POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O Brasil tem sido pródigo em más notícias. Uma das mais recentes vem da ONU - Organização das Nações Unidas, que manifestou preocupação com o projeto de lei que propõe restringir ainda mais a já restritiva legislação brasileira sobre o aborto. O mundo civilizado ficou estarrecido diante da pretensão de proibir a interrupção da gravidez mesmo nos casos de abuso sexual, anencefalia do feto ou risco para a mulher.
Volto hoje ao tema porque muita gente acredita que é o momento de discutir a questão. O debate é positivo, claro, mas a coisa pode desandar. Falar de temas fraturantes exige um nível civilizacional que a maioria dos brasileiros, infelizmente, ainda não atingiu. Nestes tempos de “criptoteocracia”, em que religiosos ditam a agenda política, o país mergulhou numa espiral de obscurantismo e intolerância. É a discussão certa, mas numa hora difícil.
O debate tem que ser feito. O aborto é uma questão civilizacional, de costumes ou de consciência individual. Mas, sobretudo, é uma questão de saúde pública. Lembremos que, de acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde, todos os anos morrem 47 mil mulheres no mundo em consequência de abortos clandestinos. Eis a trágica ironia: as mesmas pessoas que assumem a “defesa da vida”, no caso dos fetos, fazem ouvidos moucos para o número de mortes de mulheres.
E volto a falar da experiência portuguesa, que conheço de maneira mais próxima. Em 2007, o aborto (chamado, de forma eufemística, de interrupção voluntária da gravidez) foi despenalizado. A partir daí o país resolveu um problema de saúde pública, evitando mortes e outros problemas provocados por abortos clandestinos. Hoje a ideia foi assimilada pela sociedade e tornou-se um não-assunto. Ah... e a boa notícia é que, ao contrário do que vaticinaram os moralistas religiosos, o país não foi destruído pela ira divina.
De volta ao Brasil. A ONU alerta para o fato de que o país se desviou dos compromissos internacionais no campo dos direitos humanos, como os direitos das mulheres e a igualdade de género. É um fato preocupante e que exige um amplo debate. Os brasileiros têm uma escolha a fazer: a aproximação aos países desenvolvidos (há muitos exemplos a seguir) ou o recuo civilizacional que o fará despencar para o nível das sociedades mais atrasadas. Em abstrato a escolha parece óbvia, mas...
Diálogo. Tolerância. Inteligência. Racionalidade. É disso que o país precisa neste momento.
É a dança da chuva.