segunda-feira, 16 de abril de 2012

Igreja Católica: fiéis não muito fiéis


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Passei o feriadão da Páscoa na Espanha. O destino era Cádiz, para alguns a cidade mais antiga da Europa (um destino que recomendo), no extremo sul do país. Fiz uma pequena escala em Sevilha, onde passei a Sexta-Feira Santa. A ideia era rever alguns lugares, mas não deu: foi praticamente impossível andar pelas ruas, por causa das multidões nas missas, procissões e festividades.

Não é de admirar. Afinal,  a Península Ibérica é um dos maiores centros de concentração de católicos da Europa (e, percentualmente, também do mundo). Mas, de qualquer forma, ouvi de muitos espanhóis  a reclamação de que as pessoas estão se afastando da  igreja e que antigamente esses eventos atraíam muito mais gente. A Igreja Católica estaria a perder fiéis. Não sei se é verdade, porque nunca vi tanta gente nas ruas.

Mas parece que a coisa está mesmo feia lá para os lados da Santa Sé. Por coincidência, já em Portugal tomei conhecimento, pela imprensa, de que a Universidade Católica Portuguesa realizou uma pesquisa para saber a quantas anda o seu rebanho. E as notícias não são animadoras. O número de católicos, que já foi de expressivos 90%, hoje está em 70% dos portugueses. E o pior: apenas 18% – o que corresponde a 1,8 milhão de pessoas –, cumprem os serviços mínimos. Ou seja, ir à missa aos domingos.

O fato é que acendeu a luz vermelha e os integrantes do alto escalão da igreja estão a discutir a situação. Uma das razões apontadas para esse afastamento dos fiéis é a imagem do papa Joseph Ratzinger (aka Bento XVI), considerado menos midiático que o seu antecessor, João Paulo II, além de estar associado a posições conservadoras. Pode ser. Mas o que os líderes católicos esperam? Como podem querer ter as pessoas mais próximas se é a própria Igreja Católica a provocar o afastamento?

Ao ter um papa ultraconversador é natural que a igreja, no seu todo, assuma posturas ultraconservadoras. O problema é que neste momento a sociedade deseja avançar, tornando as coisas inconciliáveis. Joseph Ratzinger é apontado como um caso raro de papa e intelectual (coisas que, ao que parece, nem sempre andaram juntas). Se não gosto do religioso, sinto-me obrigado a aceitar o intelectual. Mas aceitar não significa concordar. O mundo não precisa de um papa que entenda mais de letras do que de pessoas. E Ratzinger parece não entender muito de gente real.

É preciso fazer uma resenha? O que dizer de um homem que, em pleno século 21, compara o aborto ao terrorismo? Ou que considera a homossexualidade "uma depravação e uma ameaça à família e à estabilidade da sociedade". Ou que não tem a contenção verbal necessária e provoca reações violentas entre os muçulmanos, ao dizer que a fé de Maomé era “má e desumana”. Não é suficiente? Então aí vai...

O que dizer do famoso discurso quando esteve na África? Aquele onde Ratzinger disse que a AIDS é uma “tragédia que não pode ser ultrapassada só com dinheiro, que não pode ser ultrapassada com a distribuição de preservativos”. Podem até dizer que a imprensa mundial distorceu as declarações do homem, mas ninguém vai negar que ele condena o uso do preservativo como método de prevenção da AIDS. É da idade da pedra lascada.

E que tal lembrar a sua visita à América Latina, onde disse que os povos indígenas estavam “à espera e desejosos” da religião. Neste caso, fica provado que o grande intelectual Joseph Ratzinger nunca estudou a história da América Latina, onde está claro que a conquista foi feita com “a espada, a cruz e a fome”. É o mesmo que dizer: os indígenas estavam ansiosos pelo maior genocídio da história, que custou talvez 15 milhões de vidas.

