quinta-feira, 29 de maio de 2014

O ovo da serpente


POR CLÓVIS GRUNER

“Se eu lhe dissesse olhe além do horizonte/ 
Será que você olharia?/
Bravo mundo novo está nascendo/
 Pelo visto vai te surpreender um dia”
Philippe Seabra e André X (Plebe Rude)

Os europeus foram às urnas no último final de semana, e os resultados das eleições, além do gosto acre na boca, fizeram acordar de seu torpor as principais lideranças políticas do velho continente: pela primeira vez em décadas, a extrema direita conquistou amplo apoio eleitoral na maioria dos países, aumentando significativamente seu peso e importância no Parlamento Europeu. O fenômeno é novo entre outras coisas porque o avanço conservador não se deu apenas naqueles Estados considerados “problemáticos”, como a Croácia, onde o nacionalista HSP conquistou espantosos 41,39% dos votos. As legendas e alianças de extrema direita, que hoje abrigam os restos de um fascismo que, equivocadamente, imaginávamos sepultado, avançaram em países importantes e em sociedades de perfil tradicionalmente mais liberal.

No Reino Unido, por exemplo, o ultradireitista UKIP conquistou cerca de 29% dos votos, um aumento expressivo se comparados com os pouco mais de 16% em 2009. Na França, a Frente Nacional, comandada por Le Pen, deu um salto ainda maior: de insignificantes 6,3% na última eleição, conquistou 25,4% dos eleitores no pleito de agora. Mesmo na Alemanha, onde o Partido Nacional Democrata conquistou o que parece ser um número ínfimo dos votos – apenas 1% – a situação não é confortável: afinal, o NPD é franca e abertamente neonazista, e que ele tenha conquistado algumas cadeiras no Parlamento Europeu é em si preocupante, pouco importa o número.

Não me sinto em condições de avaliar o quanto, desse resultado, é fruto do descontentamento dos eleitores com os caminhos e descaminhos da União Europeia. Há também, por certo, uma tentativa de responder, nas urnas, à incapacidade dos governos de oferecerem uma resposta à crise econômica a afetar, mesmo que desigualmente, a vida de milhões de cidadãos. Mas o resultado das eleições sintetiza, igualmente, um processo crescente de radicalização à direita nas sociedades europeias: marchas contra o aborto e o casamento homossexual; a xenofobia; a hostilidade contra muçulmanos; o nacionalismo exacerbado, etc..., expressam desde algum tempo os riscos a que estamos submetidos quando fazemos do ódio, do ressentimento e do medo os principais afetos a orientar as ações políticas.
Fonte: http://www.lamarea.com/2014/05/26/resultados-de-la-extrema-derecha-en-europa-por-paises/

E O BRASIL COM ISSO? – Desde o final de semana tenho lido, principalmente nas redes sociais, manifestações de partidários do governo petista a usar os resultados das eleições europeias como um pretexto a reforçar a importância da reeleição de Dilma Rousseff. O argumento é simples: se a intolerância conseguiu avançar mesmo em um continente que, ao menos em tese, deveria estar imunizado contra ela depois das experiências do século XX, o Brasil não está a salvo da tormenta. A reeleição de um governo de esquerda, nesse contexto, pode não ser uma garantia, mas ao menos minimiza as chances que o mesmo ocorra desse lado do Atlântico. Não estou tão certo.

Nos últimos anos – e particularmente nos últimos meses – não faltam exemplos de que os níveis de intolerância, não raro inflacionados por vozes midiáticas, se impuseram no debate (ou falta de) público. Os justiçamentos que pipocam pelo país, com indivíduos presos a postes, quando não linchados em praça pública, são apenas a face mais atual e abjeta de uma sensibilidade cada vez menos disposta à uma conduta pública pautada por princípios que são os da razão, da ética e da solidariedade; e disposta a investir suas energias na propagação da violência, física e simbólica, contra os muitos inimigos, reais e imaginários, que surgem aos montes sempre que a ignorância, o ódio e o medo pautam o que talvez já não se possa mais chamar exatamente de “política”.      

