terça-feira, 30 de abril de 2013

Órfãos, viúvas e carpideiras

POR JORDI CASTAN

É batata! Sempre que acaba um governo e entra outro  aparecem rebanhos de órfãos e viúvas do governo ou do partido que perdeu. Podem demorar mais ou menos, mas passado um tempo prudencial os seus lamentos tomam todo o espaço, seja nas redes sociais, seja nos jornais. Em qualquer meio disponível eles estão lá, com suas opiniões pontuais e críticas. O que não esteja sendo feito. O que podia estar sendo feito. E, principalmente, lembram todos os maravilhosos projetos e ideias que tiveram enquanto governo, mas não conseguiram implantar e não continuidade. É o que ocupa todo o mundinho dessa gente. E ainda falta espaço para conter os seus lamentos.

É uma choradeira tão grande que não lenços suficientes para enxaguar todas as lagrimas. E aí vem a visão das carpideiras. Estas profissionais do choro. Do grito desgarrado. Da dor feita alarido. Carpideiras que são mais bem pagas e reconhecidas quanto maiores e mais agudos os seus choros. Algumas chegam inclusive a  arrancar os cabelos para chamar a atenção.

No passado eram pagas pelo volume das lágrimas derramadas. E haja balde para conter tanta lágrima desconsolada. Para alguns desavisados pode parecer que há dor real, que o sentimento de perda é genuíno, mas não há que se deixar iludir pela gritaria ensurdecedora. As carpideiras são por definição mercenárias do choro. Profissionais da arte de representar a dor que não sentem. E nisso reside o mérito do seu profissionalismo, no fingimento, no histriônico da sua representação.

Não são poucos os órfãos e as viúvas que, sabendo perdida a eleição, afinaram a voz e se aproximaram dos quartéis do vencedor para buscar algum cargo. E renegando covardemente o senhor ao que até ontem serviram com fidelidade espúria. Na verdade, não serviram a outro que a si mesmos. Na ânsia de poder e necessidade de aparecer, alguns até atingem o cúmulo do dissimulo e da falsidade. O objetivo é serem reconduzidos de volta ao lugar que ocuparam por um tempo. Outros continuam firmemente agarrados às tetas lúbricas e fartas a que tão rapidamente se acostumaram e não conseguem sobreviver fora delas.

O mais curioso é o ar de ofendidos que assumem quando são identificados como órfãos ou viúvas de esta ou daquela administração. Este tipo de espécimes existe desde antes da Grécia antiga e continuarão a existir depois do PT ou de quem o venha a substituir. 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Joinville, a vila do senso comum

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Durante muitos anos eu fechei meus olhos para algumas situações que aconteciam em Joinville. Talvez pelo meu bairrismo, ou por falta de uma noção de totalidade, não admitia que Joinville era uma vila com tamanho de cidade média. Hoje percebo o quanto estive errado, pois, ao analisar a dinâmica social de nossa cidade, identifico que o senso comum domina, e o poder de crítica é extremamente combatido.

Tudo começa quando encontramos um sistema público de ensino deficitário, em todos os níveis. Por mais que tenhamos uma grande taxa de alfabetização, somos reféns de escolas interditadas e um plano pedagógico que ceifa a construção crítica de nossos jovens, submetendo-os apenas aos "desafios" de um tal mercado de trabalho. Os poucos que escapam desta lógica que forma, ao invés de construir conhecimento, esbarram na etapa seguinte: a desvalorização.

Como o mercado de trabalho (principalmente em Joinville, reduto ideal da lógica industrial) não valoriza a crítica, muitos saem de Joinville em busca de novos ares. Nosso amigo Zé Baço sempre nos alertou sobre isso aqui neste espaço. Os que por aqui permanecem não encontram uma Universidade (pública ou privada) que seja receptiva a este tipo de pessoas. A cidade é um harém do senso comum, reprodutora de todas as principais regras deste poder simbólico (resultante de vários interesses, principalmente econômicos) que domina, segrega e aliena. O cinza característico do cenário urbano industrializado é a mesma cor da produção intelectual.

O processo é cíclico e preocupante. A participação popular, de natureza essencialmente crítica, é anulada pela opressão ou pelo preconceito construído e propagado nos espaços acríticos da cidade. Desta forma, a cidade sempre será palco para alguns e espaço de plateia para quase todos. As coisas erradas acontecem diante de nossos olhos e a vila se resigna: segregação, preconceito, violência, mídia parcial, omissão do poder público, egoísmos, falta de alteridade e coletividade, acomodação... são algumas características do típico joinvilense.

