terça-feira, 19 de abril de 2016

Antes de flexibilizar leis, flexibilizar a inteligência

POR JORDI CASTAN


Está a tramitar, neste momento, uma proposta de flexibilização da ocupação das margens dos rios e córregos em Joinville. Mas não é o que o bom senso imagina: é para reduzir e não para aumentar. Essa gente não aprende? É hora de lembrar que as obras milionárias para minimizar o efeito das enchentes no Rio Morro Alto, primeiro, e no Rio Mathias, agora, são em boa parte o preço que todos pagamos - e seguiremos pagando - durante décadas pela genial ideia de flexibilizar a ocupação dos fundos de vale e margens dos rios de Joinville.

Não há dia que não sejamos surpreendidos por uma nova proposta de flexibilização. Flexibilizar virou a palavra de moda entre 11 de cada 10 políticos. Historicamente, as propostas tiveram o apoio dos planejadores de plantão e garantiram pingues benefícios aos empreendedores da época. Há uma atávica relação promíscua entre empreendedores gananciosos e funcionários públicos pouco honestos. Há quem diga, também, que a relação é entre funcionários gananciosos e empreendedores pouco honestos. É um caso daqueles em que a ordem dos fatores não altera o produto.

O vereador Manoel Bento, na sua condição de presidente da Comissão de Urbanismo, defende a proposta de que se deve flexibilizar o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança). Tem até convencido seus pares na comissão para que a dita emenda seja assinada por todos. Assim não precisa levar o seu nome e a iniciativa é socializada entre os demais vereadores. Curioso este interesse em flexibilizar a legislação.

Os vereadores deveriam se empenhar mais para que todos os empreendimentos sujeitos ao EIV cumprissem a lei. Que medidas efetivas fossem tomadas no sentido de mitigar, neutralizar ou evitar o impacto negativo que o empreendimento vier a ocasionar a vizinhança em que se implante. Não fica bem apoiar iniciativas que flexibilizem o EIV para os empreendedores e penalizem os vizinhos, que perdem assim uma importante ferramenta para se defender dos impactos negativos ocasionados pelos novos empreendimentos.

A justificativa divulgada é atender as escolas públicas. A lei 366/11 do EIV é recente é não prevê que empreendimentos públicos ou privados tenham tratamento diferenciado. E isso é bom. É bom para o cidadão, que pode participar ativamente nas audiências públicas e a tomar conhecimento de como este ou aquele empreendimento alterará a qualidade de vida do seu bairro ou da sua rua. A isonomia é boa. É um direito adquirido. E esta proposta flexibilização cerceia um direito adquirido pelos munícipes.

Nem vamos entrar na discussão sobre como cada tipo de empreendimento impacta o seu entorno, seja pela redução da insolação, da ventilação, pela maior impermeabilização ou pela perda da vista sobre paisagens que formam parte do nosso patrimônio, como o Morro do Boa Vista ou da Serra do Mar. Vamos analisar o impacto sobre o trânsito de uma escola com mais de 5.000 m2 de área construída. Quem tem uma perto sabe a que me refiro. Pais buscando e trazendo filhos, horários de pico, congestionamentos.

Que tal citar um exemplo concreto a mostrar o caos de uma escola no local errado, sem que se tomem as medidas necessárias para mitigar o impacto que a escola causará? Está em análise e já teve audiência pública a instalação do Colégio Marista na Rua Benjamin Constant. No estudo apresentado pela própria escola, está claramente identificada a insuficiência de capacidade da Rua Benjamin Constant para absorver o volume de tráfego adicional que a própria escola gerará.

A solução apresentada? Que haja investimentos públicos para resolver o problema. Genial. Um empreendimento privado reconhece que criará impacto negativo sobre o tráfego da região e a solução é que nos todos paguemos por isso. E o vereador Bento, com a conivência do IPPUJ, propõe que se flexibilize o EIV. Uma flexibilização que não é boa para o morador que terá sua qualidade de vida alterada pelo impacto. 

Com certeza não deve passar pela cabeça do vereador Manoel Bento e seus pares as flexibilização da lei para beneficiar a esta ou aquela escola, este ou aquele empreendimento. As limitações ao direito de propriedade que o EIV impõe devem ser mantidas e sem flexibilizações. Afinal, têm o objetivo claro e inequívoco de resguardar os direitos, não só do proprietário, mas principalmente o interesse coletivo no sentido de que as funções sociais das propriedades urbanas sejam atendidas. É a garantia de que Joinville seja um local de convivência harmônica e saudável para todos.

O EIV é um instrumento de planejamento local que não pode, nem deve ser flexibilizado, para atender a interesses pontuais e particulares. É o nosso direito o de participar ativamente nas audiências públicas e decidir sobre os efeitos da implantação de qualquer empreendimento na nossa vida.

Texto publicado pelo jornalista Jefferson Saavedra no AN Portal

7 comentários:

  1. Sobre a "conivência do IPPUJ", Kohsdorf & Kohlsdorf ensinam em QUESTÕES METODOLÓGICAS NO PROCESSO DE DESENHO URBANO (CBA n.12/1984, p.57) que "pode-se afirmar que o crescente distanciamento do arquiteto da construção efetiva dos espaços implicou seu afastamento cada vez maior também do espaço enquanto objeto de conhecimento; comprometido com o pacto social dos grupos dominantes, passará a definir o espaço urbano segundo a lógica daqueles, e para esta serão estabelecidas as regras urbanísticas como importante instrumento das relações sociais de produção." As leis urbanísticas aplicáveis para o território urbano estão servindo para aumentar a mais valia na produção do ambiente construído, e por consequência dificultando o acesso para espaços dotados de infraestruturas e serviços públicos e ampliando desigualdades sociais, econômicas e ambientais. Cabe resposta do vereador PETISTA sobre a convergência ou integração dos ideais partidários frente suas propostas e defesas que dificultam ou excluem grupos trabalhadores na fruição igualitária sócio espacial.

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    1. Arno, tua visão de planejamento urbano remonta o período de 1964 à 1986: MILITAR-BUROCRÁTICO, ou seja, ultrapassado.

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    2. Anônimos já estavam por aqui no tempo da inquisição...

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  2. Os rios, principalmente nos trechos que atravessam as zonas mais urbanizadas, já estão canalizados, portando, nesses trechos, a ocupação das margens é irrelevante para alteração das condições de fluxo. Por mim podem ocupar.

    O que não pode flexibilizar é o limite da cota 40 metros.

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    1. Anônimo deixe que le de uma surpresa. O IPPUJ acha que a Cota 40 pode ser flexibilizada e a SEMA também tem o mesmo entendimento. Assim que é bom ficar de olhos bem abertos porque vem flexibilização por ai.
      Que a Cota 40 esteja protegida pela LOM (Lei Orgânica do Município) não é suficiente para que essa gente desista de querer flexibiliza-la.

      Sobre as margens de rios e a sua ocupação, eu nunca usaria a palavra "irrelevante". Eu pensaria e estudaria um pouco mais. Temos muitos maus exemplos no Brasil que nos poderiam servir de modelo do que não fazer. O problema é que aqui gostamos de cometer nossos próprios erros.

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  3. Eu, leigo, imagino que construir na beira de rios não deve ser uma boa ideia. Ainda mais em Joinville com histórico constante de inundações.

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    1. Pois é L.S.Alves quantas vezes o bom senso dos leigos é ignorado pelos "çabios" e o resultado é este que vemos por ai.

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