Que isso esteja a acontecer justamente em um governo de esquerda, o mesmo que empreendeu a maior e mais eficaz política de inclusão social e combate à miséria extrema, não chega a ser contraditório. Sob certo aspecto, os governos Lula e Dilma valeram-se principalmente de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, para diluir outros temas e travar pautas fundamentais ao avanço dos direitos humanos e da democracia. A aliança dos governos petistas com, por exemplo, segmentos religiosos fundamentalistas ou com a bancada ruralista no Congresso, está na origem da indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais a uma política de esquerda.

Em nome da governabilidade, Lula e Dilma colaboraram para a reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da sociedade brasileira, danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais. E acho, particularmente, que as consequências disso ainda não podem ser medidas em toda a sua extensão. Mas acredito que, na Europa como aqui, parte da responsabilidade pelo avanço conservador e do protofascismo reside, justamente, na fragilidade de uma esquerda que não teve e não tem a necessária coragem de fazer uma política efetivamente de esquerda, preferindo ajudar a chocar o ovo de uma serpente que acabará por nos envenenar a todos.

33 comentários:

  1. Clóvis eu diria que o mal do Brasil é essa tal governabilidade. Em nome dela se cometem as maiores aberrações políticas. Tanto no governo FHC, Lula e Dilma vendeu-se todo e qualquer valor moral em troca de votos para aprovar projetos de lei do executivo. Corrompendo assim o equilíbrio dos três poderes. Pois no Brasil há uma bagunça tal que o Congresso executa e o Executivo e o Judiciario legislam.
    Cito agora Heloisa Helena que em campanha foi questionada sobre como governaria sem a maioria no congresso, respondeu mais ou menos assim:
    Só preciso do congresso pra reforma tributaria.
    E acredito plenamente que o melhor para o Brasil seria isso mesmo. o Congresso atenha-se a fazer leis e vigiar o Executivo e o Executivo cuidar de administrar os seus ministérios.

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    1. L. S., concordo que a relação algo perniciosa entre os três poderes, especialmente entre o Executivo e o Legislativo, tem sido um entrave aos governos. Acho que seria o momento de repensarmos esse modelo de gestão, o tal presidencialismo de coalizão, mas não é tarefa fácil, porque o que para a maioria de nós são as suas falhas, beneficiam grupos que estão no poder há anos e que não estão dispostos a largar o osso tão facilmente.

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    2. Voltando ao tema do crescimento da extrema direita tenho visto o pessoal apontar que um grande causador disso foi a acomodação dos eleitores. Que por desacreditarem da politica/politicos não compareceram às urnas. O que beneficia partidos radicais que existem baseados na paixão e na emoção. Esses partidos conseguem movimentar seus seguidores em grande quantidade. Espero que no Brasil tenhamos uma grande adesão às eleições independente do partido ou candidato que ganhar. Mas é necessário que o povo vá às urnas e escolha a opção que eles consideram menos prejudicial à nação.

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    3. Exatamente, L. S. O Baço me chamou a atenção para isso: só em Portugal o índice de abstenção foi de 66%. Pensei em escrever sobre isso, mas o texto ficaria demasiado longo e eu não dispunha de informações mais precisas nem de tempo para buscá-las.

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    4. Exatamente. No Brasil a manutenção da esquerda no poder passa, necessariamente, pela obrigatoriedade do voto.

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    5. Por certo. Tanto que o voto obrigatório acabou de ser aprovado na gestão da Dilma. Ou foi na do Lula? Droga de memória.

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    6. Na maioria dos países europeus a esquerda tem mais votos. O problema clássico é que, por serem regimes parlamentaristas, a direita fica em vantagem: a direita coliga e a esquerda prefere caminhar separado.

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    7. O voto precisa ser obrigatório e a falta tem que ser justificada pois quando não o era haviam muitos cerceamentos ao humildes de comparecer nos locais de votação. Por isso o voto é obrigatório, para evitar que políticos do tipo coronelizados utilizem de atos de terror para impedir as pessoas de comparecerem nos locais de votação. O voto é deve ser obrigação do cidadão.

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    8. Claro, anonimo 19:17, vivemos numa democracia...

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  2. Maniqueísmo puro, de todos os lados.

    Vou lhe dizer o que está acontecendo no velho continente, a população europeia abriu os olhos para um problema que nós estamos acostumados a enfrentar – a erosão das instituições.

    Provavelmente essa guinada a Direita deveu-se mais aos exemplos da Esquerda medíocre vindos da América Latina do que ao contrário.
    "Não queremos aquilo para a Europa."


