quinta-feira, 1 de maio de 2014

Yes, nós temos bananas!


POR CLÓVIS GRUNER

Na mesma semana em que a hashtag #somostodosmacacos viralizou nas redes sociais, em reação a atitude de um torcedor espanhol que jogou uma banana para o jogador brasileiro Daniel Alves; o juiz Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal da Justiça do Estado de São Paulo, inocentou o humorista Danilo Gentili, acusado de racismo por ter, no Twitter, chamado um internauta negro, Thiago Ribeiro, de “macaco” e lhe oferecido uma banana, conclamando seus seguidores a fazer o mesmo. A alegação do magistrado, de que Gentili, mesmo tratando o internauta agressivamente não pretendia ofendê-lo, tendo apenas “a intenção de fazer rir”, parece contrastar com a onda de indignação que varreu a internet em solidariedade ao jogador do Barcelona.

Mas a apenas aparente contradição revela a lógica pervertida da maioria dos repentinamente convertidos ao ideário anti-racista, bem como a perversão da trajetória de luta contra o racismo no Brasil. Em outra ocasião, tratei do humor dito “politicamente incorreto”, do qual Danilo Gentili é um dos principais expoentes, a reforçar diuturnamente nossos muitos preconceitos; não pretendo voltar ao assunto. Mas a absolvição do humorista, acusado de praticar justamente aquilo que inúmeros internautas, entre eles uma variedade de celebridades e subcelebridades, tanto condenaram – chamar negro de macaco e oferecer-lhe uma banana – sem que absolutamente nenhum deles manifestasse mesmo um esboço de repúdio, nem agora nem na ocasião da agressão, é reveladora.

O silêncio tácito e cúmplice reforça a impressão que a solidariedade em rede deveu-se mais aos interesses do marketing de oportunidade que, necessariamente, ao engajamento no combate às muitas formas de racismo que grassam no país. Não bastasse a atitude de Neymar ter sido fruto de uma “sacada publicitária” da agência Loducca, e não um gesto espontâneo de indignação, o oportunismo de Luciano Huck conseguiu lucrar com um problema delicado e grave, que afeta a vida de milhares de brasileiros – mas certamente não a dele – vendendo pela bagatela de 69 dinheiros as camisetas da campanha.

Em jogo estava muito mais a imagem que muitos dos protagonistas quiseram projetar de si do que, necessariamente, a repulsa contra um racismo que, é bastante provável, a maioria deles sequer admita existir. Nesse sentido, não deixa de ser curioso que o elenco de rostos a exibir ou comer bananas era majoritariamente branco. Gente que faz questão de manter uma calculada indiferença quando o racismo  denunciado nas redes sociais à preço de banana se manifesta não contra um jogador de time europeu, mas afeta indivíduos anônimos, submetidos cotidianamente às muitas formas de violência física e simbólica que o caracterizam – como ser constantemente vítima da violência policial ou chamado de macaco por uma subcelebridade no Twitter. Entre a realidade e o espetáculo, celebridades e subcelebridades preferiram, uma vez mais, o espetáculo. Não deixa de ser coerente.

REFORÇAR O ESTEREÓTIPO – Desde o começo a campanha me incomodou. Desconfiava do excesso de boas intenções, da rapidez com que a denúncia tomou as redes sociais. Para além de todo oportunismo, do bom mocismo de fachada e de outros “ismos”, achei-a bizarra pelo simples fato de reforçar um lugar comum do discurso racista. Afinal, o ideal de todo discurso e gesto que se pretendem críticos não deveria ser, justamente, confrontar o racismo desconstruindo seus estereótipos, ao invés de reafirmá-los, mesmo que na base da boa intenção?

O ato falho – ou talvez nem tão falho – reforçou, em milhares de retweets e compartilhamentos, um comportamento e um discurso comuns no tratamento dispensado ao negros e demais “minorias”: piadas ofensivas; comentários e atitudes estigmatizantes; salários diferenciados; humilhações públicas; anúncios de emprego a pedir “pessoas de boa aparência”; olhares oblíquos. Particularmente no caso do racismo, o uso recorrente da imagem do “macaco” reafirma um estigma que desumaniza negros e negras: subjacente a ela está o discurso que lhes atribui um atavismo incontornável, com toda a carga de inferiorização – física, psíquica, intelectual, moral, etc... – que isto implica. A comparação de negros a macacos, pouco importa o contexto em que ela aparece e as intenções que a motivam, é racista. Ela reproduz estigmas, há até pouco tempo considerados científicos e hoje presentes no chamado senso comum, reiterados principalmente pelas linguagens midiáticas e fortemente assentados em nosso imaginário e percepções de mundo.

Além de histórica e moralmente ofensiva, a aproximação despolitiza décadas de luta contra o racismo, tratando-o como coisa que se resolve com alguns tweets e outros tantos likes; um espetáculo, enfim. E é também significativo que algumas das vozes mais autorizadas entre as lideranças negras tenham, desde o primeiro momento, rechaçado-a. Isso não significa conferir aos negros o monopólio do discurso anti-racista, desautorizando quem não o é de denunciar o preconceito e a discriminação: fosse isso e eu, homem, branco e hetero, não poderia manifestar-me contra o racismo, o machismo e a homofobia, por exemplo, nem solidarizar-me com as muitas manifestações políticas que visam, justamente, combatê-los.

