segunda-feira, 27 de maio de 2013

Caráter

POR JORDI CASTAN

Dizem que caráter é o que somos e fazemos  quando ninguém nos vê. E também que para pôr à prova o caráter de um homem, é só dar-lhe poder.

O lamentável episódio em que o prefeito Udo Dohler afirma que: “O lobby daqueles vereadores, eles viram naquilo a chance de cifrões etc...e aquilo tinha um preço. Eu fui procurado pra isso”  serviu por um lado para trazer para a luz o que já era um segredo a vozes para quem acompanha de perto as negociatas e articulações pela aprovação da LOT. Outro dos resultados, provavelmente não pretendidos foi a declaração da sua assessoria em que o prefeito alegava que não sabia que estaria sendo gravado.

Ser ou não ser gravado, não deveria mudar o diálogo entre os dois interlocutores ou a veracidade da sua declaração. Tenho dificuldade em confiar em gente que diz uma coisa agora e outra depois, que diz ou que desdiz com facilidade. As pessoas, e ainda mais aquelas que ocupam cargos públicos, deveriam ter uma única moral. Ter uma moral pública, para quando os outros estão vendo, e outra em privado ou na intimidade, não é um bom exemplo. Acabamos sendo levados a confundir caráter com reputação. A reputação é o que as pessoas pensam de alguém, o caráter é como essa pessoa é realmente. Tem muita gente por aí com boa reputação e péssimo caráter.

Com esse tipo de gente você acaba sem saber direito qual será o critério, como agirá. Não são gente confiável. Falam uma coisa e fazem outra. Entre políticos, profissionais ou recém-chegados, este tipo de dupla moral é até visto como uma virtude e tem que ache elogiável esta capacidade para o dissimulo e a trapaça. É aí que reside a armadilha em que facilmente cairíamos a de acreditar que o errado passe a ser certo.

Assim que fique atento e não acredite em quem fala uma coisa e pensa outra.
Desconfie de quem  tenha a reputação de ser obstinado, dizia Hebbel, que "a obstinação é o substituto mais barato do caráter."  Achar quem mantenha intatos seus valores morais continua sendo na Joinville de hoje tão difícil como foi na Atenas de Diógenes. 

sábado, 25 de maio de 2013

Tal país, quais direitos?



POR CLÓVIS GRUNER

A invenção dos direitos humanos é recente: o conceito de que indivíduos devem ter assegurados pelos seus governos alguns direitos fundamentais remonta ao final do século XVII, consolidando-se principalmente ao longo do XVIII. É verdade que nem sempre há coincidência entre as palavras e as coisas, como atestam os milhares de mortos durante o Terror jacobino na França revolucionada. Por outro lado, é igualmente significativo que alguns dos principais documentos que estabeleceram os parâmetros dos direitos humanos apareceram quase sempre em momentos de crise, seja para afirmá-los ou defendê-los.

Foi assim com a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Em contextos distintos, ambas são marcadas pela insubmissão à tirania e ao absolutismo. Inspirados no liberalismo e no iluminismo, cidadãos americanos e franceses denunciaram o despotismo e defenderam o direito à liberdade, à segurança e à busca da felicidade – que, naquele momento, possuía um conteúdo político fundamental, pouco tendo a ver com a noção algo banalizada que temos hoje da palavra “felicidade”.

No final do século seguinte seria a vez da Igreja Católica. Com a encíclica Rerum Novarum, de 1891, Leão XIII se posicionava e a Santa Sé, frente às muitas mudanças experimentadas ao longo do oitocentos. É verdade que o documento é bastante conservador – afinal, trata-se de uma encíclica papal –, e traz nas entrelinhas um indisfarçável desejo de conter o avanço dos grupos e doutrinas socialistas que ganhavam força na Europa. Mas ele revela, igualmente, a vontade política da igreja de estabelecer uma doutrina social preocupada em assegurar e ampliar os direitos dos mais fragilizados pela consolidação do capitalismo industrial – preocupação abandonada nas décadas seguintes, exceção feita talvez ao pontificado de João XXIII e à Teologia da Libertação.

Não é preciso me alongar muito sobre o contexto do surgimento, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: saíamos de dois conflitos mundiais com milhões de mortos; o mundo viu e viveu a experiência da Shoah e das bombas atômicas.  Alguém poderá sempre objetar que se trata, uma vez mais, de palavras, e que atrocidades continuaram e continuam a ocorrer mundo afora. E é verdade, ao menos em parte. Mas eu continuo a afirmar a pertinência da Declaração e dos documentos produzidos a partir dela – e o fato de que a maior potência mundial, os Estados Unidos, tenha se recusado a assinar alguns deles, tais como a criação do Tribunal Penal Internacional e o Protocolo de Kyoto (sim, a questão ambiental é um problema de direitos humanos), me parece um bom indicativo de seu valor.

