quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Reformas, escolhas e o leite derramado


POR RAQUEL MIGLIORINI

Discutir a reforma do Ensino Médio é chorar sobre o leite derramado. Vale refletirmos sobre os acontecimentos recentes como um pacote. A aprovação da PEC 55 pelos Senadores mostra bem o que se espera da colônia. Temos um arrocho nos investimentos na Educação que impedirá maior acesso ao Ensino Superior e melhorias na Educação Básica. Como colônia, temos o péssimo hábito de desprezar a História, menosprezar os acertos e repetir os erros.

As décadas de 70 e 80 nos dão excelentes exemplos sobre o exposto. Cursos Técnicos em escolas de excelência despontaram em diversos estados. A carga horária era maior, laboratórios equipados e professores capacitados começaram a formar escolas que se destacavam em meio educacional. E é importante frisar que a indústria bancava tudo isso. As empresas recebiam mão-de-obra qualificada e pronta para o trabalho. Problemas nesse sistema? Nenhum.

A menos que o estudante não quisesse parar nisso, no que lhe tinha sido imposto. Muitas famílias e estudantes começaram a usar essa excelência como trampolim para a Universidade. Problemas? Para os estudantes não, mas as empresas rapidamente entenderam o processo e, gradativamente, foram cortando os financiamentos. A decadência iniciou  e muitas escolas técnicas fecharam as portas. Nos últimos 10 anos, os institutos federais começaram, com incentivo do Governo Federal, a formar novos cursos técnicos.

Poderíamos ficar tempo discutindo somente esse ponto. Se todas as escolas tivessem excelência, os alunos não precisariam fazer o curso técnico como meio de acesso ao superior. Mas a realidade é outra e tiraram a possibilidade de escolha: se fez técnico, vai morrer assim. E é aqui que faço o link com a nova reforma. Os bons observadores já notaram  duas propagandas  recentes. Uma delas com um “aluno” branco, bem falante, que vai para a frente da sala e discursa para “alunos” negros e mulheres sobre a reforma do Ensino Médio. A outra é com o presidente da FIESP falando sobre o sucesso que a pessoa terá se fizer curso técnico.

Tudo isso mostra que precisamos acertar o rumo. A escolha sobre o futuro do estudante tem que ser dele e da família. Digo isso porque, o que a FIESP e demais entidades afins esperam é que o aluno que fizer técnico, morra assim (porque aposentar não vai, não é mesmo?). Isso não pode ser imposição. Em Joinville temos  esse modus operanti com famílias inteiras que fizeram curso técnico, começaram a trabalhar cedo, aposentaram na mesma empresa e ninguém cogita sair do sistema. Promoção apenas para supervisor de área. Cargos com maior remuneração apenas para quem tem curso superior.

A pessoa quer fazer  curso técnico, continuar os estudos e fazer doutorado? Ótimo. Quer parar de estudar no curso técnico? Ótimo também. A opção tem que ser do cidadão. A colônia não deveria mais aceitar a formação de mão-de-obra manipulada e sem capacidade para pensar. Mas aí vem a reforma do Ensino Médio e coloca como optativo disciplinas que fazem pensar. E voltamos à década de 70.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Marina Silva e a absoluta falta de carisma



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


Eis um bom exemplo do jornalismo brazuca destes nossos dias. A manchete da Folha de S. Paulo de ontem diz que “Marina Silva é líder em todos os cenários de 2º turno”. Se o leitor ficar apenas pelo título da manchete vai imaginar que temos aí uma supermulher, uma candidata quase imbatível. Só que não. A manchete faz aquilo que em comunicação é chamado “metonímia”. Ou seja, usa a “parte” para mostrar o “todo”.


Quem lê a matéria e vê os números do primeiro turno fica a saber que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disparado na frente, com 24% das intenções de voto. A candidata da Rede fica muito atrás, nos diversos cenários. Se for contra Aécio Neves, temos um 15% a 11% (que dá um empate técnico); se for contra Sérgio Moro, que a pesquisa teve o “cuidado” de introduzir como potencial candidato, fica num empate de 11%.