Por outro lado, há determinadas experiências impossíveis de serem narradas por mim que, homem, branco e hetero, nunca sofri nem senti os efeitos deletérios da violência discriminatória. Dito de outra forma, posso manifestar minha solidariedade, mas jamais poderei falar pelo outro: a empatia pelo sofrimento alheio não me autoriza a falar em outro nome se não em meu próprio. As celebridades, subcelebridades e seus seguidores que se imaginaram macacos e exibiram suas bananas se equivocaram ao imaginar que o podiam e em tentar traduzir num gesto despolitizado e vazio séculos de humilhação. Além, claro, de vender camisetas.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Trabalhar dá muito trabalho


POR JOSE ANTÓNIO BAÇO

Gente, estes últimos dias têm sido muito bons. É que aqui na terrinha tivemos dois feriados nas duas últimas semanas e amanhã vem outro (para todos nós). Que crise, que nada. Têm sido tempos de relax, de dolce far niente e de manter o cérebro a vadiar. Mas acontece que cabeça vazia é a oficina do diabo. Aliás, foi São Jerônimo quem avisou, por outras palavras:

       - Trabalha em algo, para que o diabo te                                encontre sempre ocupado.

Mas em meio a essa malemolência toda, Batman e Robin, os meus dois neurônios bêbados, ficaram a ter ideias estranhas. 
-       Huuummm. O trabalho é aquela coisa chata que acontece no meio da diversão.

Bem... a esta hora imagino que haja leitores e leitoras a torcer o nariz e a me chamar de vagabundo (pode ser, mas sou um vagabundo que trabalha muito). E não deixa de ser irônico que as pessoas nunca questionem o trabalho, que em outros momentos da história já foi visto como uma maldição, uma vergonha. É só lembrar que os nobres, antes da queda do feudalismo, tinham pavor a pegar no duro.

O leitor sabe, por exemplo, de onde surgiu aquele hábito dos ricos, que esticavam o dedo mindinho sempre que seguravam uma xícara? Era um forma de mostrar que eram diferentes dos trabalhadores que, por terem as mãos grossas e calejadas do trabalho, não conseguiam estender o tal dedinho. Viu? Cabo de enxada também é cultura.

UM DEFUNTO NA SOCIEDADE - Para que o leitor não fique aí a imprecar contra a minha pessoa, não sou apenas eu a questionar o trabalho. E apresento aqui um excerto de um texto de Paul Lafargue, genro de Karl Marx (o velho barbudo, por sinal, achava que a emancipação do homem viria justo pelo trabalho):

-       Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho.

Aliás, Lafargue relembra que o trabalho foi um castigo de Deus, com aquela coisa do “suor do teu rosto”. Não concorda? Pois fique a saber que há opiniões piores. E atuais. O Grupo Krisis, por exemplo, diz que o trabalho é um defunto que domina a sociedade.

-       A produção de riqueza desvincula-se cada vez mais, na sequência da revolução microeletrônica, do uso de força de trabalho humano - numa escala que há poucas décadas só poderia ser imaginada como ficção científica. Ninguém poderá afirmar seriamente que este processo pode ser travado ou, até mesmo, invertido. A venda da mercadoria ‘força de trabalho’ será no século XXI tão promissora quanto a venda de carruagens de correio no século XX.

Os homens do Krisis pegam pesado. E dizem também que “quanto mais fica claro que a sociedade do trabalho chegou a seu fim definitivo, tanto mais violentamente este fim é reprimido na consciência da opinião pública”. Ooops!

Não adianta. Esqueçam essa coisa de pleno emprego, porque é sol de pouca dura. Quem viver verá.

domingo, 27 de abril de 2014

As tuitadas matinais do prefeito

POR JORDI CASTAN

A cada manhã, os seguidores de @UdoDohler recebem suas mensagens de autoajuda no Twitter. O prefeito de Joinville assume seu "alter ego" e se converte em um "Paulo Coelho" sambaquiano. Alguns temas são recorrentes. Não faltam conselhos, frases de pensadores conhecidos, agradecimentos e críticas mais ou menos veladas.

Ultimamente, o foco das suas críticas  tem sido "os de sempre", "os que não querem ver o desenvolvimento da cidade". O prefeito não identifica quem são "os de sempre" e isso tem dado pé a diversas teorias das mais curiosas. Há quem ache que ele esta se referindo aos partidos que, na última eleição, se agruparam na coligação KCT, aí se incluem o PSDB, o PT e o PSD. Outros acham que está a se referir às chamadas viúvas do PT. 

Leitores mais atentos identificam em "os de sempre" pessoas do seu próprio partido, o PMDB, algumas enquistadas na administração municipal desde antes de Joinville deixar de ser colônia. São eles os que, com sua incompetência, torpedeiam a gestão desde dentro. Atrasam a inauguração de obras públicas, cometem erros crassos nos projetos e ocasionam graves prejuízos à cidade. E têm perdido prazos para buscar recursos vitais para Joinville. Há os que chegam sistematicamente tarde às reuniões, marcadas ao alvorecer.

Outros vivem dando declarações desafortunadas e que a realidade e a luz do sol desmentem poucas horas depois. E, claro, acabam pondo em xeque toda a credibilidade da gestão, dizendo e desdizendo-se na mesma velocidade em que muda a forma das nuvens. Pior que isso tudo? Não há força humana capaz de fazer que concluam - no prazo e corretamente - qualquer das licitações em andamento, seja a do transporte coletivo, a do estacionamento rotativo, a dos móveis e equipamentos do restaurante popular, a dos parques do Fonplata e tantas outras que atrasam o desenvolvimento de Joinville.



"Os mesmos de sempre que não querem ver uma cidade melhor" podem ser também identificados entre os vereadores que votam qualquer projeto que venha do Executivo, sem cumprir prazos regimentais, sem analisá-lo adequadamente, sem promover o amplo debate com a sociedade e permitindo, com a sua torpeza, que a justiça conceda liminares, obrigando que todos os processos tenham que ser refeitos corretamente.

E não só os vereadores poderiam estar nesse grupo. Também poderíamos incluir os que prometeram ao prefeito aprovar a LOT antes dessa ou daquela data. Ou os que insistem em cometer reiteradamente os mesmos erros: marcam audiências públicas que não cumprem a lei, para ver aprovada, de forma expedita e sem permitir a efetiva participação da população, uma lei que se tivesse sido aprovada na sua redação original só traria benefícios para "os mesmos de sempre".

Erraria o prefeito se, ao se referir aos "mesmos de sempre", estivesse se referindo, mesmo que indiretamente, ao grupo de associações de moradores que, de forma sistemática, não pedem outra coisa a não ser que a lei seja cumprida. Que os joinvilenses tenham acesso a informações transparentes e precisas. Que sejam feitos - e apresentados no prazo -, os estudos técnicos a provar e justificar as mudanças que a LOT propõe. Que informem quem comprou áreas de terra em áreas rurais recentemente, com o objetivo de se beneficiar com a valorização pelo aumento do perímetro urbano, se há doadores de campanha nessa relação, a quem interessa permitir a instalação de indústrias e atividades de alto potencial poluidor ou de geração de trânsito junto a áreas exclusivamente residenciais.

De que forma espigões verticais de mais de 20 pavimentos impactarão na insolação e na ventilação dos imóveis próximos? Qual é o plano de mobilidade previsto para Joinville e como as Faixas Viárias previstas na LOT afetam a mobilidade atual e futura da cidade? Seria um erro grave! Porque são justamente estes os setores da sociedade que querem uma cidade melhor e lutam por ela. E o prefeito faria bem em começar a escutá-los. Ganharia ele, ganharia Joinville. E melhoraria muito a qualidade das suas tuitadas matinais.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

The Walking Greve - O Retorno.


Leis para velhinhas, carolas e cretinos

POR FELIPE SILVEIRA

Algumas leis são criadas para agradar velhinhas e carolas. É o caso das leis Schroeder e Peixer. Uma proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos e a outra proíbe a venda de bebidas alcoólicas e não alcoólicas em latas e garrafas de vidro em eventos públicos. Leis que tem tudo a ver com a tradição de Joinville: retrógrada, conservadora, bisbilhoteira, frígida...

Em Joinville é praticamente proibido andar na rua. Exceto se for na tal da rua do lazer, “lugar da família”. Se está na rua, na rua de verdade, aqui pensam, é vagabundo. Exceto se for em algum evento como o stammtisch, onde todos vigiam todos, competindo pra ver quem pode ostentar mais.

A diversão do joinvilense sempre foi privada, vigiada, controlada. As empresas que cresceram no período da ditadura civil-militar, com o dinheiro do povo espoliado, construíram grandes espaços de diversão e lazer para os funcionários (com o dinheiro deles, é óbvio). Quadras esportivas, restaurante, parquinho para as crianças... tudo estava ali para o funcionário levar a família durante a hora de folga. Ali, onde o patrão poderia ficar de olho, e o cagueta também.

Certas práticas permanecem. A vigilância e a caguetagem, fortemente. A política voltada aos interesses da classe dominante também. Ora, se tomar uma cerveja já é razão para ser mal visto, imagina pensar diferente. Política para agradar velhinhas, carolas e interessados em manter as coisas como estão. Pobres velhinhas que entram de gaiato.

Em uma entrevista a um programa esportivo, um dos vereadores explicou a lei, deixando bem claro que ela se destinava a inibir o comportamento de um certo tipo de grupo que ele e os radialistas já conheciam. Acho, só acho, que alguém na avenida Hermann Lepper curte a ideia de higienização social...

Com o tempo a sociedade passa a ter vergonha de certos costumes e práticas passadas, como a escravidão e a ditadura. Certamente teremos vergonha de certos vereadores e suas leis para agradar velhinhas, carolas e certos tipos de cretinos.