POR CLÓVIS GRUNER
Foi um bom ano para a direita conservadora. Nos últimos meses, Reinaldo Azevedo passou a destilar seu ódio em coluna
semanal na Folha de São Paulo, além de manter seu blog na Veja; esta, por sua
vez, contratou de uma tacada só Rodrigo Constantino, Lobão e Felipe Moura
Brasil. Na coluna de estreia do último, entre felicitações e elogios, alguns
leitores iniciaram uma campanha para que a revista contrate também Olavo de Carvalho
(em tempo: eu não sabia quem era Felipe Moura, mas o Google me informa que ele
foi idealizador e organizador do livro “O mínimo que você precisa saber para
não ser um idiota”, de Olavo de Carvalho, título tão megalomaníaco quanto
o autor das nada minimalistas 616 páginas).
Fora da constelação Abril, outros nomes conservadores já
assinavam colunas periódicas em títulos distintos: Luis Felipe Pondé e Demétrio
Magnolli são colunistas também na Folha; o imortal Merval Pereira assina
semanalmente coluna em O Globo; Pedro Bial apresenta anualmente o Big Brother
Brasil, e assim por diante. Trata-se de um cardápio variado de nomes e
trajetórias: há nele jornalistas, dois professores universitários, um
economista, um roqueiro, um astrólogo e um mau caráter. Com tamanha diversidade,
seria legitimo supor igual variedade de ideias. Não é o caso.
A ofensiva conservadora é monotemática: não importa quem ou
onde escreve, os conteúdos orbitam em torno a alguns lugares comuns, a maioria
deles de uma inatualidade de dar dó. Invariavelmente o roteiro é mais ou menos o
mesmo: um texto conservador que não denuncia o perigo do gramscismo, por
exemplo, não é digno do nome. Outro item obrigatório é insistir que vivemos em
uma “ditadura cubana” ou, na melhor das hipóteses, muito próximos de nos
tornarmos uma Venezuela, ainda que a esmagadora maioria desses autores não titubeie
em tecer elogios a outras ditaduras, a brasileira e a chilena, por exemplo. Nem reclame da chinesa, desde que ela continue a lhes fornecer bugigangas. Além
de Gramsci, Cuba e Venezuela, coisas e expressões como Foro de São Paulo,
FARCs, patrulhamento politicamente correto ou petralha, entre outros, sempre
agregam valor ao camarote.
Mesmo quem, pela trajetória intelectual, poderia imprimir um
tom dissonante à monofonia conservadora, escolheu reproduzi-la. Leia um texto
assinado por Pondé e Magnolli, dois acadêmicos com trajetórias respeitáveis,
farta e variada publicação intelectual, estágios no exterior (provavelmente com
bolsas pagas a soldo público; afinal, achincalhar o Estado e a universidade
pública é uma coisa, mas recusar uma temporadazinha europeia com dinheiro da
CAPES, aí já é vandalismo). O nome deles está lá, mas se os trocássemos pelos
de Rodrigo Constantino, Lobão ou Olavo de Carvalho, não faria a menor
diferença. Como a nivelação se fez por baixo, não apenas inexiste diferença
significativa entre eles, mas impera o apelo fácil aos medos e ressentimentos
de uma parcela das camadas médias que se sentem ameaçadas por esse “Isso” que
os porta vozes do conservadorismo afirmam ser “a esquerda”.
SANHA PERSECUTÓRIA – O segundo aspecto nada tem de
caricatural. A perseguição, o achincalhe, a desqualificação, a destruição de reputações, a calúnia, tornaram-se o desdobramento algo lógico de
um estado de coisas onde sobra paranoia e falta bom senso, quando não simplesmente
escrúpulo. O episódio mais recente é desta semana. Em seu blog, Rodrigo
Constantino “denunciou” o caráter doutrinador da IV Jornada de História da
Historiografia, que acontece na UFRGS. Com base apenas no
cartaz, repetiu a
ladainha de que o evento “sobre Che Guevara” era mais um exemplo da catequização
marxista e esquerdista que grassa nas universidades brasileiras, notadamente nas
chamadas ciências humanas. E vaticinou: “a imagem de um facínora assassino
estampada em um evento sobre o uso político da história? O que os alunos vão
aprender? Como transformar um assassino frio e sedento por sangue em um herói
da justiça social?”.
A afirmação de Constantino seria uma estultice se a jornada
tratasse de Che Guevara - um evento sobre o nazismo, por exemplo, não pretende ensinar os alunos a serem nazistas nem tecer o elogio a Hitler. Mas não é o caso. O evento aborda as muitas maneiras
pelas quais o passado é permanentemente revisitado e, neste sentido, o cartaz é
um primor de comunicação visual. A poucos rostos do século XX foram atribuídos
tantos e tão distintos significados quanto o de Guevara: do revolucionário que
inspirou a luta contra o “imperialismo ianque” até a sua “mcdonaldização”, suas
muitas faces sintetizam o objetivo do evento, que não trata dele, não falará
dele, não pretende fazer dele nem apologia nem elegia simplesmente porque...
não é um evento sobre Che Guevara.
O caso de Constantino não é único. Há algumas semanas o site
“Escola sem Partido” empreende verdadeira campanha difamatória contra uma
professora paulista, campanha que encontra eco e repercute em outros blogs
conservadores e nas redes sociais. Em comum nestas e em outras ocorrências, há a
recusa ao debate, substituída pela sanha inquisitorial. Tenho
algumas hipóteses para este gesto. Há a sedução
midiática, primeiro. A maioria dos hoje alçados à condição de oráculo vivia há
até pouco tempo em um relativo ostracismo. Rodrigo Constantino, por exemplo,
escrevia artiguetes no Orkut onde defendia a privatização dos tubarões e era
ridicularizado até por liberais de direita. Uma maior visibilidade conservadora é, sob certo ponto de vista, reação ao avanço de forças,
movimentos, grupos, ideias, pautas e indivíduos à esquerda, cuja simples
existência é lida como uma ameaça.
Em tempos onde o ressentimento e o ódio tornaram-se dois dos
principais afetos políticos, não espanta que seja assim. O outro não é um
adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser eliminado. A caracterização homogênea
da esquerda, beirando ao caricatural e que recupera alguns conteúdos típicos da
Guerra Fria é, neste sentido, bastante reveladora. Ela aponta, entre outras
coisas, para a dificuldade dos conservadores de conviver em um ambiente
democrático e de livre circulação de ideias. Não é coincidência que sua prática
reproduz justamente aquilo que eles pretendem denunciar como comum à esquerda:
a ira persecutória, entre outras coisas, coloca em risco a democracia ao
fragilizar ainda mais um já frágil espaço público, porque não reconhece no
outro nem legitimidade nem o direito de dizer e pensar diferentemente.
Há quem defenda a necessidade de uma direita conservadora afirmando
que faz parte da democracia o confronto de ideias, o debate aberto e público.
Concordo. Mas qualquer debate público deve ancorar-se em princípios que são os
da razão e o do respeito ao outro. E há exemplos de sobra de que racionalidade
e respeito não fazem parte da postura da maioria dos conservadores, que não
raro recorrem à desqualificação, ao desrespeito, à agressão e à humilhação
pública, quando não a mentira pura e simples, como estratégias de um debate
que, sob estas bases, não pode existir, não existirá, porque efetivamente não é
o que eles desejam.