É muito mais fácil criticar quem faz a crítica sem produzir um debate de ideias. O joinvilense (sem querer generalizar) é fanático pela crítica à conduta pessoal, e não pelas concepções de mundo do criticado. É só ver os comentários recentes em vários posts aqui do Chuva Ácida. O joinvilense adora ver e ser visto. Vive de aparências, de fetiches, de fábulas urbanas. É um bolha! (Me rendo, Felipe!) Não participa. É um dominado e gosta desta condição. Acredita em tudo o que vê na TV ou ouve no rádio. Vai na onda dos outros. Lota os shoppings nos fins de semana porque tem preguiça de cobrar do poder público grandes parques ou qualidade dos passeios urbanos (calçadas e demais vias). Troca de carro todo ano por status. Critica o transporte coletivo sem utilizá-lo. Faz faculdade para ter um diploma e não para adquirir conhecimento. Faz enormes festas de formatura e casamentos por pura aparência. Considera desenvolvimento urbano a mesma coisa que crescimento econômico. Tem medo do diferente e de quem pensa diferente de si.

Existem momentos em que tenho vergonha de ser joinvilense e dos passos desta cidade. Não sou adepto do "ame-a ou deixe-a", mas sim do "faça de tudo para mudar aquilo que não te agrada". É por isso que luto para não sair daqui em busca de outras oportunidades.

sábado, 27 de abril de 2013

Racista, homofóbico e agora chantagista?


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Deixei passar um tempo para ver o que rolava. Como nada aconteceu, agora retorno ao assunto. Esse pessoal da “esquerda” por vezes decepciona. E escrevo esquerda com aspas porque é um guarda-chuva onde muitos querem se abrigar de forma imerecida. Os caras andavam numa sanha onde só se falava em Marco Feliciano. Era Marco Feliciano para cá para cá, Marco Feliciano para lá, Marco Feliciano para acolá. Mas agora é só silêncio.

Tudo mudou quando o estafermo do pastor veio com aquela treta de impor uma condição para deixar a Comissão dos Direitos Humanos: os deputados João Paulo Cunha e José Genoíno, ambos do PT e condenados no processo do “mensalão”, tinham que abandonar a Comissão de Constituição e Justiça. Foi tiro e queda. A partir daí não se ouviu um pio sequer sobre o tema.

Era óbvio que deputado pastor estava a fazer uma ironia e não a propor uma negociatazinha, até porque estava garantido no cargo. Mas parece muita gente levou a chantagem a sério. Ou seja, em vez de juntar a palavra “chantagista” a “homofóbico” e “racista”, esse pessoal meteu o rabinho entre as pernas e silenciou. Um erro estratégico, porque parecia óbvio que se a contestação continuasse o cara não se aguentava no cargo.

Meus amigos, vamos separar as águas: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. É mais do que óbvio que o deputado não tem perfil – e sequer qualidades deontológicas – para defender os direitos humanos. Tirá-lo de lá é uma guerra específica. A batalha para tirar José Genoíno e João Paulo da Comissão de Constituição e Justiça é outra e provavelmente terá outros interessados.

Ora, essa desmobilização não faz sentido. Há duas semanas o cara era o demo em forma de pastor e hoje está tudo bem? Ou será que as causas de internet não resistem a uns diazinhos? Ou podemos acreditar que a consistência política das pessoas não resiste a uma chantagenzinha despudorada? O cara continua lá. Vocês vão baixar os braços? Então não reclamem.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O medo nosso (construído) de cada dia


POR FELIPE SILVEIRA

Não sei se a explosão que ocorreu durante a Maratona de Boston, na semana passada, foi um atentado terrorista praticado pelos dois jovens chechenos acusados ou um atentado terrorista armado pelo próprio governo estadunidense, como sugerem algumas teorias conspiratórias. Sei, contudo, que há muitas perguntas sem respostas sobre o caso e que precisam ser respondidas. Copio, abaixo, algumas feitas pelo jornalista Flávio Gomes (o texto completo pode ser lido aqui, e vale a pena):

"1. Onde está a tal SUV Mercedes que teria sido roubada pelos garotos da Chechênia? Quem é seu proprietário? Alguém falou com ele? Os meninos disseram ao dono, realmente, que eram os responsáveis pelas bombas? A troco de quê diriam isso? Numa cidade/região monitorada por câmeras a cada esquina, por que não apareceu nenhuma imagem desse carro sendo conduzido pelas ruas em fuga?
2. Os dois garotos, segundo as autoridades, foram perseguidos pela polícia. Houve tiroteio e granadas lançadas. Outras bombas atiradas. Sabemos o contingente que a polícia americana desloca para qualquer ocorrência. Como é que o menino de 19 anos conseguiu fugir ao cerco? A pé? Como assim? Se escondeu onde? Como é possível demorar tanto para encontrar um garoto de 19 anos que estava cercado pela polícia?
3. O que é que os meninos chechenos estavam fazendo no MIT na noite de quinta-feira? Por que é que não fugiram da cidade depois de explodirem as bombas? Terroristas de verdade ficariam batendo perna pela cidade onde cometeram seus atentados por qual motivo? Há alguma explicação para isso? Se você explodisse uma bomba nos EUA ficaria na cidade? Não teria um plano de fuga? Não sumiria? Por que atiraram num policial no campus? Não há imagens desse confronto no campus da universidade, monitorado por câmeras em todos os cantos?"