Ok... já que estamos na América Latina, para quem vive ou viveu no Brasil, acho que fica como grande marca a sua cruzada pessoal – ainda antes de ser papa – contra a Teologia da Libertação, um raríssimo momento na história em que a Igreja Católica se colocou de forma ativa ao lado dos mais fracos. Graças a Ratzinger foi perdida uma chance histórica.

E com tudo isso ainda acham estranho estarem a perder fiéis? 

18 comentários:

  1. Espero que esse seja um caminho sem volta não apenas para a Igreja Católica.

    ResponderExcluir
  2. O que a "Santa Sé" que nem tão santa assim é....não se deu conta de que nós povo mudamos no aspecto de discernir melhor as religiões e principalmente dos seus membros(Papa,Bispos,Padres etc.),mas principalmente de suas atitudes como pedofilia por exemplo e idéias totalmente preconceituosas por parte dos mesmos como foi citado no texto.

    ResponderExcluir
  3. Não vejo diferença de "conteúdo" entre este papa e seu predecessor. Foi durante o pontificado de João Paulo IIque se iniciou a "caça às bruxas" mencionada no texto, quando foram perseguidos e silenciados praticamente todos os padres progressitas da América Latina.

    Foi dele também o discurso, praticamente esquecido hoje, que defendia a permanência da bomba atômica nas mãos das potências ocidentais, que saberiam usá-la se necessário, contra a ameaça dos países comunistas.

    Por outro lado, me parece inegável que sobrava aquele o que falta neste: carisma e apelo midiático. Bom, como ateu e anticlerical, prefiro um papa conservador e antipático, a esvaziar as igrejas católicas, a um conservador e simpático, a enchê-las.

    O problema é que muitos ex-católicas acabam engrossando as fileiras do conservadorismo evangélico, onde o discurso é tão ou mais raivoso que o católico, além de mais ignorante. Estamos fritos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sabe de uma coisa, Clóvis.
      Nenhuma religião vai resistir ao poder da sociedade de hiperconsumo. Parece clichê, mas o consumo consegue fazer o que nenhum outro metadiscurso fez: onde está instalado é uma divindade a ser celebrada. Por exemplo, o mercado de consumo e a sharia são um dos meus temas de análise na academia (apesar de não ser uma autoridade a respeito), mas dá para perceber que nem lá os caras vão resistir. Demora mais, mas também cairão. Ah... e aqui em Portugal o pessoal largou a religião porque ela prega a supressão do prazer. As novas gerações ocidentais são hedonistas, individualistas e imediatistas e não entram nessa do reino dos céus para a eternidade. A eternidade é aqui e agora.

      Excluir
    2. Isso. Saem da católica e debandam para as evangélicas, onde a lavagem cerebral é tão brutal que até empresários (bem sucedidos) acabam com a biblía debaixo do braço, se dizendo pastor. Eu sei, eu vi!
      Agora quero fazer uma perguntinha bem simples: Imaginem essa massa toda que está aí, sem ter a quem temer, no caso estamos falando de Deus, Alá, Buda ou quem quer que seja, pensem a selvageria que seria. Na minha humilde opinião, a religião é para conter, apenas isso.
      Baço, então Portugal não tem mais religião? Já destruiram o Santuário de Fátima ou é apenas ponto para turista?
      Joana

      Excluir
    3. Cara Joana.
      O santuário de Fátima é o melhor negócio que a igreja tem em Portugal. Acha que iriam acabar? Aliás, um dos meus traumas é que, sempre que algum conhecido vem a Portugal, acaba por me obrigar a ir até Fátima. Já vi muitos deles a comprar bugigangas... rezar ainda não vi.

      Excluir
    4. Também acho, Baço. O Walter Benjamin, que eu adoro, já disse isso muito tempo atrás. Contrariando Weber, para quem a marca da modernidade é o "desencantamento do mundo", Benjamin afirmou que no mundo moderno o mercado e a mercadoria o reencantaram. E asseverou, ironicamente: neste quesito, mercado e mercadoria foram mais competentes que a religião. Porque há um dia por semana para rezar, e todos os dias são dias de consumo. No ponto.