Aliás, sobre o primeiro turno a Folha diz que “Luiz Inácio Lula da Silva cresceu nas simulações de primeiro turno, na comparação com o levantamento anterior”. Nada mal, se tivermos em conta que o ex-presidente tem sido vítima de um massacre midiático e judicial. E a distância entre Lula e Marina no segundo turno caiu: ela tinha 52% em março e agora tem 43%, enquanto o ex-presidente subiu de 31% para 34%.

Por que a Folha de S. Paulo está a inflar a candidatura de Marina Silva? Afinal, será que ela emplaca? Muita gente acha que, com um tempo alargado de televisão, a putativa candidata tem potencial para crescer nas intenções de voto. Não teria tanta certeza. Mais tempo de televisão é mais tempo de exposição e de escrutínio da imagem. E as muitas contradições podem ficar mais evidentes. 

Qual foi a posição de peso e demarcadora que Marina Silva tomou nos últimos tempos? Nenhuma. A candidata limita-se a frases inócuas sobre a corrupção. Mais nada. É inodora, insípida e incolor. E o fato de ser apontada como candidata do Banco Itaú ou da Natura, por exemplo, também dá panos para manga. E, por ironia, os áulicos da direita estão em desespero, acusando o seu partido de fletir para a esquerda.

No entanto, há um fator que, parecendo de menor importância, poderá ser definidor: a figura de Marina Silva é débil do ponto de vista do carisma. E isso pode ser um sério problema. Todos sabemos que os eleitores não compram apenas ideias (e é preciso tê-las), mas sim imagens e signos. Aliás, não é despiciendo salientar o conceito de dominação carismática, ponto saliente na sociologia de Max Weber.

A dominação carismática assenta em valores afetivos, na crença de que o líder tem qualidades superiores. A seguir a senda weberiana vamos encontrar uma condição: o governante deve ser visto pelos governados como alguém acima da média, quase sagrado e a sua imagem deve emanar algo “heróico”. Ora, nenhuma dominação é boa. Mas vale lembrar que as massas gostam da ideia do pai (ou mãe) autoritário e protetor.

Não parece que Marina Silva, por mais currículo e qualidades que venha a apresentar, possa ser incluída no rol de pessoas capazes de passar uma imagem vigorosa. Pelo contrário. E há muito caminho por percorrer. Aliás, o mais estranho é ter pesquisas dois anos antes das eleições. Mas vamos esperar os próximos capítulos dessa novela sucessória, que ainda promete muitas emoções. Afinal, no Brasil destes dias é muito arriscado fazer previsões, em especial sobre o futuro.

É a dança da chuva.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Bem-vindo a Joinville, Uber

POR JORDI CASTAN


Finalmente uma boa notícia, o Uber chegou a Joinville. Um serviço melhor, mais econômico e mais confortável que o do táxi. Um serviço que alia modernidade e preço e, principalmente, ou por isso tudo é melhor para o passageiro. Ah... o passageiro! Sim, esse passageiro que por décadas tem sido ignorado e o continuaria sendo, não fosse a chegada do Uber. Claro que Prefeitura não aprova o serviço e declarou ainda que os serviços de transporte privado de passageiros estão sujeitos a penalidades. A fiscalização é feita pela Unidade de Transporte, da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra).

Pagar R$ 50,00 do aeroporto ao centro é um abuso. Não ter táxi disponível no ponto é outro. E fazer corrida quando o motorista quer e para onde quer é outro. Poderíamos acrescentar muitos mais. Mas a verdade é que o serviço de táxi em Joinville é vitima do seu próprio veneno. A situação atual é o resultado da falta de uma política de transporte por parte do poder público unido a relação incestuosa com o coletivo dos taxistas, que até hoje só estiveram interessados em defender seus próprios interesses e nunca se posicionaram como prestadores de um serviço público.

Nem faz tanto tempo assim que os táxis não tinham nem padronização de cor. Carros com quatro portas, para maior comodidade do passageiro são recentes e só foi possível conseguir que aceitassem adotar veículos mais confortáveis depois de duras e difíceis negociações com o seu sindicato.

