sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Até agora a racista reversa fiscal de turbantes não foi encontrada

POR FELIPE CARDOSO

Semana passada, as mídias sociais foram tomadas pelo debate sobre a apropriação cultural. Thauane Cordeiro relatou, em seu perfil no Facebook, que foi criticada por uma mulher negra por usar turbante quando estava em uma estação de metrô. A jovem, que luta contra um câncer, relata que explicou o motivo de utilizar o turbante a mulher que a abordou, antes de sair e deixar a mulher negra com “cara de tacho”. Ao terminar o seu relato, Thuane lançou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. E finalizou o seu post com a seguinte frase “Foto da negra branca mais chave que vocês conhecem...”.

Não entrarei no debate sobre a apropriação cultural, não chegarei até lá. Nem darei atenção ao fato da jovem  tentar imitar Claudia Leitte e seu álbum "Negalora" ao finalizar sua denúncia na publicação. A minha preocupação é com outro fato que passa naturalmente despercebido aos nossos olhos.

Uma moça vai até o Facebook e relata o fato de ter sido vítima de preconceito praticado por uma mulher negra por estar usando turbante em um metrô. Rapidamente seu relato viraliza na Internet e o assunto ganha os trending topics do Twitter. Alguns veículos de imprensa digital e da grande mídia repercutem a denúncia da moça.

Tudo isso sem testemunhas, sem fotos, sem vídeos, sem boletim de ocorrência, sem no mínimo o primeiro nome da possível “agressora”. Os jornalistas não precisaram ir a fundo, não precisaram conferir as fontes, procurar e checar mais informações. Logo, os comentários de ódio contra os movimentos negros e seus integrantes começaram e não pararam mais. O tema da apropriação cultural foi banalizado e virou piada por parte de algumas pessoas (maioria branca).

Toda essa situação representa aquilo que nós já cansamos de dizer: a nossa voz não é escutada. Quantas denúncias feitas por negros e negras nas mesmas mídias sociais são silenciadas ou viram piadas? Isso quando elas conseguem o mínimo de atenção dos internautas. Quantos de nós somos constrangidos quando vamos fazer uma denúncia de racismo em delegacias por falta de tato e do racismo institucional presente na nossa sociedade?

Mesmo tendo provas, testemunhas, vídeos, fotos, nossas denúncias, na maioria das vezes são menosprezadas, caem no esquecimento, não são resolvidas e, em alguns casos, quando resolvidas, nos tornamos réus e não vítimas.

Toda essa polêmica serviu para mostrar que o privilégio branco é enorme e o grande escudo que protege o racismo. Bastou uma denúncia, sem uma simples prova ou testemunha sequer, para que houvesse repercussão.

Até hoje eu nunca participei de um encontro ou formação do movimento negro em que pessoas negras incentivassem outras a invadirem a privacidade de qualquer outra pessoa por estar usando algum símbolo da cultura negra, nunca ouvi outros relatos semelhantes, esse é o primeiro. Acredito que para mais negros e negras também seja.

Esse relato feito pela jovem moça ganhou tanto destaque porque se aproveitou da branquitude, além de utilizar estereótipos conhecidos, constantemente propagados e naturalizados no imaginário popular brasileiro. Tudo isso somado ao fato das mídias sociais estarem tomadas por uma onda fascista e conservadora que espera situações como essa para mostrar a sua verdadeira face.

Lendo o fato ocorrido nas entrelinhas, analisando os usos dos estereótipos, a história é simples:

Uma moça branca, inocente, solitária e fragilizada por conta de uma doença é atacada por uma negra raivosa, descontrolada, barraqueira, insensível (estereótipos racistas presentes no imaginário popular há séculos) que está acompanhada de mais mulheres negras (uma gangue, uma quadrilha, uma ameaça eminente, pois pretos reunidos vocês já sabem). É a receita certa para alimentar os racistas e fascistas que acham que tudo no mundo atualmente é “mimimi”.

Pronto. Está feito. Não precisam de provas, de nada. A voz da moça branca, inocente e frágil por si só já basta. Não adianta, negros e negras, tentar contrapor a denúncia, pedir esclarecimentos, mais detalhes do ocorrido, tentar explicar o que é apropriação cultural, explicar como o racismo afeta de fato as nossas vidas.

Nossas vozes não valem de nada. Nossas vidas não importam. Eles não querem nos escutar.

Dito isso, nós, negros e negras, aprendamos, de uma vez por todas uma lição: sair das mídias sociais e realizar a luta nas ruas, na política, na cultura, na economia. Em todos os campos. Eles não nos escutaram, nunca nos escutaram. É hora de nos reunirmos com quem de fato quer nos ouvir. É hora de agirmos diretamente para que os problemas gerados pelo racismo e pela desigualdade racial (desemprego, analfabetismo, pobreza, falta de investimentos para a saúde e educação, criminalidade, encarceramento, genocídio...) sejam resolvidos. A lista é grande. Não temos tempo para ficar sofrendo com comentários de quem não quer nos escutar e não respeita minimamente a nossa voz, as nossas pautas. Precisamos começar a agir de maneira eficaz, fora das mídias sociais, pois nós sabemos muito bem que o racismo nos mata física e psicologicamente. Não podemos nos desgastar psicologicamente em mídias sociais, pois precisamos nos defender fisicamente no nosso dia a dia.

