POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Esta semana tive um ligeiro desaguisado numa rede social com o professor Clóvis Gruner, co-blogger no Chuva Ácida. O tema não tinha muita importância, mas rendeu uma troca de posts. Tudo começou com um pequeno texto, onde ele pedia uma reflexão da esquerda: “há alguns padrões identificáveis nos processos de degradação da Venezuela de Maduro e, agora, na Nicarágua governada por Daniel Ortega. Um deles é a dificuldade de uma parcela da esquerda brasileira de fazer a necessária - e cada vez mais urgente -, critica aos dois regimes”, escreveu.
Não vi grande utilidade na proposta. Afinal, o resultado não teria qualquer interferência prática em qualquer das duas situações. Pareceu mesmo que ele estava a fazer um frete para a direita. Ou seja, lançar a esquerda num processo de autoflagelação. Post para lá, post para cá, acabei sugerir que, em alternativa, houvesse uma discussão sobre o fundamentalismo islâmico em Moçambique. O quê? O leitor e a leitora devem estar a perguntar como acabamos em Moçambique. Foi o que fez o professor Clóvis Gruner:
- “Esse seu comentário me lembrou aqueles caras que perguntam se a gente denunciou toda a violência do Oriente Médio quando denunciamos a violência da ocupação israelense em território palestino. Ou aqueles que perguntam por que não falamos de todos milhares de assassinatos cometidos no Brasil, quando denunciamos o assassinato de Marielle Franco. Acho que você anda a dar muito crédito aos anônimos”, escreveu.
Será um tema assim tão impróprio? Não acho. E respondi.
- “Foi apenas um exemplo a mostrar - e confirmar a minha tese - de que as pessoas só vão atrás do que a mídia indica. Ninguém quer saber de Moçambique, mas tem interesse na Nicarágua. Ou seja, a mídia não falou em Moçambique, então não existe. Aliás, posso dizer que o caso do país africano interessa muito mais ao Brasil do que a Nicarágua. Mas não interessa aos brasileiros, é um não assunto”, defendi. Mas Moçambique interessa?
Eis os fatos. Há algumas semanas, ataques no Norte do país, atribuídos ao extremismo islâmico, fizeram cerca de 20 mortos. O tema não é novo. Os registros de violência surgiram no ano passado. O TRAC – Terrorism Research & Analysis Consortium, entidade que pesquisa e analisa o terrorismo, diz que desde então houve 20 ataques. Há uma escalada. O leitor e a leitora devem estar a perguntar: o que o Brasil tem a ver com isso?
Ora, talvez interesse mais do que a Nicarágua. Há um movimento internacional – pequeno, é certo – a pedir a intervenção dos integrantes da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa antes que a coisa se agrave e fuja ao controle. Há a noção de que as forças armadas moçambicanas não têm capacidade operacional para conter os avanços terroristas. O Brasil é integrante da CPLP e tem maior capacidade de mobilizar os seus militares, numa operação conjunta com os outros membros.
Ok... essas coisas costumam ser resolvidas pelos capacetes azuis da ONU. Mas pode ser oportuno discutir o papel da própria CPLP, que vem perdendo relevância. Afinal, se um dos seus membros mais frágeis não pode contar com a solidariedade e a ação dos outros integrantes, então a existência da organização deixa de ter interesse. E é aqui que entra o meu comentário. Se é para propor uma reflexão, que tal refletir sobre uma ação conjunta dos países da CPLP em Moçambique?
A direita aponta o dedo a Cuba. A esquerda é convidada a fazer uma reflexão sobre Cuba. A direita questiona a Venezuela. A esquerda é convidada a fazer uma reflexão sobre a Venezuela. A direita põe a Nicarágua na agenda midiática. A esquerda é convidada a fazer uma reflexão sobre a Nicarágua. Eis o meu ponto: não é a reflexão, mas a inflexão. É dobrar a coluna e ficar curvado aos ditames dos conservadores.
Pergunto: por que a esquerda tem que andar a reboque da direita? Até porque a direita não é dada a qualquer tipo de reflexão. É aí que entra a minha proposta: criar uma agenda própria, sem estar a seguir a pegada imposta pela mídia conservadora ou os próprios conservadores. Afinal, a direita está sempre a fazer a esquerda cortar a própria carne. É uma posição defensiva. Não faz sentido.
