quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Vamos falar de aborto?



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


Aborto. Eis uma discussão que tem tudo para dar errado no Brasil. Falar de temas fraturantes exige um nível civilizacional que os brasileiros, de maneira geral, ainda não atingiram. E estes tempos de pós-verdade, em que a opinião vale mais que o fato, fizeram o país descer mais alguns degraus em matéria de costumes. O obscurantismo tornou-se um referente no caldo de cultura do patropi.

O debate é oportuno, mas exige interlocutores open- minded. Gente com cultura, com mundo e sem moralismos toscos. Porque é uma questão médica e a intolerância faz cegar essa gente: de acordo com a Organização Mundial da Saúde, todos os anos morrem 47 mil mulheres no mundo em consequência de abortos clandestinos. Ora, as pessoas dizem ser pela vida, mas não se importam com tantas mortes?

Mas o texto não pretende provocar qualquer discussão. A intenção é apenas fazer o relato  de um país onde o aborto existe, resolveu um problema de saúde pública e, assimilado pela sociedade, se tornou um não-assunto. Em Portugal, país onde voltei a viver há duas décadas, o aborto (chamado interrupção voluntária da gravidez) existe desde 2007. E o país não foi destruído pela ira divina. 

Vez por outra o tema reaparece na mídia, mas por questões laterais. Há alguns anos, os partidos de direita, então no poder, instituíram o pagamento de “taxas moderadoras”. A interrupção da gravidez, feita de graça no sistema público de saúde, passou a ser paga, num valor que ronda os 27 reais. O atual governo, de esquerda, extinguiu essa taxa. O mais importante, no entanto, é que o número de complicações em casos de aborto diminuiu.

Que tal mostrar alguns números? Os dados sobre complicações decorrentes de abortos revelam o seguinte quadro: de 2002 a 2007 (antes da legalização) foram registrados 1.258 casos de complicações; de 2008 a 2012 (após a legalização), houve apenas 241 casos registrados. É uma diferença muito significativa. E ao contrário do argumento dos conservadores, o número de abortos não aumentou, havendo mesmo indicações de que vem diminuindo.

E vale salientar outros números. Entre 2002 e 2007, houve 14 mortes maternas notificadas e relacionadas a abortos clandestinos. Em anos posteriores não foram registradas vítimas fatais. Aliás, essa é uma das preocupações das autoridades. Ainda existem abortos clandestinos, em grande número decorrentes de fatores como o sentimento de vergonha e culpa a que as mulheres são submetidas por moralismos familiares ou religiosos.

Enfim, o que este texto pretende é demonstrar que as sociedades modernas tratam questões como a interrupção da gravidez no plano da saúde. Já as sociedades mais atrasada tendem à criminalização. Mas fica a pergunta. Quantas mortes os moralismos já provocaram?

É a dança da chuva.

10 comentários:

  1. O que mais me causa espanto é que aqueles que são contra a legalização, se utilizam de argumentos religiosos. E, misteriosamente, são geralmente os mesmos que falam sobre estado laico e bravejam contra a bancada evangélica. Vai entender.

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  2. Num país em que se falar na simples legalização já explode comentários sobre a vida, momento da concepção, pecado, ira divina, entre outros tantos aspectos religiosos, imagine falar em ser ofertada a possibilidade de aborto pelo SUS.

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  3. Por ideias como essa que você arderá no mais profundo dos infernos.

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  4. Open minded significa concordar com VC e com o aborto? Ser contra o aborto é ser burro e idiota?
    No mais no Brasil aborto já é permitido, é só VC passar na Maternidade Darci Vargas e ver q sem necessidade de BO em caso de estrupo, o aborto se tornou legalizado no Brasil.

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    1. Dizes que lê os textos. Treta. Eu estou apenas a narrar como é em Portugal e na Europa. Mas para que tentar copiar esse pessoal do hemisfério norte, né? O Brasil sim é um exemplo a seguir...

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    2. Não entendi. Quer dizer q caso a mulher queira interromper a gravidez, "é só passar" na Maternidade Darcy Vargas? Acusação grave, não?

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  5. No caso de mulher dizer que foi violentada existe uma portaria do ministério da saúde e jurisprudência acho q assim fala, para realizar aborto sem BO , mas isso na pratica abre portas para muitas mulheres inventarem aborto para passearem por este procedimento de forma segura em td Brasil. A maternidade não tem nada haver, isso são leis que vem de cima. Na verdade existe um constrangimento do funcionários pois muitas vezes é claro que algumas inventaram e não há nada que possa fazer.

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  6. Sou contra a interrupção voluntária, não por questões religiosas, mas éticas. A exceção que faço (e que a justiça brasileira já faz) é por complicações à saúde da mulher e, obviamente, pelo estupro.
    Mas como não sou mulher (ser pai não basta, afinal, para as feministas, as mulheres engravidam por partenogênese) e não tenho "pepeca", então nem eu nem o autor pode dar opinião.

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    1. Acho que o autor não deu opinião. Se tivesses lido o texto, esta parte não teria passado despercebida: "mas o texto não pretende provocar qualquer discussão. A intenção é apenas fazer o relato de um país onde o aborto existe, resolveu um problema de saúde pública e, assimilado pela sociedade, se tornou um não-assunto". Tendeu?

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