Não podemos deixar nossos irmãos e irmãs morrerem enquanto nos desgastamos tentando responder quem não dá a mínima atenção para nós e nossos problemas.

Está na hora de colocar em prática uma outra estratégia. Sigamos.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Turbante, marchinha de Carnaval e o que nós, pessoas brancas, (não) temos com isso



POR CECILIA SANTOS
Se eu tivesse que explicar a alguém não familiarizado com o jargão das redes sociais o que significa a expressão “mimimi”, eu definiria como “termo usado para expressar falta de empatia”.

Há uns dias as redes sociais debateram acaloradamente se algumas marchinhas de Carnaval são racistas, e por isso devem ser evitadas, ou não. Por exemplo:
“O seu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor,
Mas como a cor não pega, mulata, mulata, eu quero o seu amor”
Nós, pessoas brancas, não vemos racismo porque não passamos por algo semelhante. Ninguém vai cantar em uma canção que pode nos amar, “apesar” de sermos brancos.

Então, apesar de algumas pessoas não verem a ofensividade (óbvia) da marchinha, não vale usar o argumento de que todo mundo cantou assim a vida inteira. A sociedade deixou de fazer um monte de coisas que hoje são claramente horríveis. Além disso, existem milhares de marchinhas, sem contar as que aparecem todo ano. Ninguém vai morrer se justamente a racista não tocar neste Carnaval, certo?

Uns dias depois, viralizou o post de uma garota branca que foi supostamente repreendida por uma mulher negra por estar usando um turbante. A garota tirou o turbante para mostrar que estava careca por conta da quimioterapia para tratar um câncer. E terminou o post com um “vai ter branca usando turbante”.

Parte da militância negra manifestou-se contra o uso do turbante como apropriação cultural e houve intensas reações contrárias. Mas é bem sintomático que isso mobilize mais as pessoas do que as denúncias de assassinatos de crianças e jovens negros nas periferias e comunidades pela PM.

Eu também não entendo muito bem a questão da apropriação cultural. Acontece que eu não tenho mesmo como entender, porque não é um símbolo da cultura dominante a que eu pertenço, essa que ao longo da história tem feito de tudo para reprimir e invisibilizar outras culturas e crenças.

Se as pessoas negras alegam que o turbante é um símbolo de resistência e/ou religião, quem sou eu para dar palpite? Até porque essa conversa não é sobre mim e meus adereços de cabeça, é sobre todo um grupo de pessoas que inclusive são frequentemente hostilizadas por usar esses mesmos símbolos.

Nós, pessoas brancas, temos sempre uma resistência muito grande a reconhecer nossos privilégios e nossas atitudes de discriminação. A discussão sobre racismo nos coloca quase sempre em posição defensiva ou de ataque, mas raramente de reconhecimento. Um exemplo: somente depois de 30 anos de formada eu me dei conta de que não havia uma única pessoa negra na minha turma de faculdade. Apontei isso no Facebook e fui criticada por duas ex-colegas, que diziam que tinham se esforçado muito para cursar uma faculdade particular. Tenho certeza de que sim. O que elas não percebem é que muitas pessoas negras se esforçaram tanto ou até mais do que elas e não conseguiram chegar lá, por mil motivos sobre os quais deveríamos refletir a fim de combater esse verdadeiro apartheid social que vivemos.

Quando ouço alguém dizer que o racismo não existe e que nós somos todos humanos, penso em fazer as seguintes perguntas:

(No caso de uma mulher) Ao visitar um edifício de classe média-alta, alguém já te perguntou se você tem dia livre para faxina?*

(No caso de um homem) Você costuma ser abordado pela polícia na rua ou seguido por funcionários em estabelecimentos comerciais?

Nós, pessoas brancas, realmente não entendemos o racismo porque não passamos cotidianamente por essas situações. Mas deveríamos ouvir o incômodo dos outros, ter empatia e respeitar. E abolir essa expressão horrorosa, “mimimi”.

(*O exemplo acima é real e aconteceu algumas vezes com uma das minhas vizinhas, de 1 das 3 únicas famílias negras no meu condomínio de classe média-alta com 92 apartamentos).

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

É o final dos tempos... e vem na forma de veneno


POR RAQUEL MIGLIORINI
No final do mês de janeiro foi publicado, num jornal inglês, uma entrevista com o russo Dyomin Damir Zakharovich, que afirmava: o fim do mundo será no dia 16 de Fevereiro. Isso mesmo. Amanhã, segundo o russo, um asteróide se chocará contra a Terra e causará um tsunami tão grande que destruirá qualquer forma de vida do nosso tão sofrido planeta.

Já vimos e ouvimos outras previsões catastróficas e confesso que essa do asteróide não me assustou tanto quanto a que vi no início desse mês: o chamado Pacote do Veneno do governo temeroso temerário. Ao contrário do asteróide, essas medidas, se implantadas, não destruirão o planeta todo. Apenas nosso país, com todas as populações animais e vegetais aqui existentes, sofrerá com requintes de crueldade e gradativamente desaparecerá.

A extinção brasileira será precedida de muitas doenças severas, com contaminação da água e do solo. Quando os humanos perceberem que estão doentes e que tudo ao seu redor está contaminado, já será tarde demais para qualquer ação saneadora. Isso sim é que é catástrofe. O asteróide parece um presente diante do quadro apresentado.

O Projeto de Lei 3200/2015, que tramita na Câmara Nada Ilibada de Deputados Ruralistas Federais, foi apresentado pelo deputado Covatti Filho, PP/RS, que em novembro do ano passado fez um papelão em Washington, bebendo exageradamente com mais 2 colegas num seminário que  discutia a meta da OMS para reduzir em 10% o consumo nocivo de álcool até 2025.

O projeto trata de tudo o que se refere a agrotóxicos, como controle, inspeção, embalagens, produção, etc e pretende revogar a lei 7.802 que regulamenta o uso desses defensivos e que precisa ser modernizada, mas nos padrões europeus, que torna tudo mais restritivo quando o assunto é saúde.

O ministro Blairo Maggi já havia apresentado o Projeto de Lei 6299/2002, que estava engavetado mas, em julho de 2016 foi apensado ao outro projeto. O agropecuarista Maggi vai mais além no pacote do veneno: quer tirar das embalagens as caveiras, o nome agrotóxico, e liberar todos os venenos que não matem de forma aguda, ou seja, na hora em que forem utilizados. Qualquer estudante de Ensino Fundamental sabe que venenos matam de forma crônica, a médio e longo prazo. Maggi quer liberar os princípios ativos proibidos no mundo todo e permitir o uso em qualquer quantidade, sem regulamentação.

O asteróide parece um bom fim, não?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Joinville: cultura não interessa, turismo não existe

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Dei uma lida no artigo de Udo Dohler, publicado no AN, no último fim de semana. Texto enfadonho, não prende a atenção do leitor. Aliás, se fosse substituído por uma infografia era capaz de fazer a mensagem – ou a falta dela – chegar mais fácil ao cidadão. O que fica desse emaranhado de “reformas” apresentado no artigo é um enorme nada. Aliás, atrevo-me a dizer que o texto reflete a atual administração: burocrático, de eficiência questionável e sem a mínima imaginação.

Há muito para analisar. Mas vamos ficar por uma “reforma” que salta aos olhos: turismo e cultura sob o mesmo guarda-chuva. Diz o prefeito que “vão trabalhar juntos em projetos voltados à educação cultural, promoção de talentos e estímulo aos potenciais turísticos da cidade”. Para começar, parece haver pouco domínio do léxico: o que será a tal “educação cultural”? Ora, é uma expressão vazia de conteúdo. Significa... nada. Maldita semântica!

Ah... e antes que algum assessor se (re)lembre de usar o argumento de “tem que viver aqui para criticar”, deixo um aviso. Se vão falar de turismo, nada melhor que alguém capaz de vestir a pele de turista. Se vão falar de cultura, é aconselhável dar ouvidos a quem, exatamente por viver em outras latitudes, pode trazer outros contributos para a discussão. Sem provincianismos bacocos, senhores assessores. Até porque vocês não são donos da cidade.

Cultura? Joinville precisa de uma revolução cultural. E vai com décadas de atraso. Mas não se faz revoluções com agendas de eventos. É óbvio que os chamados eventos culturais fazem parte daquilo que genericamente chamamos “cultura”. Mas o conceito não se esgota aí. É preciso mudar o inconsciente social. E o primeiro passo é abandonar a caretice, o conservadorismo e os grilhões que mantêm os horizontes mentais da cidade aprisionados entre Garuva e Barra Velha. O que a Prefeitura pode fazer? Muita coisa. Como? Perguntem aos que governam, porque eles são pagos para isso.

Turismo? A situação é igualmente dramática. Stricto sensu não há turismo. O maior problema é a modéstia das ambições dos administradores da cidade. Em Joinville, o poder público nunca olhou para o setor como uma indústria. Eis a ironia: uma cidade que se orgulha de ser industrial não sabe industriar o turismo. E é um dos setores que mais cresce e gera divisas em todo o mundo. O que a Prefeitura pode fazer? Muita coisa. Como? Perguntem aos que governam, porque eles são pagos para isso.

O que diz a história da cidade? Que em Joinville o poder público nunca entendeu o significado de cultura e nunca se interessou pelo turismo como atividade econômica a sério. A cidade vive mergulhada num círculo vicioso. Afinal, como já dizia Einstein, é estupidez continuar a fazer as mesmas coisas e achar que se vai obter resultados diferentes. Não é uma mudança de organograma que produz mudanças estruturais e estruturantes. Aliás, a solução é até mais simples do que se imagina: basta saber enxergar um palmo adiante do nariz.

Quando a assunto é turismo ou cultura, Joinville é a Terra do Nunca.

É a dança da chuva.