terça-feira, 5 de novembro de 2013

A infinita estupidez humana

POR JORDI CASTAN


A estupidez humana as vezes é anônima, às vezes tem nome e sobrenome. Adquire sua máxima expressão quando praticada por grupos organizados.

Em recente reunião do Conselho da Cidade, um dos próceres sambaquianos e distinto urbanista de salão, fez a sua declaração de princípios:

"Sou capitalista, não sou comunista e defendo o conceito de adensamento da cidade".

"A cidade de Joinville não tem contribuintes que paguem pela qualidade de vida".

"Qualidade de vida é algo muito caro e o povo do municipio não tem esse poder aquisitivo para tanto".

"Temos que cuidar com os ecologistas que tem nos trazido muitos prejuízos".

Inútil tentar explicar que focinho de porco não é tomada. O grupo que defende o progresso a qualquer custo (ou deveríamos falar de desenvolvimento sem princípios ou a qualquer preço?) já há tempos desistiu de debater e fica só repetindo o discurso enfadonho que Joinville esta parada, que as empresas fogem daqui, que a cidade esta perdendo investimentos e bla-bla-blá. Tentar arrazoar com quem desistiu de escutar é pura perda de tempo.

Mas tomemos uma por uma as declarações de princípio que foram aplaudidas e celebradas pelos demais membros da bancada desenvolvimentista, incluindo altos comissários do IPPUJ.

Afirmar que há relação entre capitalismo, comunismo e adensamento urbano é coisa de quem viaja pouco, lê pouco e sabe pouco. Qualquer visita aos países de Europa oriental mostraria o conceito comunista de adensamento. Se a viagem fosse para os Estados Unidos, que pode ser chamado de tudo menos comunista, poderia ver o modelo de espraiamento urbano que tem pipocado por lá. Mas se a viagem americana ou as informações se reduzem a ilha de Manhatan em Nova Iorque, aí poderia se explicar a afirmação.

A segunda afirmação é perversa e evidencia um elevado nível de segregação. Nesse caso de alguém que se considera superior aos outros e comete a estultice de reconhecer que a proposta que defende, pelo adensamento reduz a qualidade de vida de cidade e que é isso que Joinville merece.

A terceira afirmação é redundante, pois não acrescenta nada ao que ja tinha afirmado anteriormente. A única novidade é que agora não há mais sutilezas, somos uma cidade de gente pobre e não merecemos ter qualidade de vida. O adensamento capitalista é o que a cidade e a população merecem.

A declaração de princípio não estaria completa sem o tradicional ataque aos ecologistas - aos urbanistas, presidentes de associações de moradores, empresários e cidadãos comuns que resistem à cooptação - aos defensores do verde, da qualidade de vida, de uma cidade sustentável, esse grupelho que tantos prejuízos tem trazido aos capitalistas representados no Conselho da Cidade.

Eis uma prova da visionária afirmação de Einstein: "Há duas coisas infinitas, no universo, o hidrogênio e a estupidez humana e do hidrogênio eu não tenho certeza".

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O "blá-blá-blá" das redes sociais

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

É muito comum nos depararmos com pessoas que são contrárias às redes sociais, principalmente pelas manifestações que surgem a partir dos Facebooks, twitters e blogs da vida. O próprio Chuva Ácida é prova disso, ao ser criticado constantemente por pessoas que não gostam de terem suas atitudes confrontadas perante um contraditório que por aqui surge. Há outras milhares de pessoas, em seus perfis particulares, que encaram as redes sociais como um espaço de militância e de divulgação das ideias. A reação a isso tudo, portanto, é a desqualificação em tom de "crítica pela crítica" ou um puro "blá-blá-blá"

O que estes reacionários não enxergam, por muitas vezes, é a ação de um discurso. Esta ação pode seguir dois caminhos muito distintos, dependendo da intenção do emissor da mensagem: pode transformar, trazer novos pontos ao debate, mudar o ponto de vista sobre determinada situação, ou simplesmente contrapor aquilo que, ao seu ver, está errado. Por outro lado, pode manter um status quo; esconder as reais intenções de uma situação, ou simplesmente propagar conceitos que não transformam e apenas reproduzem o vazio. Nenhuma palavra é solta "ao vento", sem intenções.

Foi este mesmo "blá-blá-blá" que mostrou para o mundo inteiro, através das redes sociais, o real problema da questão urbana brasileira. Foi o que levou milhões para as ruas, e iniciou o processo de conscientização de muita gente sobre a real importância da manifestação e busca por soluções, através das "Jornadas de Junho". Nada teria acontecido sem a propagação de discursos, de mensagens, de ações transformadoras embasadas em conhecimento sobre determinados assuntos. As redes sociais potencializaram a propagação. Até a eleição para Prefeito em 2012 teve cenários delimitados pelo o que surgia no meio virtual.

Portanto, o "blá-blá-blá" sempre está na cabeça de quem não acredita no poder de uma palavra. Está na cabeça de quem acredita 100% no que diz a mídia tradicional e corporativa, as camarilhas políticas, e as rodas de puxa-sacos. Está naquele que tem medo da mudança pela possibilidade de detrimento do individual em prol do coletivo.

Para finalizar, vale lembrar que o emissor tende a deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos, e o discurso explicita sua luta pelo poder. Não poderia ser diferente, pois a explicitação de seu desejo de poder é o próprio discurso. De forma diversa, o discurso tem lados, é um discurso de visões de mundo. Desconstrói o outro e a forma como constrói a si próprio, como oposição ao outro; (re)produz o mundo. Falar, criticar, escrever, apontar e desconstruir não é "blá-blá-blá". É a forma que alguns encontraram de mudar o lugar em que vivem. E, convenhamos, Joinville precisa demais destas pessoas.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Um anônimo me convenceu de que sou negro

POR FELIPE SILVEIRA

Aprovei, ontem, meio a contragosto, um comentário anônimo que dizia que todos os negros são hipócritas, inclusive eu, Felipe Silveira. Isso me fez repensar a posição sobre defender o anonimato. A discussão dentro do Chuva Ácida é boa sobre o assunto, e eu sempre fui a favor dos anônimos, apesar de ser um dos que mais se incomoda com eles.

Entendo que o anonimato tem um papel importante na história e que serve muito mais para proteger a identidade de quem tem alguma crítica importante a fazer, sobre qualquer coisa. Mas, como disse o Maikon K, aqui no Chuva Ácida o anonimato perdeu esse sentido, se é que algum dia teve. Aqui ele serve para deixar que gente escrota publique escrotidão, como a que eu citei no início do texto.

Evidentemente que eu apagaria esse comentário numa situação normal, mas o publiquei, a contragosto, para fazer com vocês essa reflexão. Eu gostaria, sinceramente, de saber como explicar para esse cara que ele é racista, pois ele jura de pé junto que não é, já que escreveu essa asneira para dizer que somos todos iguais. Para finalizar, ele pergunta por que todos os negros querem aparecer. Juro, ele perguntou isso.

E agora sou eu que pergunto: alguém teria coragem de escrever isso sem a proteção do anonimato? Sim, teriam. Mas seria um número bem menor a fazer desse jeito tão vergonhoso.

Mas certamente teriam. Se os caras têm coragem de entra na Justiça para impedir que seja aprovado um feriado para comemorar e refletir sobre o Dia da Consciência Negra, imaginem o que eles podem fazer nas caixinhas de comentários de blogs como o Chuva Ácida. Eu sei que é difícil acreditar, mas é verdade. DOZE, entidades empresariais e sindicais (das empresas, só pode) fizeram isso.

Eu sei que é chocante, mas eles foram covardes o suficiente para fazer isso. E eu não sei o que é mais feio, se é o racismo por detrás disso ou a desculpa do prejuízo de dez milhões num único dia. Sim, esses caras dizem que fizeram por causa de dinheiro. Acreditem se quiser.

Eu não vou discutir se já estava tudo armado pelo poder público, pois, pelo que observei de longe, eles fizeram a sua parte - aprovaram a lei. Sei que houve pressão popular, principalmente do movimento negro, para aprovar a lei na câmara, mas não vou entrar no mérito dessa discussão porque não a acompanhei. E também não vou discutir a decisão judicial. A história mostra a quantidade de injustiças que a Justiça já cometeu.

O que não faz sentido, pra mim, é aceitarmos tudo isso. Aceitar essa gente louca anônima e essa gente louca da Acij, CDL, Acomac e outros diabos.

Volto ao começo do texto para falar do anônimo que me chamou de negro e hipócrita, sendo que para ele todo negro é hipócrita. Não sou negro, como vocês podem observar na foto ali em cima, na qual estou verde. Sou descendente de brancos europeus com alguma mistura indígena. Talvez ele tenha dito isso porque fiz um texto em defesa do feriado no Dia da Consciência Negra, e ele não deve achar normal uma pessoa branca defender algo relativo ao povo negro, assim como deve achar que eu sou gay por defender a igualdade de direitos e o respeito às pessoas com orientação sexual diferente da hetero. Deve achar também que não sou joinvilensense por não ter preconceito contra paranaense ou nordestino. Deve achar que sou mulher também porque me declaro feminista.

