quarta-feira, 23 de julho de 2014

Clóvis Gruner


POR CLÓVIS GRUNER

Encerrei assim meu primeiro texto como colaborador do Chuva Ácida: “O combate à pobreza e à miséria, em que pese sua urgência, não esgota o problema. Uma política ativa de respeito aos direitos humanos precisa assegurar a laicidade do Estado e a igualdade dos direitos civis; conduzir firmemente o processo de acerto de contas com nosso passado autoritário; respeitar e fazer respeitar as diferenças de gênero, étnicas e religiosas, entre outras; afiançar o acesso à saúde; investir na educação pública e de qualidade, em todos os níveis; combater a violência institucional, dentro e fora das penitenciárias; garantir um marco regulatório sem o qual a liberdade de imprensa resta ameaçada; enfrentar a violência que grassa no campo e realizar uma efetiva reforma agrária; promover um desenvolvimento sustentável, atento aos riscos ambientais inerentes ao progresso tecnológico e industrial; entre outras medidas.”

Naquela ocasião, fazia um breve balanço do que percebia como um retrocesso nas políticas de direitos humanos nos três governos petistas, apesar de reconhecer os avanços principalmente nos investimentos sociais e nas políticas de combate à miséria com programas como, por exemplo, o Bolsa Família, uma das poucas iniciativas republicanas na história de uma República que tem sido tão pouco. Voltei ao assunto em outros textos, principalmente quando das manifestações de junho de 2013 e, mais recentemente, nas mobilizações contra a Copa. 

Em linhas gerais, procurava chamar a atenção para dois aspectos, a meu ver complementares. De um lado, a necessidade de repensar e reinventar nossa democracia, de fazer-lhe a necessária crítica, de apontar seus limites passadas três décadas do fim da ditadura. De outro, o desgaste do modelo político vigente desde, não coincidentemente, a retomada democrática nos anos de 1980, cujas estruturas restam intocadas mesmo depois de 12 anos de um governo de centro-esquerda, imobilizado, entre outras coisas, porque refém das muitas alianças firmadas para assegurar a governabilidade.

E é por acreditar ainda na possibilidade e na emergência de uma alternativa à esquerda que voto em Luciana Genro, do PSOL. Em um nível mais imediato, o partido e suas lideranças tem sido uma via tanto aos limites impostos à e pela esquerda governista, como ao retrocesso pela direita, representado hoje pela candidatura do senador tucano Aécio Neves. Mas, ainda mais importante, o PSOL oferece, a um nível institucional, a possibilidade de reinserir na agenda política pautas colocadas em segundo plano, quando não simplesmente esquecidas, pelos grupos políticos mais tradicionais, dentro e fora do governo, em diferentes graus comprometidos como uma agenda conservadora.

O programa de governo e as ideias do PSOL são irrealizáveis em sua integralidade, a significar que, se o partido um dia chegar a ser governo, seguirá a mesma trajetória do PT, rendendo-se às exigências da realpolitik e da governabilidade? Não sei. Mas não acho que exercícios baratos de futurologia ajudem na hora de decidir o voto. Eu escolho o PSOL e Luciana Genro porque miro o presente e vejo neles a possibilidade de trazer para o debate eleitoral temas que me são caros, tais como os direitos LGBT; a descriminalização do aborto e a violência contra a mulher; o combate ao racismo; a necessidade de pensarmos outras políticas de segurança pública e de combate à violência, tais como a desmilitarização da polícia; a regulamentação dos meios de comunicação; a reforma política e o aprofundamento da democracia, entre outros.

O historiador da arte inglês T. J. Clark, em um texto tanto breve como contundente, reivindica uma esquerda disposta a levar a sério a “experiência da derrota”, renunciar às promessas messiânicas de futuro e “capaz de encarar o mundo”. Não estou plenamente certo se o PSOL preenche todos esses requisitos. Mas entre os partidos que disputam as eleições deste ano, ele me parece o mais próximo que podemos chegar disso.

21 comentários:

  1. O maior símbolo de combate à pobreza e à miséria foi o controle da inflação, que na década de 90, por exemplo, teve um acúmulo de 36.850.000%. Se existe algo que me faz ter orgulho deste país foi estabilização da inflação e a inserção de uma moeda estável. Por isso continuo votando no PSDB.

    João Carlos

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    1. O PSDB naturalizou o desemprego e provocou a maior concentração de renda da história. Alimentou uma sociedade dividida entre uma minoria rica com muita riqueza e uma maioria pobre sem nada. Moeda estável com acordos de submissão humilhantes ao FMI. Destruição do aparelho do Estado com privatizações e degradação do serviço e dos servidores públicos. Orgulho de que, cara pálida?