RETROCEDEMOS – No Brasil, o tema nunca foi tratado de maneira responsável por nenhum de seus governos democráticos – e desta noção estão excluídas, obviamente, a Monarquia e as ditaduras do período republicano. Nos anos imediatamente subsequentes ao fim da última ditadura civil militar, continuamos a conviver com os muitos resquícios de uma herança sórdida, como dão testemunho as chacinas do Carandiru e da Candelária, para ficar apenas nos exemplos mais eloquentes. Vislumbrei alguma perspectiva de mudança com a eleição de FHC, por conta de sua trajetória pregressa. Mas minhas expectativas morreram junto com os 19 sem-terra massacrados em Eldorado do Carajás. Alguma coisa mudou nos governos Lula, em parte por conta da institucionalização das muitas demandas dos movimentos sociais, incorporadas ao Estado e transformadas em políticas públicas oficias – processo que mereceria uma análise mais cuidadosa, o que não farei aqui.

Nos últimos anos, no entanto, retrocedemos em relação ao pouco que avançamos. E não me refiro apenas a excrescência que é ter Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a usar a autoridade e a visibilidade que o cargo lhe confere para barrar iniciativas como a campanha de prevenção a Aids ou de combate à homofobia nas escolas. Fosse isso, e já era muito. Mas não é. Na semana que findou, foi publicado o Informe 2013 da Anistia Internacional. O capítulo dedicado ao Brasil traça um perfil lamentável: temos uma das polícias mais violentas do mundo, responsável pelo assassinato diário de dezenas de pessoas nas periferias das cidades brasileiras. Nosso índice de encarceramento é um dos mais altos entre os países democráticos, e nossas prisões há tempos tornaram-se inviáveis (se algum dia já foram viáveis), reféns do descaso oficial e do crime organizado. Os elevados índices de desigualdade social, que insistem em permanecer apesar das iniciativas e da propaganda oficial, continuam a fazer recrudescer a violência e, com ela, a intolerância de setores principalmente das camadas médias urbanas, desejosos por medidas igualmente violentas, mas com respaldo estatal, tal como a redução da maioridade penal. 

Nas últimas semanas, a ocupação das obras da usina de Belo Monte, em Altamira, no Pará, lançou luz sobre a situação de comunidades indígenas que, à sua revelia, foram ou estão a ser prejudicadas e expulsas de suas terras. Durante os oito dias de ocupação, encerrada por ordem judicial, vigorou a truculência, com patrocínio oficial: forças das polícias federal, militar e rodoviária e do exército, barraram o acesso de civis solidários aos indígenas, censuraram jornalistas, impediram a entrada de advogados; sitiados, os ocupantes não tiveram acesso a carvão para cozinhar, nem aos meios de comunicação. Em um gesto que ilustra exemplarmente a truculência, as forças da ordem bloquearam carros com agentes de saúde, que só tiveram permitido seu acesso as obras a pé. Não vou me alongar mais, porque há muita coisa escrita sobre o impacto humano e ambiental de Belo Monte (o professor Idelber Avelar organizou um extenso dossiê sobre o assunto, disponível em seu ex-blog Um outro olhar); e há ainda o Ocupação Belo Monte, que vale a pena ser lido por quem se interessa sobre o assunto.

PARA ONDE VAMOS, AFINAL? – Como toda explicação parcial, acreditar que este estado de coisas é fruto somente da aliança do governo com setores religiosos e conservadores, pode ofuscar outros aspectos da questão. Primeiro, porque não se trata de problema novo e, sob diferentes prismas, nossa recusa a acertar as contas com o passado recente, como fizeram outros países, e optar pelo caminho enganosamente fácil de uma falsa conciliação, dificulta darmos o passo definitivo em direção à consolidação de uma democracia mais sólida e sensível aos direitos humanos.

Por outro lado, não se pode eximir o atual governo de sua cota de responsabilidade. Aquilo que alguns analistas tratam como uma atualização do discurso nacional-desenvolvimentista negligenciou, quando não mesmo tentou impor o silêncio, aqueles grupos cujos direitos e interesses contradizem os do governo e de seus novos (ou nem tão novos) aliados. É o que está a acontecer, por exemplo, em Belo Monte, onde os direitos das comunidades indígenas têm sido violentados por empreiteiras, como já o foram antes por ruralistas, com o consentimento e a participação do governo. Durante a ocupação, uma verdadeira campanha de desumanização foi movida contra os índios, ecoando inclusive nas páginas daquela imprensa que os governistas chamam de “golpista”.