    Alberto

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    1. Alberto, quem avançou na Europa não foi a direita liberal, mas a extrema direita xenófoba, protofascista e em alguns casos, como na Alemanha, franca e abertamente neonazista. Informe-se antes de cometer o mesmo comentário que você provavelmente faria se o texto tratasse de gastronomia.

      A não ser, claro, que você já esteja informado e realmente prefira a ascensão do neonazismo.

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    2. Atenção. O Parlamento Europeu está dividido entre socialistas e populares. Houve um crescimento das extremas, mas eleições europeias são diferentes de eleições legislativas (essa no ano que vem). Não houve uma guinada à direita, mas apenas desinteresse dos eleitores por eleições que nada mudam. Bruxelas decide e ninguém tem com protestar... daí ninguém se importar com estas eleições.

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  3. Ser contra a união europeia agora é ser extrema direita. Jesussss...

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    1. Não, imbecil: eu disse que os votos na extrema direita pode ser uma forma de expressão de descontentamento em relação à União Europeia. Aprenda a ler, tapado.

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    2. Estão todos descontentes com a União Europeia. O projeto europeu está a meter água...

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    3. É a falência do estado de bem estar social. A Europa precisa de menos estado e mais mercado...

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    4. Desculpe, Anônimo, mas mesmo nos países governados pela direita há uma tentativa de salvar o estado social.

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  4. Eis as verdadeiras serpentes:

    http://www.youtube.com/watch?v=WqNkGvBT3KM

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    1. Concordo plenamente: um professor usar a sala e aula para fazer o elogio à ditadura quando seu papel seria, justamente, combatê-la, é realmente lamentável.

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    2. Tão lamentável quando usar idiotas úteis como massa de manobra para invadir uma sala de aula e cagar na livre manifestação do pensamento. Falando em ditadura...

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    3. Pois é, fosse no tempo da ditadura que ele, e parece você também, elogiam, e não seriam um punhado de estudantes barulhentos a invadir a sala e é bastante provável que o professor não saísse dela ileso.

      Imbecis gostam de comparar uma coisa e outra, como se elas fossem equivalentes. Imbecis truculentos e desonestos, que fingem ser homens bons e cidadãos de bem, preferem a ditadura.

      Regozije-se, talvez você seja só um imbecil.

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    4. Tenho pena dos teus alunos...

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    5. Não tenha, eles são todos muito bons, críticos e inteligentes, inclusive e principalmente com seus professores.

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    6. Putz. É por isso que teria dúvidas sobre ser professor no Brasil. Isso me obrigaria a agir como o Clóvis e tentar aturar criaturas como esse anônimo imbecil do comentário...

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    7. Nossa, que absurdo esse vídeo!

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  5. Clóvis, não se preocupe com a extrema direita, a ditadura está mais próxima de você (e dos que pensam igual) do que imagina.

    Antônio

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    1. Exatamente, Antonio:

      https://scontent-a-mia.xx.fbcdn.net/hphotos-xpa1/t1.0-9/10413332_567194633397758_2702871568914997132_n.png

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  6. Toda atitude ou ideologia extrema deve ser combatida e questionada.Porém o resultado das eleições européias deixaram claro algo que em nenhum lugar do mundo ninguém mais suporta: O LIXO ESQUERDISTA !

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    1. 16:47, caso você se dê conta da tremenda bobagem que escreveu e queira removê-la antes de passar mais vergonha, você sabe que tem como né?

      Aí é só ler alguma coisinha sobre o assunto e tentar de novo. Não tem como garantir que vai sair coisa melhor, mas...

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    2. Acho que não tem como sair coisa melhor...

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    3. Eu vivo num país europeu que, como muitos outros, tem uma maioria de eleitores de esquerda. E nem por isso podemos ser considerados atrasados. Aliás, atrasado é quem reproduz esse discurso tosco do "esquerdista". Coisa de terceiro mundão.

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  7. Cabeça dinossauro
    Cabeça dinossauro
    Cabeça cabeça
    Cabeça dinossauro
    Pança de mamute
    Pança de mamute
    Pança pança
    Pança de mamute
    Espírito de porco
    Espírito de porco
    Espírito de porco

    Compositor: Arnaldo Antunes / Paulo Miklos / Branco Mello

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