É a dança da chuva.
quinta-feira, 26 de julho de 2018
quarta-feira, 25 de julho de 2018
Fake news, a mentira e a homofobia
POR CLÓVIS GRUNER
Um tuite do vereador carioca Carlos Bolsonaro, publicado no dia 13 último, devolveu às redes sociais uma fake news que vem sendo compartilhada desde 2017, sugerindo que homens gays são pedófilos. Avisado que se tratava de um material comprovadamente mentiroso, Bolsonaro não apenas manteve a postagem, como publicou novos posts associando a homossexualidade masculina e a pedofilia (você pode ler a história aqui).No mesmo dia, Danilo Gentili usou sua conta na rede para alertar seus seguidores que, em breve, eles verão as “Folhas e UOL da vida manchetando que vc é um monstro preconceituoso se não aceitar a pedofilia”. Isso porque, há uma “geração sendo doutrinada nas universidades para defender isso quando subirem aos postos de editores, agentes da mídia e políticos”. Alertado da mentira, também manteve o post e publicou outro de igual teor, compartilhado um dia antes no Twitter de Voldemort.
Não tenho dúvidas que Gentili e Bolsonaros sabiam o que faziam mesmo antes de serem alertados da mentira, e terem continuado a disseminá-la é um claro indício disso. Associar a homossexualidade masculina à pedofilia é tão falso quanto falar em “ditadura gay” ou, variações do mesmo tema, que “gays querem impor seu estilo de vida” e que o movimento LGBT reivindica “privilégios jurídicos”, mais ou menos como as igrejas.
Mas a disseminação de inverdades, nesse caso, esconde dramas e problemas reais para os quais – e também não tenho dúvidas disso – nenhum deles está realmente preocupado. O primeiro deles é, justamente, o da pedofilia. O último levantamento sobre o tema, de 2016 e divulgado recentemente, revela números assustadores: cerca de 13 mil menores foram vítimas de algum tipo de abuso sexual naquele ano, a maioria perpetrados por familiares ou pessoas conhecidas.
É dentro de casa – e também em alguns templos e sacristias –, portanto, que reside o perigo maior. Apesar disso, a CPI dos maus tratos, liderada pelo senador Magno Malta, e os milicianos do MBL, preferiram atacar museus e artistas, escolas e professoras/es, em um discurso agora reiterado pelos tuites de Gentili e Bolsonaros, que estigmatizam, no limite da criminalização, as práticas e relações homoeróticas, colocando-as no mesmo nível da pedofilia e do abuso infantil.
Na prática, nossos conservadores e seus porta-vozes nas mídias e parlamentos não se importam em manipular um problema real, como a pedofilia ou o abuso infantil, se isso servir a um propósito: atacar e desqualificar LGBTs e seus movimentos, mantendo-os à margem de quaisquer direitos, autorizando e legitimando a violência, física e simbólica, sistematicamente praticada contra eles.
Um ódio fundamental – Somos, entre os países democráticos, um dos que mais mata sua população LGBT. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2011 – ano do último levantamento do órgão federal – cerca de 19 violações contra LGBTs aconteceram, em todo o pais, diariamente. As estatísticas se referem às agressões notificadas e, levando-se em conta a precariedade, as inúmeras dificuldades e mesmo o medo de registrar agressões sofridas, é provável que a incidência seja maior.
Os números são também assustadores no que se refere ao assassinato de gays, lésbicas, transgêneros e travestis: no mesmo ano da pesquisa realizada pela SDH, foram registrados 266 mortes; levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia para 2014, registra um aumento significativo, totalizando 326 assassinatos. No ano passado, esse número saltou para 445 vítimas. O número de mortos é maior entre a população gay masculina, seguida de perto pelos travestis.
Confundidos com homossexuais, nos últimos anos cerca de 20 homens heteros foram assassinados. Em 2014, Alex, de apenas oito anos, foi espancado até a morte pelo pai, que o achava “afeminado” e queria que ele “andasse como um homem”. No ano passado, Itaberlly Lozano, de 17 anos, foi morto a facadas pela mãe e o padrasto que esconderam o corpo, depois de carbonizado, em um canavial. O índice de suicídios entre adolescentes e jovens gays é igualmente desalentador.
