POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A barbárie é
aqui. É em Minas Gerais. O velório de José Eduardo Dutra, ex-dirigente do
Partido dos Trabalhadores, foi marcado por dois episódios bárbaros. No
primeiro, um desconhecido atirou panfletos com o texto “petista bom é petista
morto”. Mais tarde, apareceram três pessoas a portar cartazes que, entre outras
coisas, desejavam a morte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O pequeno número
de intervenientes poderia indicar apenas uma sequência de fatos infelizes. Mas
não. Os episódios revelam uma cultura do ódio forte ao ponto de
tornar irrelevante o valor da vida. É a rejeição da civilização. É a invalidação do imperativo categórico de Kant (aquele que
fala em só querer para os outros o que queremos para nós – a vida é bem
universal) e a negação do contrato social.
Os dois episódios,
somados a tantos outros que se sucedem, revelam mentes
em estado de putrefação. O ódio fez perder as referências da vida em sociedade.
A decência, a tolerância e o respeito pelo ser humano – e pela vida –
tornaram-se moeda podre. Fica escancarada a corrosão do carácter. E o pior: a
intolerância atinge níveis que apontam, de forma assustadora, para o fracasso da democracia.
Sigmund
Freud escreveu que o
ódio é um processo do ego que projeta a destruição do ser odiado. O alvo dessa
projeção? É todo aquele que se mostra irredutível à minha própria imagem. Ou
seja, se o Outro é diferente e não se converte à minha imagem, odiá-lo é o caminho quase inevitável. Daí surge a negação desse Outro e, em situações mais extremas, o
desejo de destruição (a pulsão de morte).
O processo
faz surgirem as fobias, ódios irracionais pelo Outro. Há muitos exemplos. O
racismo, porque a cor é irredutível. A homofobia, porque representa a negação
do meu sexo “normal”. Ou a xenofobia, porque
a outra cultura do Outro me é estranha. Eis o problema: essas fobias têm
como pano de fundo o ódio de classe, a negação do Outro que pensa diferente.
Há quem
rejeite a expressão “ódio de classe” (os odiadores são os primeiros), mas ela é
uma evidência no Brasil. E a origem está quase sempre nos conservadores. Há um
discurso do ódio no dia a dia dessas pessoas. Quando se chama a presidente de
vaca ou puta. Quando um deputado acha que a polícia mata pouco. Quando
até um papa é execrado e chamado de comunista.
E sabem o que é mais lamentável, leitor a leitora? É o papel da velha mídia, que
atua como incubadora dessa cultura de ódio. Na falta
de ideias dos partidos de oposição, a imprensa ocupou esse vazio e tornou-se, ela própria, num forte partido de oposição. É um processo sui
generis. A velha mídia instila o ideário fascista (cuja seiva é o ódio) e os
reacionários transformam-no em prática quotidiana.
Viver pelo ódio produz uma estranha forma de vida. É bom lembrar Bernard Shaw, para quem o ódio é a vingança do covarde. Nem mais.
É a dança
da chuva.