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segunda-feira, 4 de abril de 2016

Fazer campanha contra os candidatos desonestos



POR JORDI CASTAN



Estamos longe de ter um quadro definido para as próximas eleições. Há quem ache que o prefeito se reelege fácil. Menos por méritos próprios e mais pelos péssimos candidatos que os partidos apresentam. Seria uma reedição piorada da eleição anterior, a vitória do menos ruim. A vantagem que o eleitor tem hoje é que sabe o quanto ele é ruim. Sabe quanto há de gestão e quanto há de parolagem na imagem de gestor honesto e trabalhador. O eleitor não pode alegar não saber agora que o menos ruim é péssimo e os outros são muito piores. Um cenário desacorçoador.

A boa notícia é a quantidade de gente que coloca o seu nome para concorrer a vereador. Há muita gente boa. E esse “boa” tem muitos significados. Desde o seu nível de formação, ao seu histórico de luta pela cidade desde a militância em organizações apartidárias, gente que não tem um histórico de militância partidária mas que carrega a bagagem de anos de trabalho reconhecido por Joinville.

A maioria não vai chegar à Câmara. O sistema confere vantagens enormes aos atuais vereadores, que contam com uma constelação de assessores, recursos e estruturas para buscar a reeleição com maior facilidade que os candidatos que o intentam por primeira vez. Aliás, é bom lembrar que quando vereador usa assessor, telefone, carro e material da câmara para fazer campanha está usando recursos públicos. Ou seja, dinheiro que todos pagamos e que nem é contabilizado na prestação de contas feita ao TRE. Essas mazelas em que os políticos brasileiros são mestres e doutores.

Seria bom que houvesse uma grande renovação. O meu sonho seria que não ficasse um, que nenhum dos atuais vereadores conseguisse se reeleger. Quem sabe se elegêssemos uma nova geração de políticos, que, como a maioria da população, estão enojados com a corrupção e a sem-vergonhice que assola o Brasil. Oxalá pudéssemos começar a mudar o país desde os municípios. Um sonho? Sim, um sonho. Porque não nos enganemos: a corrupção que lemos cada dia nos jornais e vemos na televisão não é exclusividade dos cleptocratas de Brasília. Eles iniciam sua formação nos municípios, aperfeiçoam nas assembleias legislativas e ganham doutorado na Capital Federal.

Ninguém imagine que vivemos numa sociedade em que predomina a honestidade. A cada dia somos levados a acreditar que os corruptos são maioria e que a justificativa para tanta desonestidade é a desonestidade dos outros. Que se rouba porque os outros também o fizeram antes, que não há nada de errado em fazê-lo, que se você estivesse lá faria a mesma coisa.

É provável que para a maioria da sociedade assim seja. A maioria quer enriquecer na política. Vendo os exemplos que temos, inclusive aqui em Joinville, é fácil acreditar que nesta leva de novos candidatos haja muitos idealistas que queiram uma cidade melhor. Mas não nos enganemos, porque muitos querem se locupletar com as benesses do cargo, andar de carro alugado, indicar cabos eleitorais para cargos comissionados, nomear assessores pagos com o nosso dinheiro, viajar com diárias generosas a cidades distantes. 

O desafio do eleitor é saber diferenciar uns dos outros. Não só não votar nos desonestos, fazer campanha contra. Divulgar os nomes dos que não merecem ser eleitos. Porque não é a política que faz o candidato virar ladrão, é o nosso voto que elege o ladrão. Tão importante como fazer campanha pelos bons é fazer campanha contra os ruins, porque os ruins são em maior número. Cumpre-se no Brasil a máxima de Monteiro Lobato que dizia que "A política virou um privilegio irrestrito, com feroz exclusivismo à casta dos mais audaciosos amorais".

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Monteiro Lobato e o politicamente correto

POR CLÓVIS GRUNER



Com este mesmo título, três pesquisadores cariocas publicaram, na última edição da revista Dados, artigo onde analisam a controvérsia gerada em torno ao livro “Caçadas de Pedrinho”, em 2010, e as manifestações racistas presentes na obra de Monteiro Lobato. As conclusões não chegam a ser uma novidade para quem já leu o escritor paulista: seja em textos adultos – como no romance “O presidente negro”, de 1926 –, em suas cartas ou  nos livros infantis, notadamente os do “Sítio do Pica Pau Amarelo”, Monteiro Lobato não cansa de afirmar e reafirmar suas convicções racialistas, enaltecendo a superioridade dos brancos ou acusando a inferioridade dos negros.

Os indícios se espalham pela sua obra – nas alusões sempre pejorativas a Nastácia; ou no epílogo de “O presidente negro”, onde a esterilização dos negros é apresentada como um “manso ponto final étnico ao grupo que a ajudara [a raça branca] a criar a América, mas com o qual não mais podia viver em comum” –, mas marcaram igualmente sua trajetória pessoal. Lobato foi um ardoroso defensor da eugenia e um entusiasta da Ku Klux Klan. Em carta ao médico e amigo Arthur Neiva, um dos mais ativos membros da Sociedade Brasileira de Eugenia, ele escreve que “país de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan, é país perdido para altos destinos. (...) Um dia se fará justiça ao Klux Klan; tivéssemos ai [no Brasil; nesta época, Lobato vivia nos Estados Unidos] uma defesa desta ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca – mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”.