A indignação do Flávio Gomes é com esse tipo de jornalismo que não faz pergunta, que publica tudo que a autoridade diz, que compra a versão oficial. Versão que aprendemos que deve ser a primeira a ser questionada. No entanto, trouxe a questão aqui para o Chuva Ácida por outro motivo.

O que aconteceu em Boston após os atentados, com comemorações nas ruas após a morte de um dos suspeitos, é um sintoma de uma sociedade que vive com medo, em paranoia. Um medo alimentado dia a dia pelo sistema, pelo governo, pela mídia...

(Talvez valha lembrar aqui que medo é uma coisa que vende, seja sistema de segurança ou seguros de vida.)

Apesar de ter ido até Boston neste texto, a reflexão que quero fazer é sobre Joinville mesmo. Ainda estamos muito longe de viver nessa sociedade paranoica como a americana (principalmente depois de 11 de setembro de 2001), mas me parece muito claro que esse medo é construído é diariamente.

Quando um vereador diz que proibir o consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos “será um avanço social para a cidade” o medo de viver em sociedade é construído. Se uma proibição como essa for um avanço, eu tenho medo do que pode ser o retrocesso. E não se trata aqui de defender o próprio direito de beber, pois eu não lembro de ter feito isso em local público. Trata-se de entender que leis como essa inibem o encontro em público, a confraternização no parque, o uso da praça e da própria calçada. É a lógica de empurrar as pessoas para dentro de casa, onde não conversam, não questionam, não protestam. Vivem como indivíduos, e não como coletivos.

Sem contar, claro, do papel de “higienização” da cidade, desejado por muitos. Resolver o problema do mendigo ninguém, mas expulsá-lo para longe da vista interessa muito aos moradores do centro e dos bairros nobres (vocês não gostam do termo elite, né?).  E interessa, principalmente, ao mercado imobiliário, que precisa vender essa cidade "limpa".

Muros cada vez mais altos, câmeras de vigilância em todo lugar, violência na mídia, violência no trânsito, guarda municipal, blitzes surpresas da PM, proposta de redução da maioridade penal, abandono dos espaços públicos... São coisas como essas que vão, aos poucos, formando uma sociedade cada vez mais amedrontada. Gente que vive cada vez mais dentro de casa ou dentro do shopping (o local seguro por excelência, onde você pode comprar, comprar e comprar mais), que vive como indivíduo e não como coletivo.

Apesar disso tudo há muita gente na direção contrária. Mas essa é uma luta política e é preciso acordar para a vida e não aceitar tudo que nos é imposto pelo governo e pela mídia. Ou daqui estaremos todos trancafiados dentro de casa e aceitando tudo que o governo fala e a TV reproduz, como a história lá do começo do texto.

P.S.: Na semana passada eu reclamei das luzes apagadas do Parque da Cidade. A comunidade também reclamou bastante. Soube que houve esforço de alguns setores da Prefeitura para ligar novamente. Ontem as luzes estavam acesas, permitindo que a população pudesse usar o espaço. Obrigado e parabéns ao pessoal do governo que está atento e disposto a trabalhar por uma cidade melhor.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

As leis acompanham a cultura ou vice-versa?


POR FERNANDA M. POMPERMAIER

Uma das experiências mais difíceis da minha vida foi voltar a trabalhar depois da maternidade. 


A descoberta de si mesma como mãe, esse novo relacionamento, essa sensação de responsabilidade, de cuidar, esse amor sem limites, fazem com que reorganizemos as prioridades. E não estou querendo superestimar a experiência de ser mãe.  
Eu vejo que a maternidade é tratada de forma bastante deslumbrante  na mídia brasileira. Vê-se as propagandas de margarina, de produtos para bebês ou os finais felizes de quase 100% das comédias românticas. Sem contar a forte influência da igreja e a própria tradição passada por gerações. É difícil para muitos encarar com naturalidade as famílias compostas com outros arranjos: 2 pais, 2 mães, pais separados....enfim. Uma realidade diversa e crescente na sociedade. 
É possível visualizar a confusão mental de algumas pessoas quando escutam uma mulher afirmar que não deseja ter filhos, tão forte a lavagem cerebral pela qual passamos todos nas últimas décadas. Acreditamos que para alcançar a felicidade precisamos de papai, mamãe e filhinhos, de preferência 2, um menino e uma menina. 