Mas a violência não é apenas física. A homossexualidade ainda é vista e tratada como doença, inclusive por profissionais da saúde. Gays são preteridos ou demitidos de empregos por serem gays. São constrangidos em lugares públicos e hostilizados quando demonstram afeto (um simples andar de mãos dadas pode gerar reações violentas imprevisíveis); expulsos do convívio familiar e de amigos; desrespeitados em ambientes públicos, inclusive em escolas, espaços de formação de cidadanias e cidadãos; ridicularizados por programas de humor e humoristas politicamente incorretos.
Militantes denunciam isso há muito tempo. Conseguiram poucos, tímidos avanços, mas esbarram na indiferença, inclusive de governos de esquerda: em 2011, Dilma Rousseff mandou suspender a distribuição do “kit anti-homofobia” (que os detratores chamaram, pejorativamente, de “kit gay”), cedendo às pressões da bancada conservadora. Uma esfera pública não inteiramente laicizada e atravessada pela vontade religiosa corrobora para perpetuar um estado de coisas, que trata alguns indivíduos como subcidadãos em função de sua orientação sexual.
Apesar disso, Bolsonaros, Gentili e seus milhares de seguidores insistem no discurso cretino e mentiroso de uma “ditadura gay” e ousam falar em “privilégios”, enquanto mentem sobre homossexualidade e pedofilia. E mentem porque eles sabem o tipo de efeito que essa associação produz. E porque não suportam que LGBTs tenham acesso e assegurem mesmo os direitos mais elementares. Às vezes, um tuite não é só um tuite. É um reservatório inteiro de ódio.
terça-feira, 24 de julho de 2018
O algoritmo da acessibilidade: parecendo mais protetor, pode não ser na verdade
POR JORDI CASTAN
Não há quem possa discordar desta ideia: as cidades e os seus espaços devem ser acessíveis para
todos. Logo, logo haverá alguém dizendo que as cidades têm que ser acessíveis a
todos e a todas e os mais “moderninhos” escreverão que as cidades devem ser acessíveis
a tod@s. E assim estamos.
Duvido que haja um
algoritmo que calcule com precisão quantas vagas devem ser previstas para idosos,
grávidas ou pessoas com necessidades especiais. Um estabelecimento comercial aqui da vila tinha três vagas para clientes: uma para idoso, uma para PNE e
outra para clientes. Que estava ocupada. Fiquei pensando que, aplicando um
algoritmo simples, neste caso 66% das vagas estavam reservadas a minorias e 33% aos demais. Achei o resultado do cálculo estranho.
Nos modernos pontos de ônibus instalados na vila há espaço para que sentar 4 pessoas: 3 num banco de ferro e um espaço reservado especificamente para um cadeirante. Assim, quem projetou os abrigos considerou que 25% dos usuários do sistema de transporte público de Joinville sejam cadeirantes. Ou 1 de cada 4. De novo o resultado desta conta me pareceu estranha. Não consigo, por muitas contas que faça, imaginar onde podem estar todos estes cadeirantes.
Nos modernos pontos de ônibus instalados na vila há espaço para que sentar 4 pessoas: 3 num banco de ferro e um espaço reservado especificamente para um cadeirante. Assim, quem projetou os abrigos considerou que 25% dos usuários do sistema de transporte público de Joinville sejam cadeirantes. Ou 1 de cada 4. De novo o resultado desta conta me pareceu estranha. Não consigo, por muitas contas que faça, imaginar onde podem estar todos estes cadeirantes.
Nos supermercados e
centros comerciais há dezenas de vagas reservadas para idosos, grávidas e PNE
vazias à espera ou dos consumidores que teriam direito a utilizá-las. Ou de
espertalhões que, sem terem o direito, as ocupam ilegal e imoralmente.
Quanto mais presto
atenção a estas coisas, mais tenho a certeza que há um excesso. Um excesso de
protecionismo, um excesso de margem de cálculo e uma falta de dados concretos e
verazes que permitam à nossa legislação ser mais justa e adequada à realidade da nossa sociedade. Sinto que estamos vivendo uma espécie de ditadura
das minorias. Que ser integrante da maioria teria se convertido num pecado grave.
Que a maioria deve ser perseguida e punida por ser maioria. Que
estamos fazendo, em nome da acessibilidade, cidades menos amigáveis para a
maioria.
