terça-feira, 10 de julho de 2018

Uma patacoada jurídica

POR CLÓVIS GRUNER
Há um trecho quase sempre esquecido da famosa conversa telefônica entre Romero Jucá e o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado. Refiro-me, vocês sabem, ao diálogo em que ambos combinam o “grande acordo com o Supremo com tudo” que culminaria no impeachment de Dilma e na posse do presidente que, parece, só consegue apoio acima de um dígito entre os comentaristas anônimos desse blog e milicianos do MBL.

Voltemos ao telefonema. Lá pelas tantas, como parte da definição da estratégia de colocar Temer na presidência para “delimitar tudo onde estava”, Machado defende que um “governo de união nacional”, possível apenas com a saída de Dilma, “protege o Lula, protege todo mundo”. Se em algum momento proteger o Lula esteve mesmo nos planos da quadrilha que chamamos de governo, parece que, passados dois anos, ela mudou de ideia.

E se para isolar e inviabilizar a candidatura do ex-presidente os signatários do acordo não mediram esforços no aparelhamento das instituições, incluindo o Poder Judiciário, o outro lado decidiu ver até onde chegava jogando nas mesmas regras – ou na ausência delas. E o resultado foram os eventos patéticos de domingo (08),  resultado da extrema politização das nossas cortes, ao menos teoricamente, responsáveis por zelar pela normalidade jurídica.

A sequência de acontecimentos é de conhecimento público, e análises jurídicas pertinentes e bem fundamentadas circulam amplamente desde o final de semana (recomendo particularmente o artigo “Politização com esteroides”, de Conrado Hübner Mendes, professor de Direito e colunista da revista Época). Vou arriscar alguns pitacos sobre as motivações e os possíveis desdobramentos políticos do imbróglio.

Mídias e desespero - Se a intenção era manter Lula nas mídias e visibilizar os interesses políticos nebulosos por trás da cruzada pessoal e partidária de Moro, a estratégia dos deputados petistas e advogados Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous foi impecável. A apresentação do habeas corpus, depois de encerrado o expediente normal do tribunal, em um final de semana onde o plantonista, o desembargador Rogério Favreto, é um conhecido crítico da Lava Jato, não foi mera coincidência.

Se como plantonista Favreto não extrapolou suas obrigações legais, o bom senso e o respeito à “normalidade” sugerem que ele deveria ter se manifestado impedido de julgar o pedido, em função de sua proximidade com o PT. Ao mandar às favas os escrúpulos, já que isso se tornou prática comum nos tribunais superiores – e aí estão Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, no STF, além do próprio Moro, a dar provas fartas de que já não importa manter mesmo a mais remota aparência de isenção –, o desembargador não contribuiu para melhorar a imagem da toga.

A insubordinação do juiz de Curitiba, que não encontrou tempo e alegou excesso de trabalho para não julgar o conterrâneo e companheiro Beto Richa, mas despachou de férias em Portugal, e a atitude destemperada dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores, tampouco. Afinal, se o fundamento da decisão era frágil e juridicamente insustentável, bastaria seguir o procedimento normal, esperar a segunda para derrubá-la e Lula voltar à sua cela na Polícia Federal.

Um cenário incerto - O desespero de Moro e dos desembargadores de Porto Alegre para impedir a sua liberdade, mesmo que por poucas horas, desequilibrou momentaneamente o jogo político, e a favor de Lula e do PT. A dúvida é sobre quais os efeitos desse desequilíbrio no médio prazo. Se a intenção é insistir na tese da candidatura de Lula, o tiro talvez saia pela culatra e repercussões de domingo escampem ao planejado.

É verdade que o ex-presidente segue liderando todas as pesquisas, mas também o é que o voto em Lula tem algo de messiânico, radicalizando uma característica do eleitorado brasileiro, a desconfiança em partidos e programas e a aposta em lideranças carismáticas, como Lula. A estratégia de fortalecer o nome do ex-presidente, mantendo-o em evidência ao mesmo tempo em que reforça a imagem de um líder popular perseguido por forças antidemocráticas, não garante que seus votos serão automaticamente transferidos ao candidato ungido por ele.

O melhor, e venho insistindo nisso há alguma tempo, era as esquerdas oferecerem uma alternativa programática a Lula, o que nem o PT nem nenhum outro partido o fez até agora – à exceção, talvez, do PSTU, mas sem chance alguma de prosperar eleitoralmente. Mesmo fora da órbita petista não há nome viável que inspire segurança, seja Ciro ou Marina. A direita liberal, ao apostar em nomes como Alckmin ou Amoedo, também arrisca nadar e morrer antes de chegar à praia.

O risco é de que o descontentamento e a desconfiança dos eleitores com a política e os partidos tradicionais inflem a única candidatura identificada, hoje, como alternativa a “tudo o que está aí”, e quem capitalize os votos principalmente indecisos nas eleições de outubro não seja um candidato ou partido comprometido com a democracia. É possível, embora não seja certo, que a geleia geral de domingo também sirva para recrudescer a opção pelo fascismo e fortaleça a candidatura daquele que não se deve nomear.

19 comentários:

  1. Não leio autores covardes que não postam respostas as bobagens que escrevem.

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  2. Sou anônimo e quero Temer na cadeia. Não tenho bandido de estimação. Lembrando sempre, quem escolheu ele pra você???

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  3. Excepcionalmente, vou publicar alguns comentários hoje. Mas só os que valem a pena, tipo o cara que não tem coragem nem de dizer o próprio nome, mas me chama de covarde.

    E esse outro, que acha que me engana dizendo que não tem bandido de estimação e quer o Temer na cadeia. Bom, não engana.

    Mas não se animem, porque vão ser só alguns, e bem curtinhos, que meu tempo e dos leitores que valem a pena é precioso.

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  4. Os textos do Clóvis são os mais chatos de todos deste blog. Dá muita preguiça de ler e mais ainda de criticar.

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    1. E apesar disso, você bate cartão aqui semana sim, e a outra também. Confessa, seu problema não é que meus textos são chatos; sua cognição preguiçosa é que não dá conta deles.

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  5. Sou a favor de publicar os anónimos, Clóvis, porque vejo alguma utilidade. Ensina a conviver com a ignorância limítrofe. Ajuda a exercitar a tolerância com os intolerantes. E, fundamentalmente, rende boas risadas porque os pobres coitados nem percebem a própria ridicularia.

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  6. "Causa perplexidade e intolerável insegurança jurídica decisão tomada de inopino, por autoridade manifestamente incompetente, em situação precária de Plantão judiciário, forçando a reabertura de discussão encerrada em instâncias superiores, por meio de insustentável premissa.
    Assim, diante dessa esdrúxula situação processual, coube ao Juízo Federal de primeira instância, com oportuna precaução, consultar o Presidente do seu Tribunal se cumpriria a anterior ordem de prisão ou se acataria a superveniente decisão teratológica
    de soltura." Presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz, indeferindo HC em favor do Lula. Cabe ao Clóvis e ao Pacheco aceitarem que o Lula está preso e continuará por muito tempo. #ficadica

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    1. Liberei porque, mesmo mais longo do que seria suportável, achei divertido o esforço por escrever bonito.

      Mas da próxima vez, é legal ler o texto antes de emitir comentários. Evita, por exemplo, acusar o autor de dizer o que ele não afirma em nenhum momento. #ficaadica

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  7. Clovis, não compartilho da sua visão. Acredito que a medida mostra desespero e exceto para os simpatizantes mais próximos a medida soa quase que ridícula. E, se há um lado bom, quem sabe se inicie um debate para que, se crie regras mais claras em relação a competência, impedimento e outras mais, que inviabilizem casos como este é um outro ocorrido a uns 30 dias em que uma juíza soltou um líder de facção criminos e saiu em sequência de férias.

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    1. No domingo, a Folha publicou matéria onde informava que Lula não acreditava que deixaria a prisão. Pesavam contra ele, além das condenações, o fato de que o argumento utilizado pelo desembargador para acolher o HC era, no mínimo, muito frágil.

      Particularmente, me parece que ninguém realmente acreditava que Lula deixaria a cela na PF - tá certo, uma parte da militância talvez sim. Mas nem os advogados, nem Lula, acreditavam.

      Por isso, onde você vê desespero eu vejo uma ação calculada para provocar dois efeitos: expor a parcialidade de Moro e da justiça e dar mais munição para o discurso de que Lula está a ser perseguido para evitar que ele volte à presidência.

      No primeiro caso, deu certo: juízes do STJ e do STF disseram ontem, que o juizeco da republiqueta deu motivos para uma possível punição, que certamente não ocorrerá, porque quem tem poder pra isso não tem interesse em fazê-lo.

      O segundo objetivo funcionou, ao menos no curto prazo. Minha dúvida, e é o que comento no texto, são os desdobramentos depois, no médio e longo prazos.

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    2. Clóvis, entendo seu ponto de vista e creio que os articuladores tinham isto em mente ao tomar a medida, porém a parcialidade comprovada ficou sendo a de Fravetto e isto não foi calculado pelos mesmos e por isto creio que a atitude passe por ridícula, minando assim qualquer chance de sucesso desta ação e principalmente justificando a atitude de Moro.
      Note que se fosse outro desembargador sem qualquer passado político seria uma atitude de difícil justificativa para Moro, mas também creio que um desembargador imparcial não soltasse Lula por tais motivos, já que nenhum destes fatos é novo e sequer poderia embasar um Habeas Corpus (minha opinião, já que não acredito na Tese de condenação política).
      O que me preocupa, assim como creio te preocupa também, é a desordem no ordenamento jurídico nacional e a possibilidade de que qualquer juiz sem filtro tenha o poder de prender, mas principalmente soltar alguém mesmo sem um motivo razoável (como no caso em que citei).

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    3. Esses objetivos que você citou que, supostamente, deram certo são ridículos. Apenas os apaixonados pelo corrupto acreditam nisso. Quais Juízes do STJ e STF disseram isso?? Pode citar um de cada tribunal de fonte segura. Brasil 247 e DCM não conta tá.

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    4. 12:29, qualquer coisa que se diga a respeito será conjectura e especulação. Mas acho que a escolha pelo plantão do Favreto foi proposital, mesmo implicando o risco que você apontou.

      Porque, e eu posso estar enganado, se a intenção era jogar merda no ventilador e não soltar o Lula, me parece que isso era o que menos importava.

      E sim, me preocupa que a direita instrumentalize o judiciário pra inviabilizar uma candidatura de esquerda porque ela, a direita, não tem uma candidatura viável (já que parte dela, a direita mais liberal e moderada, rejeita o Voldemort), do mesmo modo que me incomoda a esquerda instrumentalizar o judiciário pra tentar viabilizar o Lula porque não tem outro candidato viável.

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    5. 16:39, quem deu a informação foi a Folha de São Paulo, na edição de hoje. Não tenho por hábito ler o Brasil247 e o DCM.

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    6. Esse pessoal mede os outros pela própria régua. Lá porque eles leem Antagonista não quer dizer que os outros se orientem pelo 247 ou o DCM.

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