A nossa sociedade é hoje o resultado de uma soma de coletivos que, mancomunados com o poder público, exploram o cidadão. Aproveitam-se da fragilidade da sociedade e da falta de escrúpulos dos políticos que a deveriam representar e defender para seguir se locupletando. A lista não é pequena e envolve de despachantes a taxistas, passando por concessionarias de serviços públicos, a ordem é uma só: tomar de assalto o bolso do cidadão/contribuinte.

O Uber é uma gota num oceano. Não resolverá o preço abusivo do transporte coletivo, nem o do táxi em Joinville. Apenas permitirá que o cidadão tenha alternativa. Contribuirá para melhorar o trânsito porque será possível deixar o carro em casa mais vezes. Haverá alternativas aos ônibus lotados, sem que a alternativa seja ser extorquido pelo preço de uma corrida de taxi quase tão cara como a passagem aérea que nos levou de São Paulo a Joinville. O poder público, como sempre, vai olhar para o outro lado e fingir que nada sabe, que nada viu. Esquecendo que é dele a responsabilidade de defender os interesses dos cidadãos. 

SANTOS DUMONT - Outro acidente gravíssimo na avenida Santos Dumont. A obra continua pessimamente sinalizada, oferecendo risco a todos os que ali transitam. O poder público se omite e o numero de mortos e feridos só aumenta. Uma vergonha. Para as famílias que vivem a tragédia a única alternativa é chorar e orar. Ante o olhar impávido dos responsáveis que seguem sem fazer nada.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Amigo.


Uma análise de conjuntura da negritude brasileira

Foto: Igor Alecsander

POR FELIPE CARDOSO

Os movimentos e intelectuais negros brasileiros sempre buscam fazer um paralelo entre o período escravagista e a atualidade. Se é preciso estudar a História para não repetirmos os erros do passado, os protagonistas da luta antirracista fazem isso há muito. Mas por mais esforços que façamos, a tal estratégia parece não render bons resultados.

Recentemente, uma matéria divulgada na The Intercept Brasil, mostrou-nos como o brasileiro ainda não conseguiu enxergar o período escravagista como algo extremamente violento que deixou uma enorme ferida aberta na nossa sociedade. A reportagem denuncia uma fazenda particular de uma cidade do interior do Rio de Janeiro que oferece aos “turistas” a oportunidade de serem, durante algumas horas, escravagistas.

“Se você desejar ser servido por uma pessoa negra vestida como escrava em pleno 2016, você pode visitar, por exemplo, na Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, única fazenda particular tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (Iphan-RJ) no Vale do Café, construída por volta do ano de 1830”.

O pior disso tudo é saber que, além desse serviço altamente desrespeitoso e racista, os donos dessas terras ainda recebem do governo indenizações por estarem localizadas em áreas quilombolas.

“Ou seja, os negros em Valença — assim como no resto do país — trabalharam muito, deram o sangue — literalmente — mas não conseguiram se mover na pirâmide social. Por outro lado, os donos de fazendas — que já não pagaram por trabalho — são indenizados quando suas terras são reconhecidas como terras quilombolas, aquelas onde pessoas escravizadas e seus descentes encontravam refúgio e resistiam contra a escravidão”
.

Mesmo com essas atrocidades, tentamos continuar evidenciando e denunciando tais injustiças e tentando relembrar sempre das dores e da violência sofrida pela população negra que enfrentaram e seguem enfrentando castigos brutais, encarceramento, estupros e assassinatos, devido a um fenômeno de exclusão que contaram com políticas públicas para serem implementadas. Justamente por isso, a análise de conjuntura da negritude brasileira não tem como ser feita separadamente, analisando apenas a contemporaneidade.

Devemos lembrar que os escravos eram produtos e determinavam o nível de riqueza dos colonizadores. Quanto mais escravos, mais renda. A terra era ainda uma concessão da Coroa. Essa lógica brasileira dura até 1850, quando começam a surgir no país leis que pretendiam “libertar” os escravizados gradual e lentamente, não garantindo nenhuma seguridade de vida, pois o intuito era o branqueamento do Brasil, por conta da elite brasileira da época acreditar que os negros e os indígenas eram os principais culpados pelo atraso do país e que não teriam capacidade de se adaptar ao novo modelo que vinha sendo implantado.