Não identifico nos países
mais desenvolvidos essa sanha protetora. E o mais interessante é que os vejo as minorias integradas no tecido social e urbano. Cidades acessíveis são acessíveis para
todos. Não vi, em qualquer das grandes cidades ocidentais, toda essa parafernália de
pisos podo tácteis, nem guarda corpos em tudo que degrau. Mas, sim, é comum que
os sinaleiros tenham um aviso sonoro para informar a cegos, que as calçadas estejam
niveladas e ofereçam boa segurança para todos. Aliás, calçadas estas que são construídas
e mantidas pelo município e não pelo proprietário do imóvel, como acontece
aqui. Se o espaço é público deve ser assumido por todos.
Em tempo: não há como
concordar com a gambiarra apressada e medonha aprovada pela Câmara de Vereadores
de Joinville para o estacionamento rotativo. É incompreensível demorar tantos anos para, no final, aprovar
de afogadilho um absurdo destes. Isso só acontece aqui porque o Legislativo se rende
ao Executivo e aprova qualquer projeto que venha do alcaide. Multar com quase
R$ 200 e 4 pontos na carteira quem ultrapasse em 5 minutos o tempo permitido é um
abuso e uma sem-vergonhice. Mas numa cidade de gente acovardada não é novidade.
segunda-feira, 23 de julho de 2018
Sexo, sexo, sexo e pesquisas sobre sexo...
POR LEO VORTIS
Os leitores e leitoras mais habituados às redes sociais já devem ter reparado que hoje em dia há pesquisas para tudo. É uma coisa insana. Desde as coisas mais complexas até às mais insignificantes, tem sempre um estudo feito por uma universidade ou instituto de pesquisas.
Parece que os britânicos são os campeões em números de pesquisas, mas acontece também em outros países. Os temas variam, mas há uma coisa que não falha: sempre tem alguma coisa relacionado ao sexo.
Para ter uma ideia, apresento aqui uma lista de algumas dessas pesquisas. A maioria é do Reino Unido, mas também há de outros países, como o Brasil. É uma loucura. Vejamos os títulos, que começam todos por “pesquisa revela”:
… que o sexo pela manhã, três vezes por semana, fortalece as defesas, levanta o ânimo, queima calorias e retarda o envelhecimento.
… casal que faz faxina junto tem vida sexual mais ativa
... que 63% dos jovens preferem garotas virgens para casar.
... que gays feios têm maior tendência a praticar sexo de risco.
... que 73% dos britânicos não têm energia para o sexo.
... que o casamento entre mulher bonita e homem feio tem mais chance de dar certo.
... que a maioria dos homens não beija durante o sexo.
... que flerte fora do casamento ajuda a relação.
... que dividir tarefas domésticas melhora a vida sexual.
... que casar engorda.
... que mulheres espiritualizadas fazem mais sexo.
... que um em cada três americanos acredita em fantasmas (não tem sexo, mas essa é f...).
... que loiras tingidas fazem mais sexo.
... que preferência por celular fica acima do sexo.
... o que elas odeiam ouvir na hora “h”.
... que 25% das mulheres chinesas estão insatisfeitas com a vida sexual.
... que metade das mulheres britânicas casadas há mais de 20 anos poderiam continuar o casamento sem sexo.
... que brasileiro trai e muitos não usam preservativos.
... que as garotas preferem os “bad boys” aos caras certinhos.
... que mulheres usam álcool para curar a timidez na cama.
... que um terço das mulheres não teve sexo na noite de núpcias.
... que sexo não é prioridade para os homens.
... que há homofobia no sul do Brasil.
... que paulistano é mais infeliz no sexo.
... que sexo casual cresce no Brasil.
... que sul-africanos têm orgasmo quase todas as vezes que fazem sexo (seguidos de espanhóis, mexicanos e italianos).
... que mulher liberal deixa homens inseguros.
... que sexo bom é igual a mulheres produtivas.
... que mulheres gordas fazem mais sexo que as magras.
... jovens na região Sul fazem mais sexo.
... por que as mulheres fazem sexo.
E haveria muitos títulos mais. Aliás, parece que as pessoas não fazem outra coisa a não ser realizar pesquisas. Duvida? Então vá ao Google e digite “pesquisa revela”: são quase 43 milhões de resultados.
Acha que alguma destas pesquisas foi útil para você?
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