A estratégia do desenvolvimento a qualquer custo complementa o esforço por diluir o tema dos direitos humanos nos índices de diminuição da pobreza percebidos na última década. Que fique claro: nada tenho contra as ações sociais patrocinadas pelo atual e pelos dois últimos governos; quaisquer iniciativas que tenham por fim diminuir nossos escandalosos índices de miséria são sempre bem vindas. Minha questão é outra. O combate à pobreza e à miséria, em que pese sua urgência, não esgota o problema. Uma política ativa de respeito aos direitos humanos precisa assegurar a laicidade do Estado e a igualdade dos direitos civis; conduzir firmemente o processo de acerto de contas com nosso passado autoritário; respeitar e fazer respeitar as diferenças de gênero, étnicas e religiosas, entre outras; afiançar o acesso à saúde; investir na educação pública e de qualidade, em todos os níveis; combater a violência institucional, dentro e fora das penitenciárias; garantir um marco regulatório sem o qual a liberdade de imprensa resta ameaçada (não, você não leu errado: não é a existência de um marco regulatório que ameaça a liberdade de imprensa, mas a ausência de um); enfrentar a violência que grassa no campo e realizar uma efetiva reforma agrária; promover um desenvolvimento sustentável, atento aos riscos ambientais inerentes ao progresso tecnológico e industrial; etc...

Os critérios pelos quais medimos nosso nível de civilização não podem basear-se apenas no acesso ao mercado e na ampliação do consumo. Isso é bom, necessário até. Mas não é o suficiente. No passado os momentos de crise ou de transformação serviram para reafirmar alguns valores inalienáveis, “por si mesmo evidentes”. Sigamos este exemplo.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Será o primeiro exorcismo do papa?

POR ET BARTHES
Tem gente dizendo que é um exorcismo. Tem gente dizendo que não. E você, o que acha?


134 reais no dos outros é refresco

Um grande preconceito, um péssimo design
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
“Nunca dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Tenho uma birra com essa frase, porque é o slogan de uma direita ignara, que a repete ad nauseam e sem qualquer pudor. Mas fazia muito tempo que não lia ou ouvia essa expressão com tanta frequência como nos últimos dias, desde que rolou o boato sobre o fim do Bolsa Família.

É uma frase com poderes mágicos para os caras da direita. Para começar, porque ficam com a sensação de estarem a dizer algo inteligente. Também é um álibi para os que rejeitam a solidariedade com os mais fracos. E, por fim, porque é um discurso pret-a-porter para atacar as ações sociais do governo, como no caso do Bolsa Família.

A frase feita é a muleta de uma direita que se recusa a pensar. Os processos ideológicos (segundo Marx, ideologia é falsificação) assentam na poupança de neurônios e numa fraseologia específica. A frase feita ajuda a explicar o mundo de maneira simplória, com base em “verdades irrefutáveis” que dispensam qualquer comprovação. Está dito, está dito... não se questiona.

Mas o que os caras realmente querem dizer com “não dar o peixe”? Ora, é evidente: os beneficiários do Bolsa Família são todos uns vagabundos que não querem trabalhar e preferem viver às custas dos impostos da gente de bem. Ah... essa fortuna de 134 reais é mesmo capaz de fazer uma pessoa não querer progredir na vida. No dos outros é refresco...

Estigmatizar a pobreza, lançando sobre ela o anátema da vagabundagem, mostra o quanto a direita brasileira é atrasada. Tão atrasada que defende ideias do século 18, como podemos ver no “Traité de la Police”, de Nicolas Delamare, onde se propunha a “vigilância dos indivíduos perigosos, caça aos vagabundos e eventualmente aos mendigos, perseguição dos criminosos”. Muito moderno.

“Ensinar a pescar”? Até dava para levar a sério se o conselho não viesse de pessoas que recusam qualquer ensinamento. Um reaça é o cara tem a oportunidade de aprender e não aprende. Porque se aprendesse deixava de ser reaça. É o tipo de gente que tem as portas das oportunidades abertas, mas prefere viver na anorexia intelectual. E depois quer criminalizar pessoas que, nem de longe, têm as mesmas oportunidades.


