quinta-feira, 29 de outubro de 2015

#PrimeiroAssédio



POR VANDERSON SOARES

vanderson.vsoares@gmail.com

As redes sociais, nos últimos meses, tem trazido à baila um problema antigo, mas ainda bem atual: o assédio sexual. Em especial, os maiores incentivadores deste debate foram os tweets e postagens sobre a menina Valentina, participante do MasterChef Jr e o #PrimeiroAssedio, hashtag criada no Twitter para que as meninas que já sofreram assédio pudessem falar mais a respeito de suas desagradáveis experiências.

Detive-me a ler os tweets e comentários e não pude deixar de pensar no quão difícil deve ser mulher nos tempos de hoje. Não por ser mulher, mas por ser o maior alvo no caso do assédio. Este texto não tem a presunção de analisar o machismo, pois este é mais amplo (atinge o mercado de trabalho, a vida conjugal, a forma de educar os filhos, etc), mas o assédio é um dos aspectos no rol de atividades que o machismo incentiva, o ato em si é algo que ultrapassa a barreira da criminalidade, do mais baixo nível que nossa espécie pode chegar.

O que mais assombra no relato das meninas é que quase todas sofreram abusos ou tentativas enquanto ainda crianças, com 9, 10, 12 anos. Você que é homem e lê este texto, você acha normal uma criança despertar o seu tesão? Se sim, procure ajuda, pois não, não é normal. 

Fiquei intrigado com o tema e conversei um pouco com as mulheres que convivo no trabalho ou nos grupos que participo e todas que pude conversar admitiram que já sofreram algum tipo de assédio. E por assédio, não se entenda somente os comentários ofensivos e chulos que são feitos na rua (que também ferem e machucam), mas também gestos, atitudes e até tentativas de agressão.

Imagine você que é pai, que é marido, que é irmão ou que é um ser humano capaz de viver em sociedade, consegue imaginar o medo que sua filha, namorada ou mãe tem ao andar sozinha na rua ou em horários noturnos? Pois não deveriam ter esse receio. O direito de ir e vir não escolhe gênero. Ainda me recordo das vezes que escutei meu pai ou mãe falar para minha irmã trocar de roupa, pois a calça dela estava apertada demais. Entendo que seja uma forma de proteger, de querer o bem, mas isso é educar ao contrário, é culpar a vítima e não o agressor. 

O que tira a fé na reabilitação da humanidade é ler os comentários de gente que não tem empatia tampouco capacidade de vivência em sociedade, defendendo o assédio (sim, o crime) com comentários do tipo: “Mas também, olha a roupa que ela estava usando”, “Ela estava pedindo”, “Essa merece” e por aí vai. 

Esse tema se desmembra em tantos outros que não caberiam apenas neste texto, mas uma grande “justificativa” difundida para este crime é que é “da natureza do homem, do instinto”. Se dermos crédito a isso, estaremos nos reclassificando novamente como primitivos, como animais. É também próprio da espécie humana querer a evolução, a compreensão e a plena convivência em sociedade.

Por ser homem, não me sinto com autoridade suficiente nem com domínio do assunto para incentivar as mulheres em como reagir, mas com certeza se calar não é a melhor forma de lidar. Sofrer um abuso, um assédio, por mais próxima que seja a pessoa, um vizinho, tio, amigo, deve ser denunciado e sofrer os rigores da lei. Se não isso, ao menos a franca conversa com a mãe, a filha ou alguém de confiança, pois guardar para si apenas colabora para a continuidade do problema na sociedade e não superação pessoal do ocorrido. 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ah! Aleluia! O Corredor é nosso!


Não passarão!


Vá de retro, ciência. Isso é doutrinação!


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Rolou um “auê” entre os reaças. Tudo por causa das provas do ENEM, que trouxeram nomes como Simone de Beauvoir, Nietzsche ou Paulo Freire. Os caras foram à loucura e não demoraram a armar o berreiro: “doutrinação, doutrinação, doutrinação”. E nem importa se também apareceram nomes como Hume, Hobbes, São Tomás de Aquino, Platão ou, imaginem, Usain Bolt. Os caras não querem saber? A reacionaria quer é circo.