Eu também comprei esse sonho da felicidade, por determinismo ou não, agora não dá de saber, fiz a escolha de ter um filho. Mas o que a propaganda não te conta é o choque de realidade que vem depois e apesar de todo o deslumbramento inicial, um pensamento recorrente era: por que eu fiz isso com a minha vida?! 
No sentido de que, até poucos dias antes se eu quisesse viajar, eu ia, se quisesse me separar, me separaria, se eu morresse, não tinha problema, ninguém dependia de mim. Claro que tudo isso ainda pode acontecer mas com as devidas adaptações e consequências. 
Não me entendam mal, é óbvio que eu amo a minha filha e não me arrependo. O que me pergunto é: será que noutra cultura eu teria feito a mesma escolha? Não há como saber. 

Com o tempo fui percebendo que eu não deveria encarar a maternidade como um impeditivo para nada. Uma criança é um ser humano em crescimento que merece as melhores condições para crescer de maneira saudável. Eu percebi que não fazia bem para a nossa relação desejar que ela se adaptasse à nossa rotina, mas sim, o contrário, e é por isso que, com ela aos 3 anos, eu ainda não voltei a trabalhar 100% do tempo. Felizmente, eu posso fazer essa escolha hoje de trabalhar apenas 60%, buscá-lá mais cedo do centro de ed.infantil e me oferecer nesse momento só para ela. 

Mas quantas mães/pais tem essa oportunidade ou até o desejo de adaptar sua rotina à criança? É necessário algumas concessões que nem todos estão dispostos a fazer, e apesar de saber que o centro de educação infantil é a melhor opção para a sua educação institucional, eu não abro mão de educar a minha própria filha com os nossos valores. E para isso é preciso tempo, disposição, criar oportunidades para longas e calmas conversas, descobertas e experiências. Sem pressa, sem o stress do dia-a-dia.
A verdade é que a experiência é gratificante mesmo. É felicidade pura, é aprendizado de todos os lados, é crescimento pessoal,  é muito amor. 

A Suécia já entendeu a importância desses momentos e oferece 1 ano e 4 meses de licença parental*, que podem ser divididas 1/2 a 1/2 entre os dois cuidadores. Cada um deve pegar no mínimo 90 dias. Essa é uma característica de muitos países com altos índices de qualidade de vida. E aí, aparece a questão de gênero, amplamente discutida na Suécia desde antes dos anos 70, e a ativa participação do pai. Os homens que hoje são pais aqui, já viram seus pais participando ativamente nas atividades da casa e educação dos filhos. É tudo muito natural para e as empresas/governo compreendem. Ninguém faz cara feia se o homem dia que vai pegar 6 meses de licença. 

Eu não sei se as leis mudam conforme as mudanças culturais ou se a cultura acaba mudando por causa de novas leis. 
Podem ser ambos. 
Mas que mensagem está passando um estado/empresa que oferece 5 dias de licença ao pai quando nasce um bebê e 4 meses, ou em alguns casos 6 meses, de licença para a mãe?

Está dizendo: pai, esse nascimento não tem nada a ver com você. 
Essa experiência é, no máximo, da mãe, e olhe lá, que 6 meses não é tanto assim.

O que é totalmente incompatível com a realidade. Conheço inúmeros homens que esperaram a vida inteira pela experiência de ser pai, e que, infelizmente não tem o amparo das leis, para passar por esse periodo com o mínimo de dignidade.
Incrível que sejamos um país que luta tanto pela família: nos moldes papai, mamãe e filhinho, e não priorizemos essa forma de funcionar da sociedade que oferece à criança o básico, a presença dos pais.

Não é fácil se adaptar ao fim da licença maternidade, mas é diferente quando a criança já tem 1 ano e 4 meses. Fica mais tranquilo educar os filhos quando se trabalha, no máximo, das 8h às 17h. E é muito mais agradável se dedicar à vida profissional quando se sabe que a criança está bem cuidada num centro de educação infantil** de qualidade e próximo de casa. 

Deveríamos poder contar com o suporte do estado para conseguir oferecer melhores experiências diárias às nossas crianças. 

*A licença é paga pelo estado e não pelo empregador.
** Existem na Suécia centros de educação infantil públicos e privados, ambos recebem o mesmo valor do estado por cada criança. Os pais também pagam uma mensalidade que varia conforme o salário dos dois e pode chegar a até no máximo 1250 coroas, o que significa aproximadamente 400 reais. O auxílio econômico do estado recebido pela família é de 1050 coroas para cada criança. Sem distinção entre famílias.