A direita é iletrada. A direita é preconceituosa. A direita é atrasada. A direita espalha intolerância e ignorância pelas redes sociais (viram a foto no começo do texto?). E a direita tem representantes nos maiores meios de comunicação do país. É o caso da mocinha do vídeo, uma representante típica dos reaças nacionais: gente que é fraca com os fortes, mas gosta de ser forte com os fracos.



quarta-feira, 22 de maio de 2013

134 reais

Fonte. Clainete dos Santos, gaúcha, recebe o bolsa família.

POR  FERNANDA M. POMPERMAIER

Me envolvi ontem numa discussão desnecessária sobre a possibilidade de o Bolsa Família ter se tornado um "câncer" na sociedade brasileira por incentivar o conformismo e a preguiça. Existem realmente pessoas que acreditam que R$134,00 mensais por família, podem fazer com que as pessoas prefiram não trabalhar ou estudar e fiquem em casa sendo sustentadas pelos nossos impostos.

Eu disse que a discussão foi desnecessária porque nós não chegamos a lugar algum. O outro lado estava convencido demais. Existe um movimento da mídia nacional que deseja colocar a classe média (ou os não beneficiários) contra os beneficiários do programa. Chego a acreditar que essa possa ser a intenção da direita que considera que o voto dos beneficiários eles já não ganhariam, então vamos arrematar os de todos que não recebem colocando-os contra o governo e os pobres, ao mesmo tempo.
Pode ser apenas uma ilusão minha.

Vi um vídeo compartilhado em redes sociais, acompanhado do aplauso de muitos reacionários, no qual Raquel Sherazade no SBT fala sobre o velho "não dar o peixe, mas ensinar a pescar". Ela se referia ao recente boato de que o bolsa família estaria para acabar, o que fez com que milhares de pessoas corressem aos bancos e sacassem seus benefícios. A presidenta se referiu ao boato como maldoso e disse que o dinheiro do programa é sagrado. Eu nem sempre concordo com a Dilma, mas nesse caso a admirei.
Sinceramente, considerar que uma família consiga viver, no Brasil, com 134 reais mensais é desumano. Como viveria uma família nessas condições?

Li recentemente que o salário mínimo no Brasil deveria ser de 2 mil reais considerando o custo de vida. Eu não acredito que uma família consiga viver com o mínimo de dignidade recebendo apenas 2 mil reais por mês. E sinceramente, se existem pessoas que se contentam com esse valor e não buscam algo mais significa que temos problemas ainda mais sérios. Problemas com os empregos formais, com os salários, com a educação, com a profissionalização e muito outros. E são esses problemas que a população (e a mídia) deveria atacar. Seja a classe média, baixa, alta, ou sei lá que casta, se é que essa divisão faz sentido.
Desejar a profissionalização dos beneficiários é uma coisa, atacar o programa como se ele fosse o culpado das mazelas é outra completamente diferente.
O programa é necessário e não cabe à nós julgar os motivos pelos quais uma pessoa chega ao ponto de usá-lo. Se ela não teve oportunidades, se é mãe solteira, se teve muitos filhos, se é órfão, está desmpregado, acabou de se separar... todos podemos passar por situações de dificuldades e um governo decente precisa oferecer esse auxílio emergencial aos seus cidadãos.
Álias, de acordo com o MDS 93% dos beneficiários são mulheres. 70%  trabalham mas não conseguem viver com a sua renda.

Achar que o governo oferece apenas o programa para por comida na mesa ou para ganhar votos e nada mais é uma idiotice e uma inverdade. Existem inúmeros programas educacionais associados e só o fato de ter baixado os índices de evasão escolar já são um mérito.

É lógico que o governo precisa fazer muito mais do que faz hoje com relação à educação. Certeza.
Mas se revoltar com essa merreca que é dada para milhões de pessoas que passavam fome, num país ainda com 14% de miseráveis (segundo a ONU) é maldade pura. Seria melhor que esse dinheiro tivesse ido parar nas contas do Maluf? Ou talvez na construção de algum estádio?  Melhor, podíamos usar para pagar os altos salários dos políticos que muito o merecem pelas expressivas contruibuições à nossa sociedade, (not).

Faça o teste. Olhe nos olhos das pessoas que recebem  o benefício e pense se realmente você considera que o programa deveria ser extinto: Fotos dos beneficiários.

PS.: Em tempos, o auxílio social na Suécia é de 8 mil coroas, aproximadamente 3500 reais e eles ainda pagam o aluguel do beneficiário. A maioria dos países que se prezam tem programas sociais. Isso é uma questão respeito ao ser humano.