Eu posso não ser nada disso de fato, mas nós somos tudo isso enquanto houver opressão. Temos a obrigação de ser tudo isso e de lutar contra aquilo que nos oprime. A violência do Estado, que some com milhares de Amarildos e mata a população negra e pobre das periferias como o jovem Douglas;  a violência de dentro de casa contra as mulheres, tanto pelas mãos quanto pelas palavras; a violência das ruas, com o espancamento e a humilhação de mendigos, de crianças, de gays, de mulheres e de negros; a violência do mercado de trabalho, na sua busca por homens brancos; a violência da entidade empresarial, que é racista e ainda usa o dinheiro como desculpa.

Nesse sentido, então, o anônimo tinha razão. Eu sou mesmo negro.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Hipocrisia idiota


POR GABRIELA SCHIEWE

"Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor..."

Essa frase é muito bonita e realmente acredito que devamos sempre enfatizar o nosso país.

Eu, sendo brasileira, quero o melhor para o meu país e, claro, terei sempre a vontade de representá-lo.

Agora, não vamos levar isso a ferro e fogo, ok?

Que auê hipócrita nessa história do Diego Costa, que fez opção por jogar pela Seleção Espanhola.

Poxa, idiotice agora vir o Felipão e todo o bonde da CBF detonar o cara.

Primeiro lugar, o jogador se fez na Espanha, está a 25 anos lá, o Brasil nunca deu moral para ele, aí o caboclo está lá destruindo no Campeonato Espanhol então resolvem bater no peito e dizer que ele é brasileiro.

Felipão foi treinar a Seleção de Portugal, ninguém falou nada.

A cúpula da CBF vendeu os direitos da nossa Seleção Canarinho para um grupo árabe e ninguém fala nada.

No entanto, na maior cara de pau, agora estão querendo detonar com o atleta, que não está cometendo nenhum crime, está trabalhando honestamente por pura dor de cotovelo.

É uma hipocria idiota e que me admira o técnico Felipão estar levantando essa bandeira e a CBF, inclusive, estar estudando a possibilidade de acionar o jogador Diego Costa perante a FIFA.

Tudo bem, vocês podem estar dizendo que não sou patriota por ter escrito tudo isso e expressado a minha opinião. Mas sabe de uma coisa...to nem aí, to nem aí...e, se estivesse no lugar do jogador, acredito que tomaria a mesma posição e escolheria por aquele que vem me dando respaldo.

Não tem graça


Michele e os filhos: Gentili não suporta a felicidade deles
POR CLÓVIS GRUNER

Michele Rafaela Maximino mora em Quipapá, uma pequena cidade do interior de Pernambuco, na zona da mata. Auxiliar de enfermagem e mãe de dois filhos, por uma dessas idiossincrasias da natureza ela consegue produzir cerca de dois litros de leite diariamente. Graças a isso, nos últimos meses Michele foi responsável por até 90% de todo o leite materno do banco de leite do Hospital e Maternidade Jesus Nazareno; somente em setembro, foram 39 litros doados. Um detalhe: Caruaru, onde fica a Jesus Nazareno, é distante 80 quilômetros de Quipapá. Assim, depois de ordenhado e mantido congelado em potes esterilizados, para doar o leite Michele e o marido percorrem e custeiam do bolso as despesas do translado semanal entre sua cidade e Caruaru.

Só uma mulher sabe, efetivamente, as dificuldades de amamentar. Mas não é preciso ser uma para ter consciência dos benefícios da amamentação. Maternidades mantem bancos de leite para garantir principalmente a saúde e, em certos casos, mesmo a sobrevivência de recém-nascidos prematuros. Muitas mães optam pelo aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, como recomenda a Organização Mundial de Saúde, e algumas – nem todas, infelizmente – contam com o apoio dos pais, dispostos a fazer o necessário ao seu alcance para garantir o máximo de conforto e condições para a amamentação. Um gesto, diga-se, que demanda além da atenção dispensada ao bebê durante o ato, esforço físico e necessárias horas de repouso. Amamentar pode ser um ato de amor, mas quem já passou por isso, mesmo que na condição de pai, sabe que há pouco de idílico.