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    2. João, não acho que o combate à inflação tenha sido pouca coisa - e é um mérito inegável das gestões do FHC. Mas sou bem menos otimista que você quanto ao resto: não vejo que, às políticas de contenção inflacionária, tenham se seguido ações mais efetivas de combate à pobreza e à miséria.

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    3. É sempre assim. O sucesso dos governos do PT tem duas causas: 1. a estabilidade deixada do governo FHC; 2. a conjuntura internacional. Povo dfícil... Abestadinho do PT

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    4. Sempre houve concentração de renda. O crescimento do país e, consequentemente, as políticas sociais de distribuição de renda deram-se após o controle da inflação. O plano real, tão criticado pela sigla que atualmente governa o país, bem como o controle da inflação, foram implementados com auxílio do FMI. O servidorismo público sempre foi degradante com um Estado inchado e ineficiente.

      João Carlos

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    5. Lembro que na época do FHC ele ganhou o apelido de Viajando Henrique Cardoso, por suas dezenas de viagens.... e ia pra fora para falar mal do próprio país. Coisa que não vejo os presidentes do PT fazendo, eles sempre querem mostrar o lado positivo do país.

      Rudimar

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    6. Esse João Carlos parece aquela propaganda do Bom Negócio: "sabe de nada o infeliz". Estudar a história econômica e política não faz mal para a inteligência e pode orientar escolhas mais sábias do que a subordinação idiota do país ao neoliberalismo nos tempos tucanos. Para quem defende a concentração de renda, o FMI e ataca o"servidorismo" degradante (sei lá o que isso signfica), realmente fica difícil. Talvez uma coxinha resolva.

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    7. Iluminemos, Anônimo 13:31!

      João Carlos

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    8. Já está mais do que provado que o Lula recebeu do FHC foi desemprego galopante, juros estratosféricos, inflação de 2 dígitos, desemprego nas nuvens, divida externa bilionária, risco Brasil alto, etc, etc. A quem vcs querem enganar? Só se for a vcs mesmo...

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    9. Ninguém lembra de criticar concentração de renda quando vai a supermercados, que só existem pq alguém concentrou renda. é cada uma...

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  2. Parece um voto de protesto...

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  3. Eu gostaria que incluíssem o voto do 2º turno, claro, se tiver...o que eu acho cada vez menos provável...

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  4. Clóvis, excelente texto, assim como os demais que publicas nesse espaço. Acho importante, no entanto, ler a crítica contundente feita pelo professor Mario Maestri á candidata do PSOL. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5676&Itemid=79

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  5. Clóvis, quando vc postará um texto sobre o massacre na Faixa de Gaza? Por que o que ando vendo por aí é um monte de argumentos discriminatórios que buscam justificar as ações contra os civis palestinos. Queria saber a sua opinião, já que é historiador.

    Jonatas

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    1. Jonatas, o assunto é espinhoso e difícil. Eu tinha pensado em escrever alguma coisa para hoje, mas a proposta de dedicarmos a semana às declarações de voto adiou o texto para a próxima coluna.

      Abraços.

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  6. Olá Clóvis!
    Penso um ser um pouco difícil mantermos algum dia um governo genuinamente laico, sem que se perca de vista a importância das religiões na vida da comunidade, você acredita ser isso possível um dia?
    Sei que você é ateu, mas sei que nunca desrespeitou questões religiosas.
    Abraço.

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    1. 17:16, reivindicar um Estado laico não implica,necessariamente, perder de vista a importância das religiões para as comunidades e os indivíduos. Trata-se apenas de fazer cumprir o que, aliás, já está estabelecido na própria Constituição, que assegura a laicidade do Estado justamente para que, nas decisões políticas, prevaleçam principalmente os interesses públicos e comuns.

      Lamentavelmente, a influência das instituições religiosas hoje é tanta, que não apenas as religiões detém privilégios como, por exemplo, a isenção de impostos, como conseguem travar debates que considero importantes e que não avançam porque os governos não tem coragem de enfrentar o lobby religioso, do qual são, ao menos em parte, dependentes, porque eles rendem grana e votos.

      Abraços.

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    2. Obrigado pela resposta.

      Concordo com você em todos os pontos.
      Acabei de ver sua postagem no face sobre a participação da Sra Dilma na inauguração de um templo religioso ao lado do "Pr. Edir Macedo".
      Você como historiador sabe, talvez melhor do que eu, que Jesus Cristo não cabe entro das riquezas existentes na grande maioria das religiões cristãs, mas esse é outro assunto.
      Porém, como riqueza e poder estão diretamente ligados, e pode aqui está relacionado com "microfone nas mãos", que esta diretamente ligado a convencimento e votos, creio que fica fácil encontrar alguns motivos para ela estar ali. Fico triste, e olha que sou protestante.

      Parabéns por suas participações na rádio (95.1)
      Abraço.

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