluir
    3. Salve, Ronaldo. O discurso da "ganância" teve o seu auge na década de 80 e acho que o momento mais impressivo é o discurso de Gordon Gekko (Michael Douglas) no filme "Wall Street", dirigido por Oliver Stone. "A ganância é boa. A ganância é certa. A cobiça funciona", disse. Ora, sabemos que Oliver Stone é um crítico do capitalismo (como o temos) e o discurso também trazia muita ironia. E para que relembres, deixo aqui o link desse pequeno excerto, com legendas em espanhol. https://www.youtube.com/watch?v=EQeXEZCkyEM

      Excluir
  3. Comparem os dois anônimos acima e tirem as conclusões.

    ResponderExcluir
  4. É a mesma história do NEOliberalismo... Eles querem associar todas as mazelas da psique humana ao capitalismo e todas as glórias àquela coisa que não funcionou, mas que um dia vai funcionar em alguma parte da Terra que, quiçá, poderá ser no Brasil.
    Existe história teórica e filosófica, e existe a história factual. O texto do Baço trata do primeiro caso... portanto, nada!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Brilhante. Genial. Fantástico. Mas da próxima vez tenta ler o texto, tá?

      Excluir
    2. Todas as mazelas humanas não se devem só ao capitalismo. Isso não está dito nos textos acima. Agora, mazelas como concentração crescente de riquezas no mundo (mazela para os pobres, é claro; para os ricos, parece que muitos acham bom). Outra mazela, consequente da primeira, é o número crescente de pobres no mundo e a intensidade também crescente de sua miséria. Se estiveres se referindo ao comunismo, como aquela coisa que não funcionou, mas que um dia vai funcionar, quiça no Brasil, e que entendeste que estamos glorificando, estás redondamente enganado. Em primeiro lugar, não está escrito que glorificamos qualquer tipo de comunismo em nenhuma parte dos textos, nem de forma subentendida. Nesse ponto acho que todos concordamos: o comunismo não funcionou, não funciona e não funcionará em nenhum lugar do mundo. Divergimos apenas da sua opinião de que o capitalismo, segundo seus paradigmas de tentar justificar a ganância, funcionou, continua funcionando e funcionará para sempre em qualquer lugar do mundo, como sendo o melhor para a humanidade. Pode ter sido o melhor para os povos dominantes econômicos e/ou suas elites, mas sempre foi péssimo para os dominados e continuará a ser cada vez pior. Acho que a virtude, o melhor para a humanidade, pode estar no meio termo entre um capitalismo de ganância (ou ambição, como prefere o Baço) auto-controlada e auto-limitada e um socialismo de distribuição de renda responsável, justo e auto-sustentável. Ronaldo Aidos / Joinville

      Excluir
    3. O problema é que as pessoas veem o mundo em preto e branco. Ou capitalistas versus comunistas. Mas vivem de clichês, coisas fáceis de repetir e que não dão conta da realidade. O mais interessante é que Marx nunca estabeleceu uma fórmula de "comunismo". O cara fez, isto sim, uma magistral crítica do capitalismo.

      Excluir
  5. Esse texto, mais dois quilos de alfafa e mais uns dois Baços, temos um estábulo formado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu te entendo, Anônimo. Por seres um completo anormal, tu te sentes humilhado e ficas agressivo quando encontras pessoas capazes de pensar.

      Excluir
  6. Até que enfim vemos comentários que não são citadas as palavras ou expressões foro de São Paulo, petralhas, mortadela, Venezuela e Cuba. Já é um avanço, parabéns, pois estamos na 3ª economia do Sul, e na capital brasileira da ganancia...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Segundo o Clóvis Gruner, isso é o efeito de um 2016 para lá de estranho.

      Excluir
    2. Por que não é mais necessário citar a Venezuela de Chávez e Maduro com os amiguinhos Lula e Dilma, pois estamos cansados de ver vocês passarem vergonha!

      Excluir
    3. Tô passando vergonha... alheia. Vai ser burro assim lá na casa do caralho.

      Excluir
  7. - Primeiro não existe sistema ideal.
    - A história não tem um sentido, esqueça o progresso.
    - O homem não esta no controle da história.
    - Um dia o sol se apagará e td que nós homens fizemos TB, e td não passou de vaidade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pode ser isso, ou pode ser a felicidade de Sísifo. O contrário do idealismo é a tragédia, é saber que a vida como diria Abujamra é uma causa perdida, mas mesmo assim amar a vida mesmo morando em uma cuba,ou na Coréia do norte. Não é o sistema( capitalismo /comunismo), é o homem q vive sob o sistema.

      Excluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem