terça-feira, 27 de outubro de 2015

Vá de retro, ciência. Isso é doutrinação!


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Rolou um “auê” entre os reaças. Tudo por causa das provas do ENEM, que trouxeram nomes como Simone de Beauvoir, Nietzsche ou Paulo Freire. Os caras foram à loucura e não demoraram a armar o berreiro: “doutrinação, doutrinação, doutrinação”. E nem importa se também apareceram nomes como Hume, Hobbes, São Tomás de Aquino, Platão ou, imaginem, Usain Bolt. Os caras não querem saber? A reacionaria quer é circo.

A palavra doutrina tem origem no latim doctrina, expressão derivada de doceo (ensino). Ou seja, tem a ver com instrução, aprendizado, aquisição de conhecimento. Apenas em tempos mais recentes a palavra passou a ser entendida como um conjunto de teorias que, sistematizadas, formam os fundamentos de uma ciência. Se soa a inteligência, a reacionaria odeia, claro. Há mais ou menos aquilo que Kostas Axelos chamou “rejeição do pensamento”.

Num país como o Brasil, onde os conservadores representam o que há de mais atrasado, a palavra ganhou outros contornos. Virou um clichezão a ser repetido por qualquer iliterato para falar em imposições ideológicas. Ou, numa linguagem que os reaças talvez entendam, doutrinação é sinônimo de “fazer a cabeça”.

Eis o problema. O anti-intelectualismo – ao estilo tea party – estufa o peito e insiste em dar cartas. E rejeição do pensamento ganha contornos de uma estranha “ciência”: é tudo ao contrário. Enfim, aquilo que a pessoa não entende - e não quer entender por imperativo ideológico ou abulia intelectual - é o que ela chama "doutrinação". Qual o perigo? É que o país parece disposto a mergulhar nas trevas sem ter experimentado as luzes.

Quadro de Goya
É nesse meio obscurantista que surgem Bolsonaros, Malafaias, Felicianos, Rola-Bostas, Sheherazades, Constantinos e outras hediondezas, como os reacionários das redes sociais. Afinal, são organismos que só se desenvolvem em ambientes intelectualmente anaeróbicos. Aliás, essas pessoas são incapazes de perceber que a própria ignorância é doutrinária.

Um retrato do Brasil? Há uma pintura de Goya, exposta no Museu do Prado, que pode representar este momento. O quadro, chamado “Luta com Clavas” (Duelo a Garrotazos), mostra dois homens a combater na lama – ou areia movediça. Quanto mais lutam mais afundam e correm perigo. Mas mesmo assim não param de lutar. É o Brasil a se afundar no irracionalismo. Vá de retro, ciência.


É a dança da chuva.

8 comentários:

  1. Neste caso a palavra “doutrinação” perde a sua semântica e passa a designar “cabresto” mesmo! Ou arreio que os comunas nem percebem que usam...

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  2. Doutrinação eu não sei, mas se uma lei há muito tempo aguardada, que vem para regulamentar o exercício das atividades domésticas por profissionais com o pagamento do FGTS e seguridades, pede no cadastramento eletrônico para o patrão colocar a “RAÇA” do(a) profissional, tem alguma coisa errada.

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    1. Eles querem igualizar diferenciando, anônimo 12:04.

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  3. Pelo pouco que sei de latim, a expressão é "vade retro", que significa retroceda. Não é vá de retro.

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    1. É certo. Eu apenas optei por adaptar o slogan do poeta Alexandre O'Neal ("vá de metro, Satanás"), porque me pareceu mais divertido.

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  4. "O Brasil parou", diz o dono das lojas Havan, Luciano Hang --- ele que mande esse monte de empregados dele se foder e fique na praia curtindo...

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    1. Ele é o mesmo citado nessa matéria sobre sonegação e descaminho?

      http://www2.prsc.mpf.mp.br/conteudo/servicos/noticias-ascom/ultimas-noticias-anteriores/2004/mai/acao-penal-do-ministerio-publico-federal-denuncia-megafraude-nas-empresas-havan-blumenau

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