      Excluir
    5. Joana, alguns empresários viram pastores, outros ouvem o apelo de deus e decidem derrubar o império satânico da Coca-Cola.

      Excluir
    6. Então já viste multidões em Fátima. Ótimo, era justamente esse o ponto. Agora associe essa turba toda aos que vão à praça de São Marcos, ao santuário de Aparecida e aos milhares de santuários espalhados pelo Mundo. Inclua também os mulçumanos e judeus (esses já se matam assim), pensa se não tivessem um "deus" como os ateus falam, que caos seria. Claro que existe o comércio, como publicitário que és, sabes bem disso. Em tudo há comércio. Do nascer ao morrer.
      Joana

      Excluir
    7. Clóvis, os evangélicos também querem vender a água benta deles. Comércio. Tudo é comércio.
      Joana

      Excluir
  4. Do que adianta a Igreja Católica perder poder se - ao mesmo tempo - as igrejas ditas "neopentecostais - ganham terreno? O urso morre mas vem uma matilha de lobos sedentos por dinheiro dos menos favorecidos intelectualmente.

    Marcio Rocha

    ResponderExcluir
  5. Apenas gostaria de complementar minha ideia acrescentando que no capítulo 38: 2 do livro de Jó, Deus diz: "Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência."
    E nos capítulos seguintes 38 e 39 de Jó, Deus mostrou todo seu poder em relação ao homem, que é simplesmente criatura, tão frágil, e tão pequena que só nos resta, depender inteiramente do Senhor.
    Lendo o livro de Jó capítulo 40: 3 e 4.
    Podemos ver que Jó tinha uma justiça própria. O que é isso? É quando as nossas verdades são maiores que as verdades de Deus.
    Então Jó respondeu ao SENHOR, dizendo: "Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho à boca".
    No fim de todo seu sofrimento, Jó pode apresentar seus argumentos ao Senhor, e então recebeu uma resposta que o fez entender quem realmente ele éra. "PÓ E NADA MAIS".
    Percebeu que sua vida estava inteiramente no controle de Deus, e que era soberano sobre todas as coisas. Tudo está nele, leia (Rm 11:36)
    Jó pode então dizer no capítulo 42:2 "Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos podem ser frustrados " . e no 42: 5 "Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram".
    A lição, clara, que aprendemos da experiência de Jó é que, só quando se conhece, de fato, a majestade, a soberania e o senhorio de Deus sobre toda a Sua criação é que começamos a entender algo sobre nós, a nossa pequenez e insignificância.
    É simplesmente maravilhoso conhecer e reconhecer a Soberania de Deus e confiar Nele a nossa vida.
    Não estou querendo discutir fé. Porque fé é apenas o que tenho, nada mais. Respeito quem não crê em Deus, afinal meu filho também não crê e nem por isso deixei de amá-lo e desrespeitá-lo.
    Mas tudo isso é a opinião de uma humilde leitora do Chuva e uma curiosa da cultura dos muçulmanos (corrigindo antes que alguém o faça, ahahah).
    E meu nome não é Joana, nem Stefana, nem Beto ou Joãozinho. Adelaide W.

    ResponderExcluir
  6. Achei que este era um blog sobre Joinville... De que me interessa saber que um português foi passar férias na Espanha????

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Errou, playboi. Está lá na apresentação do blog: "o coletivo está focado na discussão da vida de Joinville, mas sem ser paroquial ou provinciano. Há também um lado cosmopolita, de atenção ao que se passa pelo mundo".
      Aliás, já contei sobre as férias na Dinamarca?

      Excluir
    2. Cosmopolismo é um vocábulo desconhecido para a maioria dos joinvilenses...

      Excluir
    3. Cosmopolitismo e aptidão para leitura: o sujeito leu só o primeiro parágrafo do texto e achou que tinha entendido tudo.

      Excluir
  7. "Cosmopolismo é um vocábulo desconhecido para a maioria dos joinvilenses..."

    Para a maioria dos dicionários também, fica a dica.

    ResponderExcluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem