segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Não vou sentir saudades de Ratzinger

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Não vou sentir saudades de Joseph Ratzinger. Podia salientar as inúmeras razões que todos conhecemos - a proibição do uso camisinha, a frouxidão como tratou a pedofilia dentro da igreja, a falta de misericórdia para com os homossexuais, a incapacidade de falar com as outras confissões etc -, mas a minha bronca é específica e não é de agora. 

Todos já ouvimos falar da sua erudição e do seu elevado perfil de intelectual, qualidades sempre usadas para contrabalançar o seu conservadorismo exacerbado. É é daí que vem a quezília. A coisa vem desde os anos 80, quando ele assumiu a missão pessoal de detonar a Teologia da Libertação, um movimento que, pela primeira vez na minha vida adulta, me permitiu achar a religião tolerável.

Foi um tempo que tornou possível partilhar ideias com os católicos ligados à Teologia da Libertação, porque partilhavam utopias terrenas também presentes no campo de pensamento das esquerdas: a solidariedade para com os mais fracos e a oposição à repressão econômica, social ou política. Ok... tem gente que julga ser um delírio juvenil, mas para mim é a obrigação ética de qualquer humanista.

Mas vamos aos motivos práticos para a minha antipatia por Joseph Ratzinger. É que a Teologia da Libertação tinha uma relação muito próxima com aquilo a que podemos chamar Filosofia da Libertação (uma espécie de Filosofia da América Latina), um campo de pensamento onde sempre achei que poderia me inscrever.

Talvez tenha sido a primeira vez, na história do pensamento autóctone da América Latina, que surgia uma corrente de estudo dos problemas locais a partir de métodos de análise locais e de pensadores locais. O problema é que ambas as correntes estavam intimamente ligadas. E o fim de uma poderia levar ao fim da outra. 

Todos sabemos que a academia do hemisfério sul vive ainda uma espécie de teoria da dependência intelectual e prefere os filósofos do norte. Vamos fazer um teste? Diga lá o nome de cinco filósofos alemães. Eu ajudo: Habermas, Marx, Heidegger, Hegel, Kant. Ou cinco pensadores franceses. Fácil: Baudrillard, Foucault, Barthes, Sartre, Bourdieu. Gregos? Sócrates, Platão, Aristóteles ou os mais recentes Castoriades e Axelos.

Agora diga o nome de cinco filósofos latino-americanos. Difícil, não? Mas naquela altura começavam a surgir nomes relevantes, como Enrique Dussel, Horácio Cerutti-Guldberg, Raúl Fornet-Betancourt,  Leopoldo Zea, Sírio Lopez Velasco, Franz Hinkelammert, entre outros. Intelectuais que, inclusive, haviam estabelecido pontes de diálogo com pensadores europeus ou norte-americanos, como Habermas, Apel, Bourdieu, Chomsky, Ricouer ou Rorty.

O fim da Teologia da Libertação foi um dos fatores a provocar um retrocesso nesse panorama, porque havia muitos nomes comuns à Filosofia da Libertação. E Joseph Ratzinger deu uma "ajudinha" para deter esse movimento.







3 comentários:

  1. Zé: Sou católica e compartilho com tudo do que você disse. Sou contra muitas posições da Igreja, mas sou favorável a tantas outras. Que venha um Papa com opção por nós pobres.

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  2. Como toda entidade pública ou privada, a igreja católica tem a sua autoridade maior, no caso, o papa e a autoridade papal deveria ficar restrita à igreja, nada de interferir nos assuntos da sociedade.
    Aos pastores, o direito de cuidar do seu rebanho, o que já não é uma tarefa fácil.
    Aos políticos, vergonha na cara ao tratar do nosso dinheiro.
    À sociedade em si, mais respeito uns com os outros.
    E por aí vai...
    Eu gostava do JP II.

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