Em um país onde o índice de amamentação está muitíssimo abaixo do aconselhado pela OMS – pouco mais de 40% dos bebês brasileiros menores de seis meses recebem exclusivamente o leite materno, quando o percentual ideal é de no mínimo 90% –, Michele deveria ser “mamãe propaganda” de uma campanha que reforçasse a importância do aleitamento. Não foi o caso. No começo deste mês, Michele entrou na mira do comediante Danilo Gentili, e não é novidade a ninguém o que isto significa: Gentili faz parte de uma geração de humoristas especializada em um humor baixo e preconceituoso. Em nome do politicamente incorreto, seu histórico de humilhação contra principalmente mulheres, gays e negros é amplamente conhecido.

Neste caso em específico, entre outras coisas o apresentador do “Agora é tarde” chegou a comparar Michele com um ator pornô, e a amamentação com a masturbação: “Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala”, afirmou, um pouco antes de exibir, sem autorização, a imagem de Michele e prosseguir o linchamento moral disfarçado de humor. Tudo muito hilário.

UM RISO REACIONÁRIO – Por tentador que seja fazer um exercício de psicologia de botequim para tentar identificar as razões que explicam o medo doentio que alguns homens tem de seios femininos, e do ódio que nutrem pelas mulheres de um modo geral, não vou ceder a tentação. Meu argumento é outro. Historicamente, o riso tem servido para expor o poder e os poderosos. Desde as origens do carnaval, ainda no medievo, ou nos charivari, comuns nas cidades francesas dos séculos XVII e XVIII, o riso e o escárnio foram sempre um instrumento de subversão e crítica de que se valeram os menos poderosos para ridicularizar aqueles que, sob seu ponto de vista, eram tidos como dominadores – o clero, a nobreza, seus patrões, etc...

Esta tendência subversiva e libertária, é possível reencontrá-la no humor mais contemporâneo. Em Buster Keaton ou nos irmãos Marx, no cinema americano, por exemplo; em Oscarito e em praticamente toda a chanchada, ou em Mazzaropi, no caso brasileiro. Mesmo a comédia stand up que, supostamente, inspirou Gentili, segue esta tendência, o que é notório no humor entre o cinismo e o sarcasmo de seus principais expoentes, tais como Woody Allen, Jerry Seinfeld ou Chris Rock. E estou a falar apenas do humor a que assistimos no cinema ou na televisão, mas se deslocarmos para outras linguagens e mídias, exemplos não faltam; e o cartunista Laerte, cuja tirinha ilustra esse texto, é um desses casos.

No Brasil, salvo raras e honrosas exceções, o humor seguiu o caminho inverso. A ridicularizar os poderosos, preferiu adulá-los. A expor as mazelas, as contradições, o grotesco enfim, do chamado “senso comum” e seus muitos preconceitos, tem servido para reforçá-los, multiplicá-los e legitimá-los. Nosso riso é conservador e nossa história, atravessada pelas muitas formas de violência contra as chamadas minorias, explica em parte esta tendência: somos servis, e o ressentimento gerado por nossa sujeição e impotência tem servido de esteio ao ódio dirigido contra aqueles mais frágeis socialmente. O fenômeno vago e ambíguo do “politicamente incorreto” reforçou esta tendência; sua penetração midiática deu a ela uma roupagem moderna e descolada.

O argumento de que o humor não deve ter limites é débil e tem pelo menos dois precedentes a contradizê-lo. O próprio Danilo Gentili desculpou-se com a comunidade judia de Higienópolis depois de sua piada, no mínimo ofensiva, sobre os trens de Auschwitz. Seu colega Rafinha Bastos também se retratou com a cantora Wanessa Camargo - mas, mesmo assim, perdeu a vaga no CQC, um punhado de contratos publicitários e hoje amarga um relativo ostracismo. Nenhum deles, claro, fez o mesmo com os negros, chamados pelo primeiro de “macacos”, ou com as mulheres, depois da apologia ao estupro feita pelo segundo.

No ano passado uma artista afirmou em entrevista que deixou de amamentar depois que levou uma mordida do seu filho. Danilo Gentili e sua trupe nada disseram: afinal, uma mulher loira e linda – além de rica e famosa – não serve para piada porque, entre outras coisas, não terá de agradecer ao estuprador o favor de tê-la estuprado. Já Michele, que amamenta os seus filhos e os filhos de outras mulheres, sofreu a humilhação de ser exposta ao ridículo pelos epígonos do humor politicamente incorreto. Não há outra conclusão possível. O politicamente incorreto não é apenas preconceituoso e autoritário, mas covarde.