POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Não sei se o leitor e a leitora lembram das lições de história na escola, mas os cercamentos (enclosures) viraram a sociedade pelo avesso. Porque as terras de comum – por servos e senhores – foram privatizadas e transformadas em pastos para ovelhas. E os trabalhadores acabaram sendo expulsos das suas casas, num tempo em que, na descrição de Thomas Morus, as ovelhas comiam os homens.
Era o começo do capitalismo. A cerca anuncia o nascimento da propriedade privada, o que até nem é uma ideia para rejeitar de forma apriorística (que me perdoem os comunistas). O problema é que nesse mesmo parto também nasceu o mais virulento dos pecados civilizacionais: a ganância. Sozinha, a ganância já causou mais danos que todos os sete pecados capitais juntos. Se a cerca é mãe do capitalismo, a ganância é a parteira do individualismo exacerbado.
O individualismo de que estamos a falar é um sentimento egoísta (e ególatra), que leva a rejeitar os valores da solidariedade humana. Nada mais longe da tese do pensador liberal Adam Smith, que propôs uma ideia aceitável de individualismo: se cada um cuidar do seu jardim, todos os jardins serão bonitos. Faz sentido... em teoria. Mas a coisa não funcionou. Por quê? Porque o tempo transformou a ganância em virtude. E a corrosão do caráter deixou de ser uma coisa negativa.
Os capitalistas que abusam do capitalismo estão nem aí para o liberal escocês (o único escocês que reconhecem é o uísque.) Perdeu, Adam Smith. A ganância faz querer açambarcar todos os jardins do mundo. Não foi por acaso que chegamos a este número imoral: 1% dos mais ricos detém a mesma riqueza que os outros 99%. Ou, por outras palavras, os tais 1% de que falava o pessoal do Occupy Wall Street: os acionistas gananciosos das corporações gananciosas, que produzem riqueza sem trabalho.
Os próprios defensores do sistema capitalista estão a cair no engodo, porque o velho capitalismo de terra e trabalho está superado. O capitalismo financeiro (ou de casino), que faz dinheiro gerar dinheiro sem um corresponde em produção, está a levar o sistema a um ponto limte. Há uma inegável crise sistêmica que fez surgirem os excluídos do capitalismo. Mau presságio. Afinal, como não se cansam de repetir os marxistas, o capitalismo gera o seu próprio coveiro. A última cerca pode ser a do capitalismo no cemitério da história.
É a dança da chuva.