Claro, pode-se objetar que se tratava de um pensamento comum à época e que Lobato pensava com as balizas intelectuais e morais do seu tempo. Mas é uma verdade apenas parcial. Primeiro porque a própria eugenia e seu projeto de purificação racial (eu = boa; genus = geração), embora tenha de fato seduzido governos e intelectuais de diferentes orientações, nunca foi um consenso. No Brasil ela foi combatida por, entre outros, Graça Aranha, Roquete Pinto e Lima Barreto, escritor de quem Lobato, inclusive, editou “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá” em 1918. Além disso, ele não limitou sua militância racista à eugenia, revelando-se um simpatizante entusiasmado da KKK, organização que nunca foi conhecida pelas suas virtudes científicas.

Ora, não causa espanto que Lobato tenha tratado as personagens negras não apenas como subalternas socialmente, mas inferiores racialmente. Igualmente, não deveria provocar estranheza que o Ministério da Educação acatasse pedido de verificação dos conteúdos racistas em uma das obras do escritor, distribuída gratuitamente nas escolas brasileiras como parte do Programa Nacional de Biblioteca na Escola. Não deveria, mas causou. E como soe acontecer sempre que a direita se mobiliza, o estranhamento justificou o escândalo, e o escândalo se sustentou em uma mentira: a de que o governo federal estava querendo censurar Lobato. Nada disso: nenhum dos dois pareceres encomendados a especialistas pede o banimento ou censura da obra. Solicitam apenas que, além do treinamento dos professores para usar em sala o livro, fosse inserido nele uma “contextualização crítica do autor e da obra, a fim de informar o leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutem a presença de estereótipos na literatura, entre eles os raciais”.

Não adiantou, porque a gritaria seguiu seu rumo, desta vez acusando o perigo de interferir em uma obra literária sacrificando seu valor artístico em nome da “ideologia”. Interessante que o mesmo livro motivo de tamanha controvérsia já trazia em suas reedições uma nota explicando, em passagem onde Pedrinho organiza uma caçada, que a história foi escrita em uma época onde os animais silvestres ainda não eram protegidos, nem a onça-pintada estava ameaçada de extinção, e que tal prática hoje não é mais aceita. Ou seja, os mesmos que consideravam inaceitável interferir na obra de Lobato para “contextualizar” seu racismo, nada disseram quando se interferiu nela para explicar a diferença entre as caçadas de ontem e sua proibição hoje. Claro, não interessa a ninguém que uma criança negra se sinta humilhada ao ler passagens pejorativas a respeito de suas origens, sua cultura e a cor da sua pele. Já os sentimentos da onça...

MAS E DAÍ?, podem estar se perguntando alguns. Não acho que o artigo mencionado vá reavivar a polêmica. No Brasil, a produção acadêmica raramente pautou o debate público, porque a ela preferimos gente da inteligência e do caráter de um Reinaldo Azevedo. Mas o imbróglio envolvendo “Caçadas de Pedrinho” em 2010 é atualíssimo. Ele diz respeito a outro debate, travado principalmente nas redes sociais e nas mídias audiovisuais, em especial a televisão. Me refiro a oposição entre o que se convencionou chamar “politicamente correto” e “politicamente incorreto”. Não tem sido incomum ler e ouvir adjetivações negativas sobre o primeiro, como se a sua simples existência ameaçasse as liberdades de pensamento e expressão. Será?

Toda generalização é perigosa, mas vou assumir o risco: ao menos no Brasil, o politicamente incorreto tem servido aos fins mais pífios. Ele tem sido reivindicado sempre que jornalistas, blogueiros, formadores de opinião, artistas, intelectuais, humoristas, etc..., tentam justificar, defender e legitimar o que consideram seu direito inalienável de agredir, desqualificar, ofender e humilhar principalmente as chamadas minorias. Não, não são os brancos de classe média alta, nem os homens heteros os alvos privilegiados do politicamente incorreto – e quando acontece de o serem, as desculpas públicas vem a galope. Incapaz de ultrapassar o chamado senso comum, de fazer-lhe a crítica, de expor seu ridículo, o politicamente incorreto o reforça e reproduz atacando mulheres (as feias, principalmente, que devem agradecer quando estupradas), negros, índios, pobres, gays, deficientes e quem mais ele julgar inferior e incapaz de se defender. O politicamente incorreto não é apenas preconceituoso, racista, machista e homofóbico; ele é covarde.

E autoritário. Sim, porque o politicamente incorreto quer continuar agredindo, ofendendo e humilhando sem ser contestado, acusando - vejam só! - de intolerância quem o contradiz. Para sua desgraça, no entanto, os tempos são outros: estamos mais atentos a força das palavras, ao que elas significam e produzem socialmente. Ninguém, ao menos ninguém com um mínimo de bom senso (mas sempre há quem não o tem) levantará a voz ou deslizará os dedos no teclado para calar quem quer que seja. Mas igualmente não se aceita mais, resignadamente, como inevitável que se reafirmem estereótipos que são a expressão de uma violência simbólica a perpetuar ódios de classe, gênero e etnia, tão profundamente arraigados na nossa história. Ser politicamente correto é chato? Que seja. Mas é melhor que ser politicamente um protofascista.