Então, em 1850, surge a Lei de Terras que, somada a Lei Eusébio de Queiroz (que proibia o tráfico de escravos), promulgada no mesmo ano, transforma as terras em mercadorias, que passam a contar como o indicador de riquezas. Com a promulgação dessas leis, os escravos que não tinham renda, mesmo após a libertação, ficaram impossibilitados de ter renda própria ou alguma garantia de moradia uma vez que não foram indenizados e não receberam nenhuma indenização por parte do governo. As duas leis permitiram que os recursos financeiros fossem redirecionados para outras áreas que pudessem criar alguma infraestrutura para o país, como as ferrovias, por exemplo. Além disso, a economia das lavouras passou a dar espaço à industrialização dos grandes centros que acabou por cercear e impedir a democratização da estrutura fundiária.

A Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários poderiam ser relembradas como um importante passo para a nação, não fosse a real intenção de dar legitimidade para a retirada da responsabilidade dos senhores de escravos sob crianças e idosos. Somou-se a esses fatores, a inexistência de políticas públicas que garantissem algum serviço de assistência básica para a população negra.

Além disso, a partir da década de 1870, começaram a chegar, no Brasil, as primeiras levas de imigrantes europeus que passariam a trabalhar como assalariados. A vinda desses imigrantes foi o resultado do plano de branqueamento do país que contou com a doação e o financiamento de terras, o reconhecimento das suas práticas religiosas, o direito a saúde e educação. Os donos das terras preferiram contratar os serviços dos europeus a contratar os escravos como assalariados.

Em 1888, por pressão da Inglaterra, que queria impulsionar a industrialização do país, é assinada a Lei Áurea que aboliu definitivamente a escravidão no Brasil, sem nenhum planejamento de integração dos negros e negras à sociedade, criando, assim, um abismo de exclusão e desigualdades: desemprego, falta de terra e moradia, sem acesso a saúde, educação e outros direitos fundamentais para a vida.

Vale lembrar ainda da Lei Penal em que desde o período Imperial do país os escravos não possuíam nenhum direito protetivo e eram tratados apenas como objetos. A falta de interesse do setor judiciário na alteração dessas mesmas leis impossibilitou as mudanças necessárias para construir de outra maneira a inserção da população negra no sistema republicano.

Se hoje os “menores infratores” que são vistos como problema e pautam a “redução da maioridade penal”, vale lembrar que são frutos do descaso do passado. Os mesmos “menores” que por muitos fatores abandonam os estudos precocemente e que também são frutos do descaso do passado.

Se atualmente vemos o encarceramento em massa da população negra e o alto índice de violência e do extermínio da juventude negra, percebemos que são consequências do histórico de descaso do passado.

Se hoje os idosos negros com doenças gravíssimas dependem de um sistema público de saúde precário, com profissionais que resistem em estudar a saúde da população negra e suas especificidades, são frutos do descaso do passado.

Se atualmente vemos a hipersexualização, os índices alarmantes de violência doméstica e casos de estupros envolvendo mulheres negras, percebemos que são fruto de um passado estruturado e institucionalizado no racismo.

Assim como vemos o posicionamento racista da opinião pública e diversos brasileiros contra a vinda de imigrantes negros para o Brasil, supondo uma série de desastres políticos e econômicos para o país. A capacidade ilimitada de empregarem pessoas negras somente em cargos subalternos, também são frutos do descaso do passado.

Por essas e por tantas outras atrocidades cometidas contra a população negra, com o respaldo das leis brasileiras, temos que fazer a análise de conjuntura de maneira separada da população não negra, evidenciando a grande desigualdade social, econômica, política e cultural existente no Brasil que também sofre influências externas por conta dos interesses financeiros, e que divide e hierarquiza a classe trabalhadora não apenas por meio da classe social, mas também pelo gênero e pela raça.

Mesmo com todas essas evidências históricas demonstradas resumidamente neste texto, ainda temos que explicar e justificar detalhadamente os motivos de condenarmos o racismo descarado existente na Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, na encenação de um dos piores períodos do mundo.

Alguns brasileiros são tão hipócritas e racistas que conseguem sentir as dores dos sírios e dos judeus, estudar e propagar as suas histórias com responsabilidade e respeito, mas não se sensibilizam e não se esforçam para mudar a realidade dos milhares de negros e negras mundo a fora.