POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Antes de continuarmos, faz-se necessária a disposição do significado da palavra arquibancada e da palavra palco:
arquibancada
sf (arqui+bancada) 1 Bancada principal. 2 Série de assentos dispostos em fileiras, em diversos planos, empregados em estádios e circos, para acomodar, com boa visibilidade, grande quantidade de espectadores.
palco
sm (ital palco) 1 Estrado, tablado. 2 Lugar, no teatro, onde os atores representam. 3 Lugar onde sucede algo dramático, impressionante ou solene; cenário.
Em qualquer espetáculo, seja ele de qual ordem for, temos "os que fazem a coisa acontecer" e "os que assistem à coisa acontecendo". No futebol, por exemplo, a arquibancada acompanha os 22 jogadores correrem atrás da bola, respeitando regras pré-estabelecidas, conduzidas por juízes. Só assiste à coisa acontecer. Quando o jogo acaba, o resultado não muda e o torcedor que está na arquibancada é obrigado a aceitar
Precisamos entender que a rua é o espaço para fazermos as transformações que queremos. Na rua como palco, somos os jogadores, decidimos sobre tudo e construímos a nossa vida. É nela que as desigualdades sociais tornam-se evidentes (e por muitas vezes fechamos os olhos). O mais desastroso nisso tudo é que as pessoas que foram para as ruas nas últimas semanas, em sua grande maioria, não acostumadas a encarar a rua como palco e como aquelas "que fazem a coisa acontecer", levaram todo o sentimento que possuíam da arquibancada consigo. É notório que o palco se tornou lugar de movimentos difusos, nacionalistas ao extremo (do jeito que o pensamento ditatorial adora), com palavras de ordem motivacionais como "o gigante acordou", e pedindo pra alterar aquele jogador que supostamente não estaria bem na partida, só porque o comentarista pediu para tirar (vide o "Fora Dilma"). Ao final das partidas, torcedores reclamam dos seus times, dizendo que "está tudo errado" e que "tudo" precisa ser mudado.
Por outro lado, a rua precisa ser o espaço das manifestações fortes, pontuais, e que visem acabar com as desigualdades provenientes das mais diversas ordens. A rua, no fim das contas, não deve ser espaço de "um bando de desocupados" para ser um "espaço democrático". A rua deve ser um "lugar de todos", e não apenas "lugar dos automóveis". Muito menos o lugar de comemorações. A rua é o cenário para afirmarmos aquilo que queremos ser enquanto sociedade.
Diverti-me nestes dias de ruas ocupadas a imaginar o que diriam nossa mídia e formadores de opinião dos 150 colonos que, numa noite de dezembro de 1773, disfarçados de índios, lançaram ao mar quilos de chá trazidos da Inglaterra, depois que um decreto real tornou obrigatório seu consumo e proibiu a produção interna. A maioria os acusaria de vândalos: nossos veículos reclamariam os privilégios da coroa inglesa, e como fazem mal jornalismo, acusariam logo os índios; Arnaldo Jabor enfatizaria, teatralmente, que se tratavam apenas de “saquinhos de chá”, para depois pedir desculpas pelo erro: os baderneiros, afinal, não eram índios. E não faltariam os comentários anônimos no Chuva Ácida, a defender furiosamente que os militares britânicos acertassem tiros na testa dos bárbaros, fossem índios ou colonos.