A palavra doutrina tem origem no latim doctrina, expressão derivada de doceo (ensino). Ou seja, tem a ver com instrução, aprendizado, aquisição de conhecimento. Apenas em tempos mais recentes a palavra passou a ser entendida como um conjunto de teorias que, sistematizadas, formam os fundamentos de uma ciência. Se soa a inteligência, a reacionaria odeia, claro. Há mais ou menos aquilo que Kostas Axelos chamou “rejeição do pensamento”.

Num país como o Brasil, onde os conservadores representam o que há de mais atrasado, a palavra ganhou outros contornos. Virou um clichezão a ser repetido por qualquer iliterato para falar em imposições ideológicas. Ou, numa linguagem que os reaças talvez entendam, doutrinação é sinônimo de “fazer a cabeça”.

Eis o problema. O anti-intelectualismo – ao estilo tea party – estufa o peito e insiste em dar cartas. E rejeição do pensamento ganha contornos de uma estranha “ciência”: é tudo ao contrário. Enfim, aquilo que a pessoa não entende - e não quer entender por imperativo ideológico ou abulia intelectual - é o que ela chama "doutrinação". Qual o perigo? É que o país parece disposto a mergulhar nas trevas sem ter experimentado as luzes.

Quadro de Goya
É nesse meio obscurantista que surgem Bolsonaros, Malafaias, Felicianos, Rola-Bostas, Sheherazades, Constantinos e outras hediondezas, como os reacionários das redes sociais. Afinal, são organismos que só se desenvolvem em ambientes intelectualmente anaeróbicos. Aliás, essas pessoas são incapazes de perceber que a própria ignorância é doutrinária.

Um retrato do Brasil? Há uma pintura de Goya, exposta no Museu do Prado, que pode representar este momento. O quadro, chamado “Luta com Clavas” (Duelo a Garrotazos), mostra dois homens a combater na lama – ou areia movediça. Quanto mais lutam mais afundam e correm perigo. Mas mesmo assim não param de lutar. É o Brasil a se afundar no irracionalismo. Vá de retro, ciência.


É a dança da chuva.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A cadeira giratória: prefeito por 48 horas

POR JORDI CASTAN


Joinville teve 3 prefeitos em uma semana.

O vereador Rodrigo Fachini (PMDB) poderá incluir no seu currículo que foi prefeito de Joinville por dois dias ou por algumas horas. Sentou na cadeira do prefeito e ocupou o gabinete, quando poderia ter despachado perfeitamente desde o seu próprio gabinete na Câmara de Vereadores. Poderá ainda acrescentar que assinou o Adimplir 2  e o teatro poderá descer o telão. A peça terá terminado e a claque de sempre aplaudirá em pé e pedirá bis. Todo um espetáculo republicano.

É evidente que a peça foi cuidadosamente ensaiada. Tudo foi planejado para afagar o presidente do Legislativo e manter assim uma relação tão estreita com o Executivo que poderia ser classificada de promiscua. Com certeza o vice-prefeito Rodrigo Coelho não poderia entrar em férias num momento mais oportuno. É também evidente que a capacidade de fiscalizar o Executivo, que a Câmara tem como função, fica comprometida.

Esses agrados e gentilezas têm um peso significativo no teatro em que tem se convertido a política. E que, no âmbito local, acaba parecendo mais uma comédia de segunda categoria que uma peça de teatro. É por estas e outras que Joinville não consegue superar o seu complexo de vila de interior.

Estabelece-se uma dívida de gratidão entre o prefeito, o vice-prefeito e o presidente do legislativo. E essas dividas, além de criarem vínculos fortes, devem ser pagas. Se todos estes agrados não fossem suficientes, o prefeito em exercício indicara ainda o subprefeito da região sul. A dança das cadeiras permitirá ainda que o vereador Lioilson Corrêa (PT) assuma, também por 48 horas, a presidência da Câmara de Vereadores.

Joinville só repete o que também acontece no âmbito estadual e federal. Presidentes da República em exercício por poucos dias têm sido motivo de episódios que causam vergonha alheia. Viagens oficiais com avião presidencial ao Estado de origem. Ou atos oficiais absolutamente desimportantes. Até porque nem o prefeito, nem o governador, nem o presidente deixam “tinta na caneta”. Assim, a interinidade se converte numa ridícula pantomima com direito a discursos, intensa agenda de trabalho